Por Tainá Vieira de Oliveira
Em um cenário de grande desilusão com os governos e instituições democráticas, a ascensão de figuras populistas e do extremismo político é uma realidade mundial, que gera grandes efeitos no regime democrático de direito. Em decorrência da ausência de uma estabilidade política e econômica, as pessoas buscam um líder capaz de resolver todos os problemas, com discursos inflamados de soluções radicais e rápidas para os problemas sociais, sem uma análise de outros fatores geradores da problemáticas e diálogo com outras ideologias.
As divergências políticas não só fazem parte da democracia, como são necessárias para a sua manutenção, em que se busca uma participação de todos, de forma direta ou indireta, no desenvolvimento de políticas públicas e ações governamentais por meio de um debate justo e igualitário e significa eleições livres, legislaturas e direitos fundamentais (PÉREZ-PERDOMO; FRIEDMAN, 2003). Contudo, em uma análise de estudo dos colapsos ao longo da história, é claro que a polarização extrema é capaz de matar democracias (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018), pois gera efeitos danosos ao regime democrático de direito, visto que os lados não são capazes de ter uma convivência saudável para a construção de um entendimento com o objetivo de desenvolver ações e políticas públicas para os problemas sociais, com respeito aos direitos humanos e garantias fundamentais.
Ainda mais, os extremistas possuem a ilusão de que já possuem os conhecimentos necessários para a construção de uma sociedade melhor, e não aceitam o contraditório, de modo que a flexibilização das normas constitucionais e atentados ao regime democrático se tornam justificados em prol de seus objetivos. De certo, os líderes extremistas afirmam que as soluções dos problemas mais prementes da atualidade são muito simples e que a massa de pessoas comuns sabe institivamente o que fazer (MOUNK, 2019). Contudo, simplificar que apenas escutar e executar a vontade pura do povo, sumiria com os motivos de descontentamento popular, é uma visão muito reducionista da realidade, que desconsidera a alta complexidade das problemáticas sociais, que perduram durante anos sem solução, e necessitam de grande estudo e planejamento para a elaboração de diversas políticas de longo prazo.
Ademais, a desconfiança nas instituições democráticas, fundamentais para a ordem constitucional, é um risco à própria democracia, pois a crença na indiferença ou ineficácia institucional diante das necessidades sociais ocasionam uma revolta com o próprio regime, em que ignorar leis e normas se torna aceitável para o alcance das soluções radicais de problemáticas sociais. Desse modo, como as instituições possuem duas funções complementares: a distribuição do poder de tomar decisões que afetam a coletividade, bem como assegurar a participação dos cidadãos na avaliação e no julgamento que fundamenta o processo de tomada dessas decisões (MOISÉS, 2005), a desconfiança ampla e contínua ocasiona que os cidadãos tenham menos disposição de participar de processos políticos, o que afeta a disposição do poder e o processos de tomada de decisões do corpo social, bem como não desconsideram a relevância das organizações para o regime de direito.
Além disso, as redes sociais, como um meio fácil de conexão e grande alcance, são um meio rápido para a disseminação de ideias radicais. Ainda mais, com o auxílio das próprias plataformas, os algoritmos contribuem para as chamadas “bolhas digitais”, em que as pessoas são expostas apenas a informações relacionadas a sua ideologia, sem contato com postagens do outro lado ou um confronto das suas convicções, fomentando ainda mais o extremismo. Em outras palavras, o processo de radicalização de jovens e adultos se torna crescente ao não serem expostos a outras ideias, com a migração de conteúdos mais leves para os mais radicais pelo sistema de recomendação das redes sociais e os padrões discriminatórios dos algoritmos (TUNES, 2020), de modo que o número de extremistas, tanto de direita, quanto de esquerda, cresce em alta velocidade, o que afeta movimentos sociais e eleições pelo mundo todo.
Portanto, entende-se que a polarização é uma ferramenta utilizada por líderes autoritárias como uma forma de aumentar a sua popularidade, desacreditando adversários e fomentando atentados contra as instituições democráticos, a fim de possibilitar uma ascensão rápida e duradoura ao sistema. Assim, deve-se considerar que o risco atual para o regime democrático de direito brasileiro não é apenas um ditador ostensivo em um regime autoritário, mas também os próprios governos eleitos, nomeados como “autocratas eleitos”, como bem demonstrado no livro “Como as democracias morrem” de Daniel Ziblatt e Steven Levitsky:
É assim que as democracias morrem agora. A ditadura ostensiva – sob a forma de fascismo, comunismo ou domínio militar – desapareceu em grande parte do mundo. Golpes militares e outras tomadas violentas do poder são raros. A maioria dos países realiza eleições regulares. Democracias ainda morrem, mas por meios diferentes. Desde o final da Guerra Fria, a maior parte dos colapsos democráticos não foi causada por generais e soldados, mas pelos próprios governos eleitos. (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018).
Desse modo, considerando que um Estado de Direito é um Estado de direitos fundamentais, que reconhece e, como regra, constitucionaliza um conjunto de direitos, que constituem dos princípios estruturantes de conformação institucional dos países (BEDIN, 2010), a ausência de submissão de um autocrata ao império do direito fere a própria materialização da ideia de justiça e o sistema democrático. Assim, o radicalismo ideológico promove uma relativização do regime de direito e as suas normas, em uma deturpação do próprio sistema, com a argumentação de que determinadas normas se tornam obstáculos institucionais para o cumprimento da vontade do povo, ainda que não seja garantido o resguardo dos direitos de minorias étnicas e religiosos.
Nesse viés, um dos maiores perigos dos autocratas eleitos é como os cidadãos ainda acreditam que o regime democrático está em vigência, sem se atentar à erosão lenta de suas próprias instituições, pela ausência de um golpe de Estado (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018). Isto é, a ascensão ao poder de forma legítima pela via eleitoral não garante a proteção da democracia, pois em um cenário em que a influência do radicalismo ideológico é progressiva em debates mais unilaterais e ofensivos ao sistema democrático e os direitos humanos, é necessário ações permanentes para a proteção da democracia, inclusive de seus próprios governadores e seus apoiadores.
Ainda mais, como exemplo dos efeitos do extremismo político, o 8 de janeiro de 2023, que foi marcado por uma invasão no Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF) por apoiadores extremistas do ex-presidente Jair Bolsonaro, apresenta-se como um caso claro de ataque à democracia brasileira. Isto é, atentados na Praça dos Três Poderes – nas sedes principais do executivo, legislativo e judiciário – por golpistas que ameaçaram o regime democrático, incentivados por discursos inflamados e desconfiança das instituições demonstram a ameaça que o extremismo política representa para a democracia, em que se fomenta a violência política e ideias contra o Estado de Direito.
Similarmente, a invasão do Capitólio dos Estados Unidos, principal símbolo do poder político dos EUA, em 6 de janeiro de 2021 por centenas de apoiadores do então presidente Donald Trump, questionando a legitimidade das eleições, com o argumento de que houve fraude nas votações de 2020, também expõe os as consequências da disseminação de ideais políticos radicais em um país. Além disso, também deve-se considerar o atentado contra Donald Trump, o atual candidato à presidência dos Estados Unidos da América (EUA), no dia 13 de julho de 2024 em um comício no estado da Pensilvânia na véspera da Convenção Nacional Republicana, como um ataque que enfraquece a democracia e a escolha de seus governantes pelas vias legítimas. De certo, ambos os casos demonstram como os EUA estão em um ambiente de forte polarização política, em que o discurso de ódio está sendo utilizado como um instrumento político e os ataques aos adversários e instituições aumentam.
Por fim, considerando que a subversão da democracia pode ocorrer de forma legalizada e com apoio de parte considerável da população, conclui-se que a democracia em sua forma mais tradicional não está preparada para as ameaças atuais. Assim, deve-se atentar que a vontade da maioria não deve prevalecer sobre os direitos humanos, que devem ser garantidos, bem como os valores democráticos de liberdade e igualdade e os direitos de minorias, fundamentais para a manutenção da democracia. Portanto devem-se buscar novos meios de defesa das suas instituições as ameaças modernas, possibilitando uma maior confiança nas instituições democráticas e respeito as normas constitucionais, em que diferentes ideologias políticas possam conviver de forma saudável para fomentar os debates e possibilitar a construção de melhores políticas públicas para o corpo social.