Manoel Ronan de Brito*
O modelo constitucional de indicação de ministros ao STF, disposto no art. 84, XIV, da CF/1988 foi inicialmente positivado na Constituição Federal de 1891, em seu art. 48. Trata-se do mesmo modelo de competência privativa do Presidente da República, sujeita à aprovação do Senado. Detemo-nos sobre o caráter das sabatinas conduzidas pelo Senado Federal. Para isso, utilizamos dos ensinamentos da Prof. Dra. Roberta Simões Nascimento. Conforme Nascimento (2023, p.249), o que há de fundamental para se entender sobre as sabatinas é que:
[…] as sabatinas têm natureza eminentemente política, tratando-se de assunto interna corporis, cujo mérito político e insuscetível de controle de legalidade, seja pelo Poder Judiciário, Ministério Público ou Tribunal de Contas da União (TCU)
Sob essa perspectiva, o ministro relator Ricardo Lewandowski negou seguimento ao MS n. 38.216, que tinha por objeto, forçar o Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador Davi Alcolumbre, a indicar relator para apreciar a designação do Sr. André Mendonça para ocupar vaga de Ministro do Supremo Tribunal Federal e também convocasse a reunião da Comissão em questão, para realizar a sabatina necessária. A decisão baseou-se na premissa de inexistir controle judicial em matéria interna corporis, em respeito ao princípio da separação de poderes (Nascimento, 2023, p. 252).
Assim, há de se deduzir não ser possível o controle neste nível, do Legislativo e seus organismos, a bem de que não se quebre o equilíbrio do sistema de freios e contrapesos. Como bem afirma Nascimento (2023, p. 253), isso configuraria caso de “ativismo controlador”, no limite se perscrutando até os nomes rejeitados nas sabatinas.
O Senado Federal considera de fato o notório saber em suas escolhas?
De todo modo, podem-se avaliar as sabatinas a partir dos requisitos de saber notório e de reputação dos indicados. Trata-se de um requisito tradicional do constitucionalismo doméstico, já positivado no art. 56 da CF de 1891. É notório o caso do médico Barata Ribeiro, indicado para vaga de ministro do STF, pelo Presidente Floriano Peixoto. Na questão, o Senado Federal fez uma escolha baseada em critério técnico, quando rejeitou o nome de Barata Ribeiro para ser ministro do STF, considerando que não dispunha de conhecimentos jurídicos (técnicos) para desempenhar a função em questão. Tal decisão reverbera até os dias atuais.
Sobre esta lógica inserida na Constituição Cidadã, Nascimento (2023, p. 250) ressalta a semelhança da sabatina ao concurso público para provimento de cargos públicos. É preciso comprovar requisitos para ocupar funções públicas, o que se estende às sabatinas realizadas para outros cargos públicos atém de ministros do STF. Apesar de as sabatinas mais conhecidas serem os candidatos a ministros do STF (art. 101, parágrafo único, da CF), o Senado Federal é responsável por aprovar mais de 400 cargos no total. Entre eles, os dirigentes das agências reguladoras merecem uma atenção especial, segundo Nascimento (2023).
Efetivamente, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, na recente história da Nova República, desconsiderou a indicação de nomes apresentados pela Presidência da República e os rejeitou. Como bem se refere Nascimento (2023, p. 253), isso ocorre com indicado à ANP em 2003; outros dois em 2009 para a ANA; e outro em 2012 para a ANTT. Em 2015, houve a primeira rejeição de um diplomata, que havia sido indicado para a OEA. Para o CNJ e o CNMP, também já foram rejeitados diversos nomes. Assim, apesar de serem poucas as rejeições de candidatos sabatinados, mostra-se que o procedimento de arguição não é meramente protocolar.
A atribuição do Senado Federal de sabatinar autoridades é um aspecto característico do sistema de freios e contrapesos, pois assegura a participação (e o controle) do legislativo na seleção dos indivíduos que ocuparão posições de alto escalão, com base nas indicações feitas pelo Presidente da República, conforme destaca Nascimento (2023). O conceito por trás dessa arguição no Senado é a avaliação parlamentar sobre se o candidato atende aos critérios objetivos e subjetivos para a posição, especialmente no que diz respeito ao notório conhecimento na sua área de especialização. Isso ocorre por meio de uma interação dialogada e dinâmica. Ao contrário de uma mera análise de documentos (especialmente o currículo) o foco é avaliar o perfil, a postura do candidato e suas competências em relação à relevância do cargo que irá ocupar, como destaca Nascimento (2023).
O Senado é um mero ator figurativo no processo de escolha, de indicados para cargos de alto escalão pelo Presidente da República?
Além do critério técnico, para a arguição de indicada(o)s em sabatinas, tem-se obviamente, o critério político, necessário, para que se referende a(o) mesma(o)s. A esse respeito, Nascimento (2023) faz referência que nos últimos tempos tem aumentado o número de notícias sobre investigações civis no âmbito do Ministério Público que visam a anulação de sabatinas (como as relacionadas às Mensagens SF nº 96/2020 e nº 31/2021). Há também ações populares que alegam violação dos princípios da moralidade e impessoalidade (como a de nº 1070666-28.2020.4.01.3400), e até mesmo decisões cautelares do TCU que determinam a suspensão de sabatinas no Senado, mesmo quando a entidade envolvida é a “Presidência da República” (Processo nº 001.016/2022-9). No entanto, as sabatinas são parte do processo legislativo e não administrativo. Portanto, deve-se aplicar a mesma jurisprudência do STF que exclui o controle jurisdicional prévio do processo legislativo, exceto nas situações que envolvam a violação de normas constitucionais que estabelecem procedimentos, conforme o MS nº 32.033.
Pode-se entender isso melhor, relembrando, conforme relato de Nascimento (2023). Em dia 1º de dezembro de 2021, o plenário do Senado aprovou a indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF), com 47 votos a favor e 32 contra. Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o sabatinado recebeu 18 votos favoráveis e 9 contrários. A espera durou 105 dias desde que a Mensagem nº 36/2021 chegou à CCJ em 18 de agosto. Nascimento (2023), continua a sua narrativa afirmando que, ao rejeitar o Mandado de Segurança nº 38.216, o ministro Ricardo Lewandowski corretamente se absteve de exercer controle sobre o caso, deixando que o próprio Senado resolvesse o impasse sobre a data da sabatina por meio de vias políticas.
Não é inconstitucional o Senado decidir não votar uma indicação. Ou seja, não decidir é uma forma de atuação na Casa política. Embora isso não tenha acontecido antes com uma indicação para o STF no Brasil, é relativamente comum que o Senado adie o avanço de várias indicações para cargos que exigem sabatina pública, como os diretores de agências reguladoras.
Considerações Finais
O que se pode depreender é que o Senado não é, e nunca foi mero ator figurativo, e tampouco as sabatinas são palcos teatrais, mas sim espaços de análises cuidadosas e de trabalho efetivo no processo de escolha de indicados pela presidência da república para cargos de alto escalão – como visto na indicação do médico Barata Ribeiro ao STF e, mais recentemente, na do ministro André Mendonça. No primeiro caso, o Senado optou pela rejeição ao nome do indicado e, no segundo, o Senado lançou mão do recurso da obstrução, para demonstrar, mesmo que pela memória, seu descontentamento com a indicação do então mandatário do Executivo ao STF.
Referências
BRASIL. Senado. Senado rejeita indicação para Agência Nacional do Petróleo. P. 24 jun. 2003. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2003/06/24/senado-rejeita-indicacao-para-agencia-nacional-do-petroleo>Acesso em: 22 ago. 2024.
BRASIL. STF. Barata Ribeiro. 2023. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaPastaMinistro&pagina=BarataRibeiroDiversos>. Acesso em 22 de ago. 2024.
CORREIO BRASILIENSE. Candidato indicado por partido para uma das diretorias da ANA acaba vetado por senadores. P. 17 dez. 2009. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2009/12/17/interna_politica,161472/candidato-indicado-por-partido-para-uma-das-diretorias-da-ana-acaba-vetado-por-senadores.shtml>Acesso em: 22 ago. 2024.
NASCIMENTO, Roberta Simões. Estudos de Direito Constitucional Parlamentar. Ed. Juspodium, São Paulo, SP, 2023.
* O autor: Graduando em Direito na UnB. Especialista em Atividade Policial Judiciária, pela Faculdade Fortium, e em Gestão Educacional, pela Universidade Estadual de Goiás, com dupla licenciatura em Pedagogia: Magistério para a Educação Especial e Magistério das Matérias Pedagógicas, ambas pela FE/UnB.