Escrito por Anna Luiza Marino Dourado [*]
Atualmente, a partir da intensificação do processo de globalização, inúmeros fatores contribuem para que as pessoas migrem em busca de novas oportunidades, desde a escassez de trabalho, disputas bélicas até questões culturais. Em particular, o acesso à internet torna mais rápido e facilitado que novas relações internacionais sejam estabelecidas. Nessa seara, conforme a doutrina de Ralf Michaels em “O Direito Marginal”, o Direito Internacional Privado é essencial para solucionar as questões jurídicas que surgem nesse fenômeno global, tendo em vista a presença de ordenamentos jurídicos diferentes.
De fato, as migrações geográficas podem resultar em novos relacionamentos, consequentemente em famílias, direitos, deveres, organização de patrimônio e especialmente relações paterno-materno-filiais. A partir dessas conexões, gera-se a necessidade de reconhecer e dar efetividade ao direito de família internacional como recurso na solução de conflitos, em especial se envolver crianças, as quais são vulneráveis.
Diante disso, a pensão alimentícia internacional torna-se essencial, pois envolve o pagamento de sustento de um progenitor a um filho que reside em outro país. A proteção dos direitos das crianças e adolescentes, além da garantia de acesso à justiça, é crucial para assegurar o cumprimento dessas obrigações alimentares, independentemente das fronteiras.
Nesse contexto, o direito internacional deve garantir a efetividade das decisões judiciais, com especial atenção às necessidades dos menores, assegurando sua dignidade e protegendo-os como as partes mais vulneráveis. Isso se baseia na dignidade da pessoa humana, princípio insculpido já na Constituição Federal em seu Art. 1º, in verbis: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana.
Nessa perspectiva, surge o questionamento de como o direito brasileiro irá garantir os alimentos para as crianças de famílias transnacionais. Com isso, o enfrentamento dessa questão comporta uma tríplice análise entre o Direito Internacional Privado, o Direito Civil e o Processual Civil. De acordo com Araújo (2016), a LINDB, especificamente nesse assunto, é lacunosa e parca. Portanto, ela deve ser incorporada a tratados internacionais, convenções, e leis nacionais de cada país.
Os Tratados Internacionais em que o Brasil é signatário com relação ao tema são (i) a Convenção das Nações Unidas sobre Execução e Reconhecimento de Obrigações Alimentares, Nova York, 1956; (ii) a Convenção Interamericana sobre Obrigações Alimentares, Montevidéu, 1989, e (iii) a Convenção Internacional de Alimentos em Benefício dos Filhos e de outros Membros da Família. Também se cita a relevância da Convenção de Haia de Direito Internacional Privado, de 2007, por meio da qual foram substituídas as duas Convenções anteriores (de 1956 e 1958, ambas ampliadas e ajustadas em 1973), devidamente ratificada em 17 de julho de 2017.
No plano interno, em 19 de outubro de 2017, o Brasil promulgou o texto da Convenção de Haia de 2007, juntamente com o Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos. Trata-se de normativos que passam a integrar um sistema de cooperação internacional para a fim de instalar procedimentos acessíveis, céleres e eficientes no reclamo de alimentos internacionais destinados à criança integrante da família transnacional.
A regra geral, prescrita no art. 3º do Protocolo, é que as obrigações alimentares são reguladas pela lei do Estado da residência habitual da criança. Diante disso, cabe à Autoridade Central receber, analisar, adequar, transmitir e acompanhar o cumprimento dos pedidos de cooperação jurídica. No Brasil, esse papel cabe ao Ministério da Justiça, de acordo com a convenção de Haia e Interamericana e, quando não houver uma autoridade central estipulada, de acordo com o art. 26, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, à Procuradoria-Geral da República, com base na Convenção de Nova Iorque.
O Ministério da Justiça tem previsão legal no Código de Processo Civil de 2015. Seu órgão interno atuante nessa área é chamado de DRCI – Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, estando vinculado à Secretaria Nacional de Justiça, a qual tem como demanda averiguar e tramitar os pedidos de cooperação internacional em matéria civil e penal sobre alimentos internacionais.
Vale ressaltar que na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática. Quanto à execução de Alimentos, várias vias de Cooperação Jurídica Internacional poderão ocorrer para que o judiciário pátrio possa alcançar o alimentante que deixou de cumprir com sua obrigação e reside no exterior. Inclusive, desde 2017, foi implantado um sistema para tramitação eletrônica dos pedidos, denominado iSupport, que visa garantir maior celeridade.
O cálculo da pensão se baseia em leis e diretrizes de cada país, considerando renda, despesas e necessidades da criança. O Brasil, como país signatário, coopera na prestação internacional de alimentos, e assim disponibiliza, em seus direitos internos, medidas efetivas para executar as decisões com base na Convenção, tais como: retenção de salário; bloqueio de contas bancárias ou de outras fontes; deduções nas prestações de seguro social; gravame ou alienações forçadas de bens; retenção do reembolso de tributos; retenção ou suspensão de benefícios de pensão; informações aos organismos de créditos; denegação, suspensão ou revogação de certas permissões (carteira de habilitação, por exemplo); apreensão de bens; revogação de passaporte e até prisão, como meios coercitivos de cumprimento da obrigação de fazer.
Quando o processo é iniciado no Brasil, de acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Convenção de Haia é o tratado e o sistema que se aplicará a todos os casos de cooperação, relativos a cobrança de alimentos internacionais para filhos menores. É necessário o preenchimento de formulários padrões e a apresentação de todos os documentos exigidos na própria Convenção de Haia. A partir daí, o DRCI analisa o pedido e, estando em conformidade com as exigências convencionais e regulamentadoras, expede o pedido de cooperação internacional para a Autoridade Central do país no qual está domiciliado o demandado na ação de alimentos. A Autoridade Central do outro Estado então tomará as providências para tornar efetiva a requisição do DRCI.
Por fim, ressaltamos que o Estado brasileiro reconhece o direito alimentar como um legítimo direito da personalidade, fundamental ao desenvolvimento da criança, delegando a responsabilidade de assisti-la à família (nacional ou transnacional), mas também assumindo, igualmente, o dever de facilitar à criança (por meio do adulto que a represente) o atendimento àquele direito, com rapidez e concretude, por meio de mecanismos eficientes que atendam sua condição especial. Portanto, a cooperação internacional serve para dar efetividade ao princípio da proteção integral da criança. Concluímos esta breve nota reconhecendo os mecanismos do direito internacional e que foram internalizados no país e permitem o alcance da pensão de alimentos de forma transfronteiriça. Nesse sentido, pode-se recorrer a existência de um direito de família internacional, permitindo o alcance de alimentos no mundo globalizado.
[*] Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, membra da área de Pesquisa Jurídica do Veredicto Simulações, Pesquisa e Extensão. E-mail: annalumarino5@gmail.com.