Elon Musk X Alexandre de Moraes: reflexões jurídicas contemporâneas

por Advocatta

Por Daniel Campos Bessa dos Santos

  1. Introdução

    Sabe-se que, na atualidade, devido a uma gama de fatores, o judiciário brasileiro adquiriu uma série de responsabilidades que o tornaram inflado. Para muitos, este efeito acaba por conferir um poder exorbitante nas mãos dos juízes, ainda mais dos juízes de tribunais superiores, o que ocasiona excessos por parte dos magistrados. De todo modo, é inegável a importância do judiciário no contexto atual, mesmo que essa “supremocracia” acabe por gerar conflitos, como o que será tratado no presente artigo. 

    No dia 6 de abril de 2024, iniciou-se uma série de trocas entre o bilionário Elon Musk e o ministro do STF e então presidente do TSE, Alexandre de Moraes, na rede social “X”. O conflito entre o juiz e o empresário, que se estende até o presente momento, levantou uma série de debates e questões de extrema importância para a atualidade, relativas a direito à liberdade de expressão, regularização das redes sociais, autoridade judicial, temas esses que serão destrinchados neste presente artigo. 

    Em um contexto breve, é de suma importância relatar a ordem de acontecimentos que antecedem o conflito. O então presidente do TSE realizou, nos últimos meses, pedidos para derrubada de contas de usuários que propagavam notícias falsas ou nocivas ao regime democrático de direito da plataforma “X”, mediante a multa em caso de recusa, tal como informações desses usuários para fins investigativos. 

    Essas ações foram alvos de fortes críticas midiáticas, tanto em nosso país como nos Estados Unidos, país sede da plataforma “X”. Outrossim, Moraes sofreu acusações que afirmavam uma “censura política unilateral”. Assim, no dia 6 de abril, Elon Musk em sua rede social, indaga o ministro: “Por que você está exigindo tanta censura no Brasil?”. Este foi o primeiro de uma série de ataques realizados pelo bilionário ao juiz brasileiro. 

    O empresário também acusou o ministro de interferir nas eleições presidenciais de 2022, além de chamá-lo de ditador e criminoso.[2]. O conflito chegou ao seu ápice quando, no dia 17 de Agosto, Elon Musk retirou a representação legal do X no Brasil. Isto, somado a uma série de descumprimentos legais, desencadeou uma determinação judicial do ministro Alexandre de Moraes, no dia 30 de agosto, que suspendeu a rede social no país, medida que foi ratificada pela primeira turma do STF dias depois[3].

     A disputa entre Musk e Moraes gerou manifestações diversas, como do próprio empresário, que afirmou que o juiz está destruindo a liberdade de expressão[4]. Tal manifestação ganhou um grande apoio de parte da população brasileira, além de políticos, majoritariamente vinculados à direita política. Estes, acreditam que há um poder exorbitante concentrado nos juízes de tribunais superiores, e se valendo dessa autoridade, esses vêm cometendo abusos, e ferindo o próprio princípio constitucional de separação dos poderes.

  2. Expansão da autoridade judicial

    Para começarmos a refletir acerca do tema, precisamos entender como se deu essa concentração de autoridade na cúpula do Superior Tribunal Federal (STF), e outros tribunais superiores. Primeiramente, é importante citar que esse fenômeno não é exclusivamente brasileiro, possuindo escala global, ocorrendo em diversos países da Europa e no próprio Estados Unidos. 

    Alguns pesquisadores afirmam que a expansão de autoridade é decorrente do fortalecimento do sistema de mercado, sendo os tribunais garantidores da segurança jurídica e da estabilidade necessária para esse modelo econômico[5]. Já outra corrente acredita que essa autoridade decorre da função recebida pelo judiciário de guardião último dos ideais democráticos, frente à crise do sistema representativo vivenciada pela sociedade contemporânea.[6].  

    Ainda, há constitucionalistas que acreditam que esse acúmulo de autoridade advém das constituições rígidas, que têm como característica um sistema complexo de controle de constitucionalidade. Ademais, outro fator que podemos trazer é o da tendência contemporânea de constituições que desconfiam do legislador, entregando ao judiciário a função de guardião da constituição. [7].

    Dentro da experiência brasileira, o fenômeno da expansão da autoridade judiciária ocorreu de forma ainda mais densa. A constituição de 1988, de caráter fortemente ambicioso, somada a um acúmulo de funções do judiciário, especialmente do STF, e ainda uma acentuação do papel político dos tribunais superiores, geraram o que é chamado de supremocracia[8].

   O conceito de supremocracia pode possuir dois sentidos, o primeiro refere-se à maior autoridade do Supremo em relação a outras instâncias do judiciário, a súmula vinculante é um exemplo de instrumento com tal fim. Outro sentido que pode ser atribuído ao conceito é da expansão da autoridade do Supremo em relação aos demais poderes, como em casos julgados em que o STF foi contra a vontade majoritária, substituindo decisões prévias de outros poderes9].

   A partir das ideias anteriormente tratadas, fica explícito o papel proeminente, e muitas vezes, aglutinador do judiciário perante outros poderes da república. Essa autoridade concentrada vem sendo fortemente questionada, como no caso tratado neste presente artigo. Entretanto, esses questionamentos, muitas vezes com caráter conspiratório e nocivo, tanto para indivíduos específicos bem como para o regime democrático, reacendem o debate sobre o princípio da liberdade de expressão e seus limites.

3. Liberdade de Expressão

    Através desse caso emblemático, podemos trazer reflexões acerca do direito fundamental à liberdade de expressão. Nossa Constituição afirma: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.[10].”. Entretanto, o anonimato não é o único limitador da liberdade de expressão no Brasil. 

    “O limite do direito de liberdade de expressão se dá quando, sob essa pretensa liberdade, atinge-se a honra, a dignidade ou mesmo a democracia[11].”. Em nosso país, a limitação a esse direito fundamental é algo presente no cotidiano, como na famosa frase “a sua liberdade termina onde começa a do outro”. Ademais, no próprio código penal brasileiro, há tipificações de crimes que são limitadores da liberdade de expressão, como a difamação, a calúnia e a injúria. 

     Em suma, o presidente do TSE, ao exigir derrubadas de contas que propagavam notícias falsas ou com conteúdo antidemocrático, nada mais fazia do que limitar a liberdade de expressão à luz dos fundamentos constitucionais. Entretanto, é comum que tal concepção em relação ao direito fundamental de liberdade de expressão cause estranheza para os estadunidenses. 

    O entendimento e a forma como os estadunidenses lidam com a liberdade de expressão e suas limitações em seu país, e até a própria atuação judicial, distingue-se fortemente da tradição brasileira. A defesa da liberdade de expressão quase que irrestrita é um forte viés da sociedade americana. Assim, há o entendimento de que o discurso deve ser confrontado com mais discurso, mesmo nos casos das notícias falsas. 

    Ademais, a atuação judicial americana é muito mais passiva se comparada à brasileira. Enquanto no Brasil a Suprema Corte é um órgão declaradamente contra majoritário, nos Estados Unidos esse papel é exercido esporadicamente em casos excepcionais. Outro exemplo existente são os tribunais brasileiros conduzirem investigações, o que não ocorre na “terra da liberdade”. [12].

    Dessa forma, é evidenciado o motivo de críticas tão firmes advindas dos Estados Unidos em relação à atuação do ministro Alexandre de Moraes e dos tribunais superiores como um todo. Para eles, o que está sendo feito em nosso país é censura, e nesse ponto muitos brasileiros concordam. Entretanto, defende-se que isso se trata de uma regulação, uma limitação da liberdade de expressão, mas afinal, o que as diferencia?

4. Regulação X Censura

    Primeiramente, precisamos definir o que é censura. Esta se manifesta de diversas maneiras, ocorrendo quando um agente privado ou público inviabiliza, restringe ou cerceia o exercício da liberdade de expressão de um indivíduo, de forma desarrazoada ou desproporcional, sem um amparo legal ou principiológico para tal. Sendo assim, a censura ocorre quando não são observados os valores constitucionais e democráticos.[13].

    Desse modo, é válida uma limitação da liberdade de expressão se feita de forma razoável e ponderada com base em nossa Constituição e nos princípios que regem a democracia. Isto é a regulação, um instrumento jurídico-político do Estado, de caráter social[14], que tem por objetivo assegurar direitos e obrigações dos indivíduos, através do controle direto dos atores sociais, a partir da lei[15]

     Assim, a regulação cumpre um papel primordial na promoção de iguais liberdades de expressão, promovendo a dignidade daqueles que possuem pouca voz na sociedade, os grupos minorizados.  [16] No caso brasileiro, poderíamos pensar na importância de uma legislação de regulação das mídias sociais, entretanto, com um legislativo omisso, o judiciário acaba por assumir a responsabilidade de regular a área no país.

5. Conclusão

    Considerando os assuntos abordados neste presente artigo, é possível compreender que falar de regulação não é apenas falar sobre censura, mas sim sobre efetivação de direitos. O judiciário possui hoje essa função de guardião das promessas, sendo assim responsável pela real aplicação dos direitos fundamentais prometidos ao povo brasileiro na Constituição Federal de 1988.

    Essa responsabilidade recebida pela magistratura nacional, principalmente pelos tribunais superiores, é fruto de um longo processo histórico e constitucional. A atual omissão dos poderes legislativo e executivo traz a necessidade de que o judiciário aja de forma mais assertiva para cumprir com o seu papel e zelar pelo nosso regime democrático. Sendo esses alguns dos fatores que propiciam o atual processo de judicialização em que vivemos na sociedade brasileira. 

    Assim, podemos concluir que as tendências contemporâneas e a necessidade de atuações mais firmes por parte do judiciário, são frutos de questões complexas e diversas. Por tanto, é preciso ter cautela antes de “apontar o dedo” para um ministro e acusá-lo de “ditador” ou “criminoso”, é necessário analisar e considerar todo o contexto atual e construir críticas realmente fundamentadas, respeitando os indivíduos e os princípios que regem a democracia brasileira.

 1. Daniel Campos Bessa dos Santos: Graduando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Membro da AdvocattA – Empresa Júnior de Direito da UnB

 

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