Recuperação Judicial: Impactos e Considerações para o Agronegócio

Requisitos para requerer a recuperação judicial. Artigos 48 e 51 da Lei n. 11.101/05

Por Pedro Duarte Blanco[1] e Pedro Henrique Carvalho Espíndola[2]

Quais os requisitos para que uma empresa ou empresário busque recuperação judicial? Em que medida a interpretação do tema nos tribunais tem consequências sobre o mercado e o conjunto da sociedade?

Em março último, a Serasa Experian divulgou resultados de levantamento sobre recuperação judicial no agronegócio. Segundo a pesquisa, foram registrados 127 pedidos de recuperação judicial de produtores rurais em 2023, aumento expressivo em relação ao ano anterior.[3]

O número segue baixo, em termos absolutos. Mas o crescimento de pedidos causa preocupação, devido a suspeitas de uso indevido desse mecanismo e a possíveis consequências sobre o setor financeiro. Em evento promovido pela empresa Galapagos Capital, Paulo Sousa, presidente da multinacional alimentícia Cargill, associou o aumento dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio ao encarecimento do crédito para o setor. “Infelizmente, virou uma indústria da recuperação judicial em que chegam advogados com ‘kit de recuperação judicial’”, declarou Sousa, citado por reportagem da Globo Rural.[4] O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, reuniu-se em 11/3 com o corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Luís Felipe Salomão, e com o Advogado-Geral da União, Jorge Messias, para pedir apoio na orientação de juízes de primeira instância a respeito do cumprimento dos requisitos para a admissão de demandas de recuperação judicial, previstos na Lei 11.101/2005, a Lei de Recuperação Judicial e Falências. “(…) [A] recuperação judicial é um instrumento legítimo, importante, e não pode ser banalizado”, observou Fávaro, em nota à imprensa.

Os requisitos para o processamento de um pedido de recuperação judicial encontram-se previstos nos arts. 48 e 51 da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência de empresários e suas sociedades. O primeiro desses artigos trata de requisitos subjetivos, isto é, que dizem respeito ao devedor. Este deve ser empresa ou empresário em atividade há mais de dois anos. Não pode ser falido; se o tiver sido, as responsabilidades decorrentes de sua falência devem ter sido extintas por sentença transitada em julgado (art. 48, I). Além disso, o devedor nãopode ter, nos últimos cinco anos, recebido outra concessão de recuperação judicial, inclusive sob o status de microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 48, II e III). Finalmente, não pode ter sido condenado por crimes previstos na Lei (fraude a credores); tampouco pode ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa nessa situação (art. 48, IV).[5]

Percebe-se que os requisitos estabelecidos pelo art. 48 visam a prevenir o abuso do instituto da recuperação judicial pelos agentes econômicos. Este poderia distorcer o sistema de incentivos do mercado e produzir graves consequências sobre a ordem econômica. Por exemplo: se não houvesse o prazo estabelecido nos incisos II e III do artigo, um empresário poderia demandar recuperação judicial periodicamente, como uma maneira de evitar a execução de seus bens. O prazo de cinco anos por si só não impede que isso aconteça, mas o dificulta, e assim reafirma o caráter excepcional que

uma medida extrema como a recuperação judicial deve ter. Outros requisitos, como o “nome limpo”, referido no inciso IV, incentivam empresários e administradores a zelar por sua reputação, cuidando da licitude do processo.

Por sua vez, o art. 51 da Lei 11.101/2005 trata de requisitos formais do pedido de recuperação judicial – em outras palavras, dos documentos que devem ser apresentados em juízo para que o processo inicie. O devedor precisa, em primeiro lugar, expor as razões e causas concretas de sua crise financeira. Deve ainda apresentar demonstrações contábeis dos três últimos exercícios sociais, bem como aquelas empregadas para embasar o pedido de recuperação judicial. Deve, além disso, apresentar relação completa de credores, bem como listas de ativos, passivos, créditos e

obrigações: empregados da empresa, bens dos sócios, extratos bancários, relatório de dívidas tributárias etc. Finalmente, deve mostrar os processos judiciais de que é parte, bem como uma certidão de regularidade no Registro Público de Empresas. Enfim, o foco dos requisitos do art. 51 é duplo: por um lado, as razões e causas para a crise financeira têm caráter persuasivo; por outro, os demais documentos visam a estabelecer, com transparência, a verdadeira situação financeira do devedor, o que inclui perspectivas de solvência no médio prazo, como indicado pela necessidade de listar os processos judiciais de que é parte.[6]

No contexto do produtor rural, a aplicação dos artigos 48 e 51 da Lei 11.101/2005 assume características específicas. Primeiramente, é importante observar que muitos produtores rurais operam suas atividades sob a forma de empresa ou empresário individual, estando sujeitos aos mesmos requisitos para o pedido de recuperação judicial que outras entidades econômicas. Assim, requisitos subjetivos, como o tempo de atividade mínima de dois anos e a ausência de falência anterior, aplicam-se igualmente aos produtores rurais que buscam recuperação judicial, com a

ressalva de que o devedor deve ter inscrição de produtor rural, a qual pode ser obtida até um dia antes do pedido de recuperação. O art. 970 do novo Código Civil ainda dispõe que “A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes”5. A combinação de tal dispositivo com o art. 48, da Lei 11.101/2005 possibilita que o produtor rural reivindique os benefícios da recuperação.

No entanto, esses requisitos subjetivos não contemplam a realidade do produtor rural, que apresenta desafios adicionais que podem contribuir para o aumento dos pedidos de recuperação judicial. A volatilidade dos preços das commodities agrícolas, as condições climáticas imprevisíveis, os custos de insumos e o acesso ao crédito são algumas das variáveis que afetam diretamente a condição financeira dos produtores rurais.

A crise do agronegócio, que pode ser desencadeada por fatores como os mencionados acima, também tem reflexos nos requisitos formais para o pedido de recuperação judicial. Por exemplo, os contratos e obrigações decorrentes de atos cooperativos, isto é, obrigações assumidas entre as cooperativas e seus cooperados, não se sujeitam à recuperação judicial, porém representam significativa parte do endividamento rural. A mesma exclusão vale para outras operações comerciais

e financeiras, como a emissão de cédulas de produto rural com entrega física e originárias de barter. Tendo em vista o aumento acelerado dos pedidos de recuperação judicial, poderia-se observar inclusive um aumento do custo de crédito do setor, conforme teoriza o diretor presidente da Cargill Agrícola S.A. no Brasil, Paulo Sousa, em pronunciamento ao G1[7].

Além disso, a apresentação das demonstrações contábeis e demais documentos exigidos pelo artigo 51 da Lei 11.101/2005 pode ser desafiadora para os produtores rurais, que muitas vezes operam em áreas remotas com acesso limitado a serviços financeiros e contábeis especializados. Nesse sentido, garantir a transparência e a exatidão das informações financeiras representa um desafio adicional para esse segmento. O balanço patrimonial rural e a demonstração de resultados acumulados também assumem relevância crucial no contexto do produtor rural, pois refletem não

apenas a saúde financeira da empresa, mas também sua capacidade de honrar suas obrigações futuras, incluindo o pagamento de dívidas.

Sendo assim, o conhecimento acerca dos requisitos para a entrada em recuperação judicial, delineados nos artigos 48 e 51 da Lei 11.101/2005, mostra-se necessário para os produtores rurais. Embora estes estejam sujeitos às mesmas regras que outros agentes econômicos, seu contexto peculiar e momento de crise trazem desafios adicionais, o que sugere uma interação complexa entre os requisitos legais, as condições de mercado e a viabilidade financeira do setor agrícola, com implicações para o acesso ao crédito e a sustentabilidade econômica dos produtores rurais.


[1] Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em História e Literatura pela Columbia University. Atualmente, cursa graduação em Direito na Universidade de Brasília (UnB). E-mail: _pedblan@senado.leg.br_.

[2] Graduando do 10° período em Direito na Universidade de Brasília (UnB). E-mail: _pedroespindola12@gmail.com


[3] SAMPAIO, Amanda, Pedidos de recuperação judicial para produtores rurais cresceram 535% em 2023, diz Serasa, CNN Brasil, disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/pedidos-de-recuperacao-judicial-para-produtores-rurais-cresceram-535-em-2023-diz-serasa/>. acesso em: 9 abr. 2024; Crescem pedidos de recuperação judicial de produtores rurais, Terra, disponível em:

<https://www.terra.com.br/noticias/crescem-pedidos-de-recuperacao-judicial-de-produtores-rurais,56d 9e66e22aa02e60eaa0f5241a09614ofk1psky.html>. acesso em: 9 abr. 2024; Crise no agro? Entenda o boom no número de pedidos de recuperação judicial no setor, IstoÉ Dinheiro, disponível em: <https://istoedinheiro.com.br/crise-no-agro-entenda-o-boom-no numero-de-pedidos-de-recuperacao-judicial-no-setor/>. acesso em: 9 abr. 2024.

[4] RJs colocam em risco custo de crédito ao agro, diz presidente da Cargill, Globo Rural,

disponível em: <https://globorural.globo.com/credito-e-investimento/noticia/2024/03/rjs-colocam-em-risco-custo-de-credito-ao-agro-diz-presidente-da-cargill.ghtml>. acesso em: 9 abr. 2024.

[5] Lei no 11.101, disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. acesso em: 9 abr. 2024.

[6] Ibid.

[7] RJs colocam em risco custo de crédito ao agro, diz presidente da Cargill.

Bibliografia

SAMPAIO, Amanda. Pedidos de recuperação judicial para produtores rurais cresceram 535% em 2023, diz Serasa. CNN Brasil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/pedidos-de-recuperacao-judicial-para-produtores-rurais-cresceram-535-em-2023-diz-serasa/>. Acesso em: 9 abr. 2024.

Crescem pedidos de recuperação judicial de produtores rurais. Terra. Disponível em <https://www.terra.com.br/noticias/crescem-pedidos-de-recuperacao-judicial-de-produtores-rurais,56d9e66e22aa02e60eaa0f5241a09614ofk1psky.html>. Acesso em: 9 abr. 2024.

Crise no agro? Entenda o boom no número de pedidos de recuperação judicial no setor. IstoÉ Dinheiro. Disponível em: <https://istoedinheiro.com.br/crise-no-agro-entenda-o-boom-no-numero-de-pedidos-de-recuperacao-judicial-no-setor/>. Acesso em: 9 abr. 2024.

L10406compilada. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 9 abr. 2024.

Lei no 11.101. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 9 abr. 2024.

RJs colocam em risco custo de crédito ao agro, diz presidente da Cargill. Globo Rural. Disponível em <https://globorural.globo.com/credito-e-investimento/noticia/2024/03/rjs-colocam-em-risco-custo-decredito-ao-agro-diz-presidente-da-cargill.ghtml>. Acesso em: 9 abr. 2024

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