Por: Tayná Frota de Araújo
Os criptoativos já não são considerados recentes no mercado, mas ainda geram dúvidas sobre o seu conceito e possibilidades de usos. Apesar disso, é inegável que já se constituem como promissores ativos financeiros e que cada vez mais ganham espaço na economia e mídia[1], além de atraírem a atenção dos setores privados e públicos. No que se refere à regulação, Ghirardi cita relevante estudo que demonstra que, de 2014 a 2018, aproximadamente 130 países buscaram de alguma forma regular as transações e uso de criptomoedas[2].
O Brasil ainda não possui regulamentações específicas sobre a temática, mas as operações realizadas não são proibidas nem consideradas ilegais. Na pauta legislativa de 2021, espera-se que ocorram mais avanços sobre Projetos de Lei que tramitam há anos, como será debatido adiante. Sob essa perspectiva, serão apresentadas neste breve texto algumas considerações iniciais da temática e as perspectivas da atuação e regulação dos criptoativos no Brasil.
Os criptoativos são ativos virtuais, protegidos por criptografia, e estão inseridos exclusivamente em registros digitais. As suas operações são executadas e armazenadas na rede de computadores e não existem regras explícitas sobre como devem ou não funcionar, cabendo aos seus criadores o estabelecimento dos trâmites e objetivos dos criptoativos.
O seu funcionamento ocorre a partir de uma tecnologia de registro descentralizado, com conceito semelhante extraído a partir da contabilidade, porque se considera a existência de um livro-razão, o qual está distribuído na rede mundial de computadores. Dessa forma, o valor da conversão desses ativos depende da credibilidade e confiança dos agentes de mercado que possuem no emissor, e/ou na aceitação desse criptoativo, inclusive, na expectativa de sua valorização. Assim, “toda transação realizada é divulgada para a rede, e somente será aceita após um complexo sistema de validação e de uma espécie de consenso da maioria dos participantes da rede”. Por isso, considera-se que as operações são irreversíveis e que conseguem reduzir as possibilidades de fraudes[3].
Os criptoativos também são considerados como uma classe mais ampla das criptomoedas. Entretanto, cabe fazer a ressalva sobre a discussão deste termo ser visto como inapropriado, vez que os ativos digitais não são considerados propriamente como moedas. Isso porque não apresentam as clássicas características de serem emitidas por uma única autoridade pública competente, não sendo controladas nos moldes históricos do sistema financeiro tradicional, constituindo-se como unidade de conta, reserva de valor e meio de troca.
Para mais, os criptoativos “não detém o atributo jurídico do poder liberatório, ou seja, sua aceitação não é obrigatória de forma a liberar o devedor de sua obrigação jurídica”[4]. O próprio Banco Central também os diferencia da moeda eletrônica prevista na legislação, “que se caracteriza como recursos em Reais mantidos em meio eletrônico, em bancos e outras instituições, que permitem ao usuário realizar pagamentos e transferências”[5].
Ademais, como principais distinções, deve-se considerar que os ativos digitais são denominados na própria unidade de conta e possuem “estrutura operacional descentralizada” de registro, com uso de tecnologia criptográfica, “com governança definida primordialmente no software por meio do qual funcionam”, de modo a se garantir mais segurança e “integridade de suas transações como um todo” na rede virtual de registros[6].
Desta forma, entende-se que os criptoativos apresentam natureza híbrida, sob o viés econômico e jurídico, conforme o uso atribuído a eles. Por isso, as preocupações com a segurança jurídica e o desenvolvimento e exploração econômica desses ativos é de interesse público e privado, já que não integram um sistema financeiro regulado e as inovações no setor são praticamente diárias, chamando atenção quanto ao risco sobre a segurança dos usuários e eventuais práticas de ilícitos[7].
Como já mencionado, o Brasil ainda não conta com regulamentação própria sobre os criptoativos, existindo até o momento Projetos de Leis e diretrizes de órgãos como o Banco Central e da própria Receita Federal.
No meio Legislativo, cabe citar os Projetos de Lei (PL) em tramitação na Câmara dos Deputados, n° 2303/2015 e 2060/2019, da autoria do Deputado Federal Aureo Ribeiro, (Solidariedade-RJ), que almejam disciplinar as moedas virtuais e os programas de milhagem no País. Além desses, citam-se os PL em trâmite no Senado Federal n° 3.825/2019, do Senador Flávio Arns (Podemos-PR), que pretende que Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fiscalizem as operações virtuais para aumentar a segurança para o investidor e evitar fraudes; o PL 3.949/2019, da iniciativa do Senador Styvenson Valentim (PODEMOS/RN), que também busca regulamentar “a utilização de moedas virtuais e o funcionamento de empresas intermediadoras dessas operações”. Por fim, cabe citar o PL 4.207/2020, da Senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), que indica a necessidade da criação de um comitê interministerial para monitorar essas transações.
Em 2014, o Banco Central do Brasil (Bacen) emitiu o Comunicado n° 25.306, no qual buscou esclarecer “os riscos decorrentes da aquisição das chamadas ‘moedas virtuais’ ou ‘moedas criptografadas’ e da realização de transações com elas”, explicando que não se confundem com as moedas eletrônicas, abrangidas pela Lei nº 12.865/2013, e sua regulamentação infralegal. Na época, destacou que, diante do então “baixo volume de transações, de sua baixa aceitação como meio de troca e da falta de percepção clara sobre sua fidedignidade, a variação dos preços das chamadas moedas virtuais pode ser muito grande e rápida, podendo até mesmo levar à perda total de seu valor”.
Já em 2017, o Bacen emitiu o Comunicado n° 31.379, o qual “alerta sobre os riscos decorrentes de operações de guarda e negociação das denominadas moedas virtuais”, destacando também a “baixa aceitação como meio de troca e a falta de percepção clara sobre sua fidedignidade, podendo até mesmo levar à perda total de seu valor”.
Recentemente, em 2020, o Bacen criou o sandbox regulatório para o mercado financeiro, de modo a permitir a avaliação e análise de riscos de negócios, de modo a possibilitar o teste sobre novos produtos e serviços inovadores para o sistema financeiro, que envolvam, por exemplo, o uso de criptoativos.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em 2018, publicou o Ofício Circular n.1/2018/CVM/SIN, no qual permitiu o investimento em criptoativos de forma indireta pelos fundos de investimentos brasileiros. Ademais, destacou os riscos existentes relacionados à lavagem de dinheiro ou de fraudes que possam ocorrer por meio do uso das criptomoedas.
Em acréscimo ao mencionado Ofício, a Instrução Normativa CVM 555, permite a aquisição de cotas de fundos e derivativos em criptoativos desde que admitidos e regulamentados naqueles mercados. Ressalta-se que, em 2020, ano marcado por considerável retração econômica agravada pela pandemia provocada pela Covid-19, o crescimento do volume de fundo de investimentos voltados ao “investimento exclusivo” de criptoativos chegou a 70% no Brasil[8].
Por sua vez, a Receita Federal publicou em 2019 a Instrução Normativa (IN) n° 1.888, a qual apresenta uma série de definições importantes, incluindo a definição legal de criptoativos, veja-se:
“Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:
I – criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; (…)”
A mencionada IN foi alterada posteriormente pela IN n° 1.899/2019, que instituiu e disciplinou “a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB)”. Como a Receita entende que os criptotativos são de forma semelhante aos demais ativos, os ganhos decorrentes da variação da cotação são tributáveis.
Em 2021, todas as pessoas que tiverem criptomoedas devem enviar a declaração, sendo excetuados da tributação quem movimentar com os ativos valor inferior a R$ 35 mil. O formulário também conta atualmente com mais três códigos que objetivam a melhor indicação da origem dos ativos, a saber: 81- criptoativo bitcoin – BTC; 82 – outros criptoativos, do tipo moeda digital, conhecido como altcoins; 89 – demais criptoativos não considerados criptomoedas (payment tokens).
Desta forma, entende-se que essas ações ao longo dos anos, a exemplo das manifestações do Bacen, demonstram não somente a evolução do uso e relevância dos ativos para a economia, como também o avanço e o cuidado de se garantir instrumentos apropriados para o seu funcionamento no país.
Como exposto, os criptoativos são promissores e seu uso é crescente no Brasil e no mundo. Embora se considere que o país ainda não apresente regulação própria sobre o setor, isso não impede os avanços na área e/ou seus usos, sendo percebida como mais uma forma de se garantir e passar segurança a todos os atores do setor, em atenção aos princípios constitucionais, como o da livre concorrência, e legais, como as disposições de proteção ao consumidor-investidor e desincentivos às práticas de crimes, em atenção aos sistemas público, digital e financeiro.
Assim, espera-se que ocorra a ampliação da comunicação e troca de informações entre os setores, a exemplo do espaço criado pelo sandbox regulatório do Bacen, permitindo a melhor integração dos interesses sem representar necessariamente limitações à expansão dos criptoativos no Brasil.
Tayná Frota atualmente é Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília. Editora Assistente da RED UnB.
E-mail para contato: taynafrot@gmail.com.
NOTAS DE RODAPÉ:
[1] Exemplos como ataques cibernéticos que exigiam o pagamento por meio de ativo digital, como no caso da Disney em 2017; anúncios recentes em 2021, como o realizado pelo ator Terry Crews, que lançou seu próprio criptoativo; ou ainda pelo grande e instável valor da bitcoin, um dos ativos mais conhecidos atualmente, que durante 2020 valorizou em mais de 300% em Dólar.
[2] GHIRARDI, Maria do Carmo Garcez. Criptomoedas: aspectos jurídicos. São Paulo: Almedina, 2020, p. 118.
[3] Disponível em: https://comoinvestir.thecap.com.br/criptoativos/. Acesso em 13 mar. 2021.
[4] DURAN, Camila Villard; STEINBERG, Daniel Fideles; FILHO, Marcelo de Castro Cunha. Criptoativos no Brasil: o que são e como regular? Recomendações aos Projetos de lei 2060/2019 e 2303/2015.
[5] Disponível em: https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/perguntasfrequentes-respostas/faq_moedasvirtuais. Acesso em 15 mar. 2021.
[6] STELLA, Cesar Julio. Moedas Virtuais no Brasil: como enquadrar as criptomoedas. Revista da PGBC. Vol. 11, n. 2, dez. 2017.
[7] VAN DER LAAN, Cesar Rodrigues. É Crível uma Economia Monetária Baseada em Bitcoins? Limites à disseminação de moedas virtuais privadas. Disponível em: https://www12.senado.leg. br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td163/view. Acesso em 20 mar. 2021.
[8] Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/10/ainda-sem-regulamentacao-investimentos-em-criptoativos-crescem-70-em-2020. Acesso em: 20 mar. 2021.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Projeto de Lei n° 2.303/2015. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1555470.
BRASIL. Projeto de Lei n° 2.060/2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196875.
BRASIL. Projeto de Lei n° 3.825/2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137512.
BRASIL. Projeto de Lei n° 3.949/2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137644.
BRASIL. Projeto de Lei n° 4.207/2020. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/144036.
BRASIL. Banco Central. Comunicado n° 25.306, de 19 de fevereiro de 2014. Diário Oficial da União de 20/02/2014, nº 36, Seção 3, pág. 105.
BRASIL. Banco Central. Comunicado n° 31.379, de 16 de novembro de 2017. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Comunicado&numero=31379.
BRASIL. Receita Federal. Instrução Normativa n° 1.888, de 03 de maio de 2019. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=100592.
BRASIL. Receita Federal. Instrução Normativa n° 1.899, de 10 de julho de 2019. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=102230.
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Ofício Circular n.1/2018/CVM/SIN, de 12 de janeiro de 2018. Disponível em: http://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sin/oc-sin-0118.html.
Disney diz que hackers roubaram filme e pedem resgate. Exame. Disponível em: https://exame.com/tecnologia/disney-diz-que-hackers-roubaram-filme-e-pedem-resgate/. Acesso em: 12 mar. 2021.
DURAN, Camila Villard; STEINBERG, Daniel Fideles; FILHO, Marcelo de Castro Cunha. Criptoativos no Brasil: o que são e como regular? Recomendações aos Projetos de Lei 2060/2019 e 2303/2015.
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TEMÓTEO, Antônio. Bitcoin se valoriza 419% em reais em um ano; você deve investir em 2021?. Economia UOL. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/01/07/bitcoin-valorizacao-risco-perspectivas.htm. Acesso em: 13 mar. 2021.
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