Por Renata Lima*
Durante um tempo, o Supremo Tribunal Federal pouco se manifestou sobre Direito do Trabalho, compreendendo boa parte das discussões como de natureza infraconstitucional e, portanto, cuja palavra interpretativa final cabia ao Tribunal Superior do Trabalho. Este cenário se modificou radicalmente, em especial a partir de 2015, na esteira de um ambiente de crise política e econômica. O STF passou de coadjuvante a protagonista, promovendo importantes alterações no padrão de regulação do trabalho no Brasil. A questão sobre a composição do Tribunal, assim, que já era importante para outros ramos do direito, se tornou uma preocupação também do Direito do Trabalho.
É, portanto, enquanto um projeto de extensão que acompanha e reflete sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria trabalhista dos últimos anos, que duas questões parecem centrais quando pensamos no perfil das futuras indicações de Ministros e Ministras para o Tribunal – para além, é claro, dos requisitos expressamente previstos na Constituição Federal (idade, notável saber jurídico e reputação ilibada).
Primeiro, precisamos de Ministros e Ministras que possuam comprometimento com os fundamentos e objetivos elencados na Constituição Federal de 1988, inclusive para o trabalho. Embora, considerando o papel de guardião do texto constitucional do Tribunal este pressuposto da indicação pareça óbvio, o que temos visto em nosso acompanhamento das decisões trabalhistas da Corte é o desrespeito constante à perspectiva social e de promoção ao trabalho digno que permeia a Constituição Federal em favor de uma leitura neoclássica dos direitos sociais.
É importante saber, portanto, de antemão, com base na própria trajetória do candidato ou da candidata, a sua compreensão sobre pontos centrais do ordenamento jurídico brasileiro. Isto não dispensa, entretanto, sob uma perspectiva republicana, que o candidato ou candidata passe por escrutínio público, ainda mais tendo em vista que, uma vez que tenha ocorrido a posse, a pessoa escolhida terá a possibilidade de influenciar diretamente na construção do ordenamento jurídico durante muitos anos.
Segundo, o Supremo Tribunal Federal precisa de diversidade. É escandaloso que, dos 170 Ministros que já passaram pelo Tribunal, apenas 3 eram mulheres e 3 eram homens negros. Nenhuma mulher negra foi Ministra da Corte. Embora a própria composição visual do Tribunal em uma sessão de julgamento seja capaz de produzir impactos simbólicos significativos acerca dos papeis de gênero e raça prefixados na sociedade brasileira, a nossa defesa da diversidade aqui vai além, ao encontro da sua capacidade de oxigenação das ideias que circulam no Supremo Tribunal Federal e da inclusão de perspectivas jurídico-políticas.
As posições sociais que ocupamos na sociedade forjam a nossa visão de mundo, de modo que a garantia de uma maior diversidade de gênero e raça é capaz de enriquecer as discussões no Tribunal, fomentando uma sensibilidade para questões que, de outro modo, talvez não aparecessem na Corte. Um exemplo concreto da questão é a modificação das agendas de pesquisa nas universidades públicas brasileiras, que após as cotas raciais se tornaram mais sensíveis aos problemas que os negros e as negras enfrentam na sociedade brasileira.
Parece interessante, ainda, a atenção a mais uma questão: a capacidade de ação e agência política do candidato ou da candidata. É que, muito embora não esteja submetido diretamente ao sufrágio universal por meio da eleição direta de seus integrantes, o Supremo Tribunal Federal ocupa hoje um papel central na política brasileira, dialogando com os outros poderes da república e julgando, cada vez mais, questões importantes que repercutem diretamente na vida da população. Reconhecer, portanto, a necessidade de habilidades políticas – no melhor sentido da palavra – é desmistificar, inclusive, a suposta neutralidade técnica dos julgamentos.
A questão da capacidade ação e agência política aparece aqui como uma ponderação em razão do contexto de politização do Supremo Tribunal Federal, que tem atuado, em diversas situações, para além da sua atribuição jurisdicional. Essa práxis, que é real, deve, assim, ser considerada na hora da escolha dos futuros Ministros e Ministras da Corte, a fim de que sejam agentes políticos comprometidos com o regime democrático estabelecido na própria Constituição Federal de 1988.
Um comprometimento com a perspectiva social traçada na Constituição Federal de 1988 associado à diversidade de gênero e raça nos parece, assim, uma perspectiva central para as próximas nomeações de Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal. Ficamos na expectativa e na disputa, assim, por integrantes mais dispostos a proteger o texto que o Tribunal tem o dever constitucional de guardar.
* Doutoranda em Direito pela UNB. Mestra em Direito pela UFBA. Integra o Observatório Trabalhista do Supremo Tribunal Federal (Fd/UnB) e o Grupo de Pesquisa Trabalho, Interseccionalidades e Direitos (UnB/CNPq).