Por Marina Barbosa de Brito
- Introdução
A internet é o principal meio de comunicação e socialização da atualidade. Isso só se dá por conta das plataformas e redes sociais ali presentes. E, para tanto, essas plataformas formulam contatos que regulam as atividades feitas dentro do seu espaço virtual. Esses contratos são os Termos de Uso.
Todo usuário já se deparou com esse termo, seja para que consiga acessar um site ou se cadastrar em um aplicativo. Contudo, o que chama a atenção é que uma parcela mínima dos usuários realmente lêem esses termos, que passam batidos. Os questionamentos que ficam são: Sobre o que eles tratam? Como são formulados? E como eles realmente impactam a experiência do usuário?
Todas essas perguntas são válidas e pertinentes e serão respondidas ao longo do texto. E para que possamos navegar de forma mais suave nesse assunto se faz necessário apresentar nossos objetos.
Os Termos de Uso são uma espécie de contrato assinado de forma eletrônica pelo usuário e que também estipula, juridicamente, a relação entre o indivíduo e a empresa. Além de descrever essa aplicação também informa as regras que os usuários devem seguir ao usar a plataforma. Nesse contrato também podem vir anexos a política de privacidade, a política de cookies, entre outros termos que especifiquem mais o que foi abordado no acordo.
Já a Política de Privacidade trata sobre os dados pessoais e a privacidade, e, quase sempre, trazem disposições que não são favoráveis aos usuários. Nessa Política geralmente são abordados temas como o compartilhamento de dados, a divulgação de dados pessoais e o monitoramento das atividades do usuário.
Assim, o que causa preocupação é o fato da leitura desses termos ser dispensada pelas pessoas, às deixando vulneráveis por contratos que na maior parte das vezes procura beneficiar somente a empresa gerenciadora da plataforma.
- Como a Manipulação Acontece?
Como já foi dito, os Termos de Uso são um contrato disponibilizado pela plataforma para que o usuário consiga acessar o conteúdo. Esse contrato é de adesão, já que o documento é padronizado, as cláusulas são definidas unilateralmente e os usuários não têm a oportunidade de negociar. Porém, se essa fosse a única dificuldade, esses Termos não seriam tão problemáticos.
Os obstáculos começam quando se observa como esses contratos são feitos. Ao serem analisados, os Termos se apresentam como difíceis de compreender, com uma linguagem pouco acessível, longos, com fontes pequenas e extremamente inflexíveis, não permitindo que os usuários neguem nenhuma das permissões “necessárias” para o acesso da interface. Além disso, o texto é contínuo, sem qualquer tipo de organização e leva o usuário a, muitas vezes, desistir da leitura e simplesmente concordar com as condições. Em uma época em que o tempo é um bem tão importante, se esforçar para ler e entender contratos tão complicados se torna dispensável, um simples empecilho para que a pessoa acesse o serviço pretendido.
E quando realmente se consegue ler o contrato fica claro que os únicos que são realmente beneficiados são os provedores do serviço, enquanto o consumidor tem seus direitos podados pelas cláusulas restritivas.
Outro ponto de controvérsia é que esses Termos, justamente por serem de difícil compreensão, não implicam em um consentimento realmente informado, o que vai contra o artigo 5° inciso XII da Lei Geral de Proteção de Dados que define consentimento como “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade específica”. Então, por conta da pouca probabilidade dos contratantes lerem o contrato e mesmo quando lêem não terem uma compreensão completa do que foi exposto, os Termos de Uso estão em desacordo com a LGPD. [1]
Ainda, essa linguagem permite que o provedor do serviço consiga incluir cláusulas desfavoráveis ou mesmo absurdas. Por conta dessa possibilidade, esses Termos não são formulados dessa forma por acaso, eles são deliberadamente feitos para serem incompreensíveis e facilitarem o acesso ao produto mais requisitado da contemporaneidade: os dados.
O poder que essas empresas têm não é o do capital tradicional e sim o poder do controle da transmissão dos dados. No mundo atual onde a socialização, a pesquisa e a comunicação é feita na internet, os usuários não conseguem negar esse tipo Termo de Uso ou mesmo a Política de Privacidade, por mais desfavorável que seja. Mesmo que o usuário tenha consciência que seus dados estão sendo vendidos e que isso possa servir para sua manipulação no futuro, ela ainda vai concordar com o contrato.
Exemplificando, uma pessoa comum que saiba de todos os malefícios e toda a influência que a Meta (conglomerado responsável por diversas redes sociais) possa ter sobre ela, ainda assim ela vai escolher concordar com os termos porque para que ela consiga socializar e pertencer à sociedade ela precisa estar conectada nas redes sociais, nesse caso o Facebook ou o Instagram.
Ou seja, esses gigantes da internet se tornam uma parte essencial da vida em sociedade.[1] E quanto mais as plataformas forem usadas e forem se expandindo, mais elas farão parte da vida social e será ainda mais difícil não concordar com Termos que sejam abusivos, já que vão ter uma funcionalidade indispensável para o consumidor.
Outro fator para ser considerado é que as avaliações dos aplicativos também impactam como o futuro usuário vê o provedor dos serviços. Quando as análise são positivas, as notas e as experiências não parecem ter qualquer crítica ao aplicativo, o cliente enxerga que não tem problema concordar com os Termos de Uso.[2] O problema é que o prejuízo de aceitar o acordo não é claro e pode muito bem não ser notado pelos outros usuários, já que a venda dos dados para outras empresas pode influenciar diversas esferas da vida pública e privada, como hábitos de consumo e preferências políticas.
Com a permissão fornecida nos Termos de Uso e na Política de Privacidade, os aplicativos ou as plataformas têm um universo de dados dos seus usuários. Com essas informações prontas uma pessoa que antes possuía toda uma individualidade é transformada em um conjunto de informações que possui valor de mercado.
Esses perfis são construídos através do rastro que cada usuário deixa na internet, que mostra com o que ele interage mais, o que ele evita e assim torna possível que os provedores de serviço encaixem seus usuários em grupos sociais e mostrem o que é relevante e direciona publicidades.[2] Um dos pontos negativos dessa classificação é a criação de “bolhas”, onde os usuários só recebem o que a plataforma entende que ele vai gostar, assim só tendo acesso a um tipo de conteúdo, não permitindo que uma pluralidade de ideias seja exposta.
Por fim, essas estratégias usadas nos meios digitais são chamadas de “dark patterns”, que fazem com que os usuários sejam manipulados para que tomem certas decisões, mesmo que talvez não estejam de acordo com suas preferências. A partir dessa interface é possível fazer com que o cliente adquira bens ou serviços ou até revele mais dados pessoais, mesmo que essa não seja sua intenção. Tudo isso pode ser construído a partir dos dados fornecidos pelos usuários com permissão dos Termos de Uso e da Política de Privacidade, assim se aproveitando dos padrões comportamentais e cognitivos dos usuários.[3]
- Repercussões da Manipulação
Entretanto toda essa manipulação feita a partir dos Termos e Usos não afeta apenas a esfera virtual da vida dos indivíduos. Com os dados coletados, os provedores de serviço são capazes de vender espaço em suas plataformas para patrocinadores e, o que é ainda mais preocupante, direcionar ou destacar conteúdos baseados nos dados fornecidos pelos usuários.
Seguindo essa análise, com o direcionamento para certas propagandas os consumidores têm suas escolhas afetadas tanto nas suas compras online, mudando seu padrão de compras e até incentivando o consumismo, como na seu consumo de conteúdo, não permitindo que uma pluralidade de postagens chegue ao consumidor final, problema tratado anteriormente no texto.
Por outro lado, essas plataformas conseguem definir o que pode ou não ser postado nas redes por meio das cláusulas nos contratos de adesão. A grande questão que é levantada é que essas cláusulas são vagas e imprecisas, permitindo que o provedor exclua qualquer conteúdo que aparentemente não siga os Termos.[1] O problema é que esse parâmetro é enviesado e diversas vezes permite que imagens que não agradam alguns seguidores ou até mesmo discursos contra-majoritário, mesmo que não violem os direitos humanos e muito menos alguma legislação, são deletados , sendo que quase sempre o usuário que o publicou nem mesmo é notificado.
Além disso, quanto mais se usa as redes sociais, as plataformas e a internet no geral, mais rastros são deixados, criando um perfil cada vez mais acurado. Com esse perfil psicológico é possível fazer previsões extremamente fidedignas sobre as mais diversas preferências, indo desde qual série ou filme é mais provável que o consumidor assista, até preferências políticas. Nesse exemplo em específico existem os casos da eleição do Trump e do Brexit, onde a partir dos dados pessoais foram feitas análises para virarem os votos dos eleitores indecisos e assim fazer com que fosse possível que a eleição e o plebiscito fossem vencidos.
O que mostra que isso é uma ameaça para o futuro é que como os algoritmos que fazem esse tipo de análise conseguem predizer até mesmo o que não é revelado e o que até mesmo a própria pessoa não reconhece em si [4]. Quem garante que a parte da população que está sendo manipulada realmente terá, no futuro, algum discernimento entre o que é realmente o que ela pensa e o que lhe foi entregue pela máquina. Esse tipo de classificação e dominação dos usuários lhes tira sua privacidade, seu poder de ser um cidadão consciente que vota com a democracia em mente e acaba com diversos outros direitos da personalidade.
Enquanto isso, os provedores se protegem de todas as formas possíveis de serem responsabilizados por suas ações. Eles deixam escrito em letras garrafais, em negrito, qualquer que seja a forma, deixando claro que estão isentos de qualquer responsabilidade civil ou mesmo limitando o valor das possíveis futuras indenizações. Essas plataformas, as mesmas que deixam os Termos vagos e de difícil acesso, fazem questão de esmiuçar todas as possibilidades em que eles possam se prejudicar se afastando da responsabilidade, mostrando suas reais intenções.
Por isso, quanto mais profundamente se está inserido nesse mundo virtual, mais os dados serão coletados e mais as estratégias de manipular as visões de mundo e preferências funcionam. Tudo isso só acontece pelas permissões que nós usuários comuns damos ao, sem nenhuma preocupação ou consciência dos meios obscuros de como estamos sendo manipulados, aceitar os Termos de Uso de bom grado para entrarmos no universo virtual.
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*Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília. Membro da AdvocattA – Empresa Júnior de Direito da UnB
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Referências Bibliográficas
FRAZÃO, A. Mercados de manipulação de consciências. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/mercados-de-manipulacao-de-consciencias-10082022>. Acesso em: 13 out. 2023.
BRASIL, Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
[1] – CARNEIRO, R. M. “Li e aceito”: violações a direitos fundamentais nos termos de uso das plataformas digitais. 200–229, 2020 Disponível em: https://revista.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Li-e-aceito.pdf . Acesso em: 13 de out. 2023.
[2] – DE SOUZA DEÓGENES P. S. JUNIOR, E. A. Y. P. C. Questões Proeminentes para o Estabelecimento da Privacidade em Políticas de Privacidade de App Móveis. p. 1–9, 2016. Disponível em: https://www.academia.edu/download/60774035/IHC2016_yamauchi_et_al_1.pdf. Acesso em: 13 out. 2023.
[3] – FRAZÃO, A. O que são ‘dark patterns’? Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/o-que-sao-dark-patterns-12072023 . Acesso em: 13 out. 2023.
[4] – FRAZÃO, A. PLATAFORMAS DIGITAIS, BIG DATA E RISCOS PARA OS DIREITOS DA PERSONALIDADE. Em: GUSTAVO TEPEDINO, J. B. DE M. (Ed.). Autonomia privada, liberdade existencial e direitos fundamentais. [s.l.] Fórum, 2019. p. 333–349.