Por: Frederico Thaddeu Pedroso
Visando explorar as vulnerabilidades e as possibilidades da exposição dos consumidores às tecnologias da informação e comunicação (TIC’s), a presente produção científica se desenvolve a partir de um problema de pesquisa norteador. Em que medida as TIC’s, permeada pelo uso de sua relação dicotômica, onde de um lado proporcionam um acesso mais participativo à informação e de outro fomentam o consumismo exacerbado, podem ser utilizadas para a implementação de noções inerentes à sustentabilidade multidimensional no processo de tomada de decisão do consumidor?
Com o propósito de sanar o questionamento acima evidenciado, objetiva-se proporcionar ao leitor uma reflexão crítica sobre o assunto, a partir de uma abordagem dialética argumentativa entre os potenciais negativos e positivos das tecnologias informacionais e comunicacionais típicas da sociedade em rede. Assim sendo, serão exploradas as (im) possibilidades da promoção de um consumo pautado na sustentabilidade multidimensional, considerando o aparato tecnológico à disposição da sociedade contemporânea pós-moderna[1].
O objetivo geral deste estudo é elaborar uma síntese, que tenha o condão de proporcionar um melhor enfrentamento às vulnerabilidades da sociedade de consumo[2], exponencialmente agravadas pelo advento da COVID-19. Em um primeiro momento, explana-se acerca da sociedade em rede e de consumo e de suas poderosas tecnologias, relacionando-as com as vulnerabilidades contemporâneas dos consumidores. Na sequência, os potenciais positivos que as mesmas tecnologias que fomentam as vulnerabilidades identificadas na primeira seção possuem, no sentido de proporcionarem uma tomada de decisão mais sustentável ao consumidor. Já a terceiro e último parte é dedicado à síntese, que defrontará o problema proposto e estabelecerá uma resposta fundamentada, extraída do choque discursivo entre a tese (primeira seção) e a antítese (segunda seção).
A metodologia utilizada obedece ao quadrinômio Abordagem, Teoria de Base, Procedimento e Técnica. A abordagem é a sistêmico-complexa, partindo-se da base comunicacional entre áreas do saber e analisando dados considerando os elementos da complexidade. Como teoria de base foram utilizados autores da teoria dos sistemas, teoria da complexidade e sociedade informacional como Fritjof Capra, Edgar Morin e Manuel Castells. O procedimento utilizado é a pesquisa bibliográfica. Quanto a técnica utilizada, foram realizadas consultas à periódicos e elaborados resumos e fichamentos.
Na lição de Renato Veloso[3], as tecnologias da informação e comunicação “agem como instrumentos inovadores no aceleramento da comunicação, estimulam a interatividade, modificam a produção e transformam as relações entre os indivíduos”. Observa-se que estas inovadoras técnicas são, em essência, “neutras”. No entanto, na atualidade, as TIC’s[4] apresentam-se como verdadeiras facas de dois gumes. Por um lado, detêm um potencial positivo, no sentido de proporcionar um acesso mais participativo à informação aos consumidores e auxiliar no processo de tomada de decisão. De outro, fomentam o consumismo selvagem, típico da sociedade capitalista contemporânea e de seu sistema de valores retrógrados.
É através das TIC’s que os consumidores são bombardeados por propagandas direcionadas e personalizadas por algoritmos[5], sendo estimulados a estarem consumindo o tempo todo e a qualquer custo. Nota-se que o consumismo desenfreado é tido como insustentável pela comunidade científica, sendo apontado como um agente causador de diversos desequilíbrios sistêmicos, como crises sanitárias a exemplo do surto de coronavírus (SARS-CoV-2)[6]. As demandas por mais e mais mercadorias ocasionaram uma verdadeira mercantilização da natureza, que destruiu em larga escala hábitats e ecossistemas naturais[7].
Em prol de uma urbanização e extração de recursos naturais, grandes áreas florestais foram derrubadas ao redor do mundo. Assim, muitos vírus que antes parasitavam exclusivamente algumas espécies animais, avançaram para a raça humana. Da mesma forma, populações vulnerabilizadas social e economicamente pela globalização, viram-se obrigadas a saciar sua fome com carnes de animais “selvagens”, que antes ficavam isolados – ou praticamente – nas áreas desmatadas, como macacos, roedores e morcegos[8].
Posto isso, o vínculo íntimo correlacional entre o consumismo selvagem e o surgimento do coronavírus, que saltou de uma espécie de morcego para o homem na China, e espalhou-se rapidamente, é irrefutável. Por outro lado, uma utilização positiva destas técnicas (TIC’s), no sentido de promover novas formas de pensar e agir, através de campanhas e ações que transmitam informações honestas e participativas aos consumidores, parece ser um caminho palpável para o enfrentamento dos diversos desequilíbrios verificados na sociedade de consumo. Em pleno século XXI, para enfrentá-los com sensatez, as TIC’s deverão ser utilizadas para o “bem”, necessariamente.
Para Jerônimo Siqueira Tybush[9], a mesma técnica – tecnologia – que modificou o meio ambiente natural drasticamente nas últimas décadas possui potencial positivo para enfrentar tais problemas com eficiência. Ao abordar a sustentabilidade multidimensional a partir da Teoria de Base/Abordagem sistêmico-complexa, o autor identifica que somente a partir das TIC’s é que se podem difundir, rapidamente e em larga escala, informações científicas adequadas e que proporcionem uma maior participação popular.
A partir disso, percebe-se que muito embora o consumo tenha passado a reger a dinâmica do sistema social, em que os cidadãos são impulsionados a consumir mais automóveis, eletrodomésticos, roupas, enfim, toda demanda material possível[10], uma correta utilização das TIC’s pelos consumidores pode auxiliá-los no processo de tomada de decisão. Como estas tecnologias são praticamente onipresentes no hodierno humano, uma veiculação, vinculação e cognição destas informações ambientais críticas e participativas torna-se, de certa forma, facilitada[11].
É através das TIC’s que os consumidores podem acessar e compreender as mais variadas informações ambientais sobre os produtos que estão consumindo. Assim sendo, a partir de uma reflexão mais crítica, que até o momento parece estar restrita ao ambiente acadêmico, os consumidores poderão iniciar uma modificação nos seus padrões de consumo. Conforme a lição do filósofo e psicanalista Félix Guatarri[12] “não se pode conceber resposta ao envenenamento da atmosfera e ao aquecimento do planeta sem uma mutação das mentalidades, sem a promoção de uma nova arte de viver em sociedade”.
A partir da veiculação das informações corretas – a iniciativa deve partir, primordialmente, dos órgãos e entidades da Administração Pública – a mesma técnica que oprime, sufoca e destrói o meio ambiente, será utilizada para difundir uma noção de consumo cidadão que transcenda a seara privada dos consumidores.
É com base na politização da técnica[13], que acompanha a sociabilidade humana desde os seus primórdios, que se poderá quebrar o atual paradigma do consumo, atualmente compreendido pelo homem como uma espécie de fuga da realidade. Somente um vasto acesso à informação, aliado a discussões amplas e participativas, é que se poderá refletir politicamente sobre o uso das TIC’s[14] e, assim, proteger juridicamente as vulnerabilidades do consumidor, advindas de sua exposição (capitalista) às tecnologias da informação e comunicação.
Frederico Thaddeu Pedroso é discente do Programa de Pós-Graduação (mestrado) em Direito da Universidade Federal de Santa Maria/RS (UFSM). Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Direito da Sociobiodiversidade (GPDS), vinculado a Universidade Federal de Santa Maria/RS (UFSM). Bacharel em Direito pela Universidade Franciscana de Santa Maria/RS (UFN). Advogado inscrito na OAB/RS.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] HARVEY, David; SOBRAL, Adail Ubirajara. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança social. 15ª. ed. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. Rio de Janeiro: Edições Loyola, 2006.
[2] BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2004.
[3] VELOSO, Renato. Tecnologias da informação e comunicação: desafios e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 50.
[4] CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 8ª ed. Traduzido por Roneide Venâncio Majer com a colaboração de Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1.
[5] BENNETT MOSES, Lyria; CHAN, Janet. Algorithmic prediction in policing: assumptions, evaluation, and accountability. Policing and society, v. 28, n. 7, p. 806-822, 2018.
[6] FREITAS, André Ricardo Ribas; NAPIMOGA, Marcelo; DONALISIO, Maria Rita. Análise da gravidade da pandemia de Covid-19. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 29, 2020.
[7] AGUIRRE, Patricia. As epidemias na história da cultura: a força do pequeno. Traduzido por Romier Souza e Islândia Bezerra. Serie Agroecologia y COVID19, v. 3. S/l. Abr. 2020, disponível em: https://aba-agroecologia.org.br/as-epidemias-na-historia-da-cultura-a-forca-do-pequeno/. Acesso em: 20 mar. 2021.
[8] CAPRA, Fritjof; HANDERSON, Hazel. Pandemics: lessons looking back from 2050. Eghical Markets. Mai. 2020, disponível em: https://www.ethicalmarkets.com/pandemics-lessons-looking-back-from-2050/. Acesso em: 20 mar. 2021.
[9] TYBUSH, Jerônimo Siqueira. Sustentabilidade multidimensional [tese]: elementos reflexivos na produção da técnica jurídico-ambiental / Jerônimo Siqueira Tybusch; orientador, João Eduardo Pinto Bastos Lupi. – Florianópolis, SC, 2011.
[10] COLOMBO, Luciane Ozelame Ribas; FAVOTO, Thais Brandt; DO CARMO, Sidney Nascimento. A evolução da sociedade de consumo. Akrópolis-Revista de Ciências Humanas da UNIPAR, v. 16, n. 3, 2008.
[11] TYBUSH, Jerônimo Siqueira. Op. Cit.
[12] GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. 2ª ed. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. São Paulo: Editora 34, 2012, p. 32.
[13] TYBUSH, Jerônimo Siqueira. Op. Cit.
[14] GARCIA DOS SANTOS, Laymert. Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação digital e genética. São Paulo: Editora 34, 2003.