Por Thiago Maciel Borges[1]
Introdução
Em 2021, o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal – STF, cassou uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que permitia a inclusão, na fase de execução, de empresa participante do mesmo grupo econômico que não integrava a lide na fase de conhecimento. Segundo o Ministro, o cumprimento da sentença não pode ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento, conforme estabelece o §5º do artigo 513 do CPC. Veja-se:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.160.361 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
RECTE : AMADEUS BRASIL LTDA. :
ADV.(A/S) : JOSÉ ALBERTO COUTO MACIEL
RECDO : LUIZ FERNANDO MACHADO RUIVO :
ADV. (A/S) : BRUNO FEIJÓ IMBROINÍSIO
INTDO. (A/S) : INSTITUTO AERUS DE SEGURIDADE SOCIAL
ADV. (A/S) : CRISTIANE DE CASTRO FONSECA DA CUNHA
Trata-se de agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário formalizado em face de acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, ementado nos seguintes termos:
“RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014. EXECUÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DE VIOLAÇÃO DIRETA DE PRECEITO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL. Não se conhece de Recurso de Revista, em processo de execução, quando não demonstrada violação direta de dispositivo de natureza constitucional. Aplicação do disposto no artigo 896, § 2.º, da CLT e na Súmula n.º 266 do TST. Recurso de Revista não conhecido.” (eDOC 56)
No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, aponta-se violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, do texto constitucional. Sustenta-se que o acórdão afronta os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Além disso, diz-se que a execução direcionada à recorrente, sem que tenha participado da formação do título executivo, é ilegal e inconstitucional. (eDOC 66)
Intimada, a parte recorrida defende a negativa de seguimento ao recurso extraordinário ou que lhe seja negado provimento. (eDOC 81)
A Procuradoria-Geral da República posiciona-se pelo não conhecimento do agravo e, sucessivamente, pelo não provimento do recurso extraordinário.
Decido.
Assiste razão ao recorrente. (….)
No entanto, a partir do advento do Código de Processo Civil de 2015, merece revisitação a orientação jurisprudencial do Juízo a quo no sentido da viabilidade de promover-se execução em face de executado que não integrou a relação processual na fase de conhecimento, apenas pelo fato de integrar o mesmo grupo econômico para fins laborais. Isso porque o §5º do art. 513 do CPC assim preconiza:
“Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código. § 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.” (grifos nossos)
Nesse sentido, ao desconsiderar o comando normativo inferido do §5º do art. 513 do CPC, lido em conjunto com o art. 15 do mesmo diploma legal, que, por sua vez, dispõe sobre a aplicabilidade da legislação processual na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, o Tribunal de origem afrontou a Súmula Vinculante 10 do STF e, por consequência, a cláusula de reserva de plenário, do art. 97 da Constituição Federal.
Eis o teor do enunciado sumular:
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
Por essa razão, o Tribunal a quo incorreu em erro de procedimento. Sendo assim, reconhecida essa questão prejudicial, faz-se imprescindível nova análise, sob a forma de incidente ou arguição de inconstitucionalidade, pelo Juízo competente, antes da apreciação, por esta Corte, em sede de recurso extraordinário, da suposta violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, do texto constitucional. (…)
Ante o exposto, dou provimento o recurso extraordinário, nos termos do art. 21, §2º, do RISTF, com a finalidade de cassar a decisão recorrida e determinar que outra seja proferida com observância da Súmula Vinculante 10 do STF e do art. 97 da Constituição Federal, prejudicado o pedido de tutela provisória incidental. (ARE 1160361, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJE 13.09.2021)
A decisão transcrita prejudicou o resultado útil do processo trabalhista levado à discussão, pois evitou o redirecionamento da execução. Ao final, deixou o trabalhador sem os valores reconhecidamente devidos.
Nesse contexto, o presente artigo tem o objetivo de sugerir uma solução para evitar o dano ao trabalhador, que é a parte hipossuficiente, ou mais frágil na relação trabalhista e processual.
Chamamento ao processo como medida cautelar
O processo é um meio para que se atinja a tutela jurisdicional, restabelecendo o direito material violado com respeito aos direitos fundamentais de ambas as partes. O juiz tem mais flexibilidade na condução do direito processual, pois deve fazer com que se adeque ao direito material perseguido, objetivando a entrega efetiva da tutela jurisdicional, de forma célere e garantista[2].
Propõe-se, neste artigo, que o chamamento ao processo seja utilizado como medida cautelar em processos nos quais o trabalhador esteja litigando contra empresa integrante de grupo econômico.
O chamamento ao processo é faculdade do réu, que quando acionado em ação de cobrança, por exemplo, pode trazer ao processo outros devedores solidários através deste instituto do direito processual civil[3]. Para exemplificar, quando cobrado judicialmente, o fiador pode chamar ao processo o devedor principal, seu codevedor.
O chamamento ao processo é realizado na fase de contestação, quando o réu é citado para conhecimento acerca de uma ação tramitando contra si. Neste momento processual, teria a faculdade de realizar o chamamento ao processo dos demais codevedores[4].
O que se propõe como forma de garantir a efetividade do processo trabalhista é que o juiz daquela justiça especializada determine, no despacho saneador, aquele no qual verifica a regularidade da inicial e determina a citação, que o réu seja citado e que chame ao processo todos os demais codevedores, ou seja, todos os integrantes do grupo econômico, como medida de boa-fé processual.
Agindo dessa maneira, o juiz cumpre seu mister de garantir o resultado útil do processo, protegendo o contraditório. O que não se deve permitir é que, ao final, na fase de execução, o trabalhador descubra que não vai receber sua verba alimentar porque a empresa contra a qual litiga está insolvente e há impossibilidade de redirecionamento da execução para outra do mesmo grupo econômico, por ela não ter participado da fase de conhecimento.
Além disso, ad argumentandum tantum, para evitar o redirecionamento da dívida, a empresa deveria ser obrigada a demonstrar que possui elementos capazes de desconstituir o direito reconhecido, estampado no título executivo judicial executado.
O tema é sensível e tem gerado insegurança jurídica, a ponto de o STF reconhecer a repercussão geral e estar debatendo este assunto no tema 1.232, ainda não julgado. Com um ajuste na fase de citação, a justiça trabalhista pode evitar um resultado inútil para o processo.
Má-fé processual por não realizar o chamamento
A empresa integrante de grupo econômico que não realiza o chamamento ao processo e, ao final, não tem como quitar a obrigação trabalhista age de má-fé e o direito não pode permitir que uma das partes se beneficie da própria torpeza.
O processo se orienta pela boa-fé, cooperação entre todos os sujeitos da relação processual e a medida proposta reforça esses princípios, bem como garante a efetividade da tutela jurisdicional com a entrega do direito material reconhecido.
Apoiados nos ensinamentos de Robert Alexy, devemos recordar que no entrechoque de princípios, a aplicação de um não pode suprimir a do outro, mas pode reduzir a força de um deles para que o direito individual (dignidade humana) prevaleça. Em um conflito de princípios é necessário interferir naquele que afetará de forma menos agressiva o outro, leciona o criador da Teoria dos Princípios[5].
Dessa forma, o que se pretende é possibilitar o contraditório, que poderá ou não ser exercido, mas que acarretará consequências, sendo, a principal, a possibilidade de redirecionamento da execução.
Ressalte-se que a proposta não se assenta na realização de ofício pelo juiz do chamamento ao processo, mas de uma oportunidade conferida ao réu integrante de grupo econômico, como forma de demonstração de boa-fé processual.
Apontamentos sobre a decisão que impediu o redirecionamento
Sobre a decisão do Ministro Gilmar, esta não observou os princípios inerentes à execução em processo trabalhista, pois desconsiderou o art. 889 da CLT, que não inclui o processo civil como fonte subsidiária desta fase do processo do trabalho. Veja-se: “Art. 889. Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contrariarem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal”.
Além disso, não pontuou que a ausência do chamamento ao processo da empresa integrante do grupo econômico tem ares de má-fé processual, que objetivava o inadimplemento de obrigação trabalhista. A decisão considerou apenas um dos lados da relação processual.
Conclusão
Para evitar acúmulo de decisões judiciais trabalhistas que não alcancem a efetividade do direito material nestes casos de grupo econômico, propõe-se a alteração no chamamento ao processo, com a inserção de uma determinação do juízo para que o chamamento passe a ser item da contestação.
A alteração proposta no presente artigo respeita os direitos de ambas as partes. Na decisão do Ministro Gilmar, uma das partes teve, invariavelmente, seu direito suprimido pela garantia conferida ao grupo econômico, que se beneficiou do produto do trabalho do empregado e se furtou de pagar a verba trabalhista.
Assim sendo, este estudo de caso aponta como possível solução para o alcance de um resultado útil ao processo trabalhista, a utilização do chamamento ao processo como medida cautelar para evitar execuções vazias, que não entreguem o direito material reconhecido durante a fase de conhecimento. A ação proposta é medida que visa, além de resguardar a dignidade humana, salvaguardar a dignidade da justiça e o resultado útil do processo, mantendo a paridade entre as partes.
[1] Acadêmico do 10º semestre em Direito na Universidade de Brasília, UnB. Técnico Judiciário da Justiça Federal, lotado na 3ªVara da Seção Judiciária do Distrito Federal. Contato: Neufeheberg@gmail.com.
Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª Edição alemã, Editora Malheiros Editores, 2008.
BRASIL, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro/RJ: Presidência da República. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 5 jun. 2023.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, STF. Recurso Extraordinário com Agravo 1.160.361. São Paulo, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJ. 13.09.2021.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, vol. 2, Tutela dos direitos mediante procedimento comum. Editora Revista dos Tribunais, 2015.
[2] Marinoni; Arenhart; Mitidiero, 2015.
[3] Marinoni; Arenhart; Mitidiero, 2015.
[4] Marinoni; Arenhart; Mitidiero, 2015.
[5] Alexy, 2008.