Escrito por Catarina Pierdoná Wasilewski [*]
Contemporaneamente, discute-se a influência crescente dos rankings universitários na gestão e no desenvolvimento das Instituições de Ensino Superior (IES), observando-se um crescente debate sobre metodologia e imparcialidade desses sistemas de classificação. No Brasil, a divulgação dos rankings, como o QS e o THE, é ampla, impactando a percepção pública e as estratégias de gestão das universidades.
Este trabalho argumenta que, apesar de sua pretensa objetividade na mensuração da qualidade institucional, eles perpetuam desigualdades sistêmicas e violam princípios fundamentais de igualdade e de não-discriminação. Examina-se como seus vieses inerentes e metodologias criam iniquidades que desfavorecem instituições e regiões específicas, potencialmente contrariando marcos legais internacionais e nacionais.
Por meio de pesquisa em sites oficiais, análise de documentos legais e revisão bibliográfica nas bases de dados SciELO e Google Acadêmico, o seguinte artigo questiona em que medida os sistemas de rankeamento das IES nos permitem pensar o princípio internacional de igualdade e não-discriminação? Essa indagação principal se ramifica em outras questões: os rankings refletem a realidade da diversidade no ensino superior ou reforçam desigualdades preexistentes? Como as métricas utilizadas impactam instituições de diferentes contextos e recursos? Enfatizamos que o conceito de “igualdade” não se resume a mera definição conceitual, mas evolui no tempo e deve ser constantemente revisitado à luz de novas realidades sociais e jurídicas.
Os Vieses Metodológicos e as desigualdades sistêmicas: Uma Profecia Auto-Realizável
Os sistemas de classificação universitária, apesar de afirmarem objetividade, dependem fortemente de métricas quantificáveis que, inadvertidamente, perpetuam e amplificam as desigualdades existentes. Métricas como produção de pesquisa (publicações, citações, financiamento de bolsas), reputação da faculdade (geralmente medida por prêmios e citações) e razão aluno-professor criam um arcabouço que implicitamente favorece modelos institucionais e locais geográficos específicos —mais precisamente, os países desenvolvidos, os quais possuem maior acesso a recursos, à infraestrutura (laboratórios, bibliotecas, tecnologia), e a oportunidades de pesquisa, o que se reflete em mais publicações, projetos de pesquisa e patentes, indicadores chave nos rankings.
Trata-se de viés que favorece desproporcionalmente campos de estudo e regiões geográficas desenvolvidas, levando a uma distribuição desigual de recursos e prestígio [1]. Há um viés sistêmico que dificulta o desenvolvimento e o avanço da educação superior em regiões menos privilegiadas —que são excluídas ao acesso a mercados para a criação de redes de contatos, visibilidade e produção científica [2].
Também há limitações das próprias métricas que agravam ainda mais o problema. O QS (Quacquarelli Symonds), por exemplo, baseia-se em seis indicadores, metade proveniente de pesquisas de mercado, o que gera questionamentos sobre a taxa de resposta e a influência dos pesos atribuídos, além de alta volatilidade na pontuação, incentivando o marketing institucional [3]. O THE (Times Higher Education) utiliza treze indicadores, com mais da metade a partir de dados como número de doutorados, renda institucional, renda de pesquisa, produtividade de pesquisa e colaboração internacional [4].
Já o ARWU (Academic Ranking of World Universities), o primeiro ranking universitário global, avalia universidades com base em quatro critérios, incluindo prêmios Nobel e publicações em revistas de alto impacto, mas publica apenas as 500 melhores e exclui áreas como artes e humanidades, também sofrendo críticas por falta de transparência na coleta de dados [5]. Em conjunto, esses exemplos demonstram a complexidade e as limitações inerentes às metodologias dos rankings, levantando preocupações sobre sua capacidade de refletir a qualidade institucional de forma justa e imparcial.
O foco estrito em dados quantificáveis —como a produção de pesquisa medida por publicações e citações— ofusca outros aspectos cruciais da educação superior, como a qualidade do ensino, o apoio estudantil, o envolvimento comunitário e a contribuição para o desenvolvimento nacional. Assim, valoriza instituições voltadas para a pesquisa em detrimento daquelas voltadas para o ensino, ignorando a diversidade de missões e valores da educação superior global.
Ademais, o destaque atribuído aos rankings universitários globais —especialmente em países do leste asiático como Japão, Cingapura, Coreia do Sul, Taiwan e Hong Kong— levou à priorização desproporcional de campos de conhecimento facilmente quantificáveis pelas métricas utilizadas (engenharias e ciências exatas), em detrimento das ciências humanas, marginalizando diretamente as humanidades e distorcendo a alocação de recursos devido às limitações das métricas de classificação [6]. A própria predominância do inglês como idioma principal de publicação em periódicos de alto impacto cria um viés linguístico significativo, marginalizando contribuições e conhecimentos valiosos de regiões não anglofalantes. Esse viés reflete e reforça a dominância das normas e perspectivas acadêmicas anglo-americanas no sistema global de educação superior.
Essa exclusão sistemática constitui uma forma de discriminação indireta, conforme definido no artigo 1(2) da Convenção Interamericana contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância, que proíbe medidas que, embora aparentemente neutras, têm o efeito de discriminar grupos específicos. Essa ponderação desigual de publicações e fatores de impacto prejudica significativamente a igualdade de oportunidades, princípio protegido no artigo 8 da Carta das Nações Unidas e no artigo 5, caput, da Constituição Federal.
Os rankings moldam o comportamento institucional e a alocação de recursos, criando uma profecia auto-realizável que perpetua e amplifica as desigualdades existentes [7]. Instituições de alta classificação atraem mais financiamento, recrutam professores de ponta e matriculam alunos de alto desempenho, consolidando ainda mais suas posições de liderança e prejudicando as menos bem colocadas. Isso cria um ciclo vicioso em que as desigualdades existentes não são apenas refletidas, mas ativamente amplificadas, resultando em uma concentração de recursos e prestígio no ápice da hierarquia de classificação [8].
O contexto brasileiro serve como um estudo de caso sobre a desvantagem sistêmica e os desafios legais sobre o tema. A experiência das universidades brasileiras no contexto dos rankings internacionais revela o impacto significativo de vieses geográficos e orçamentários [9]. A falta de recursos, agravada por barreiras linguísticas e o viés inerente em favor de modelos intensivos em pesquisa, prejudica sistematicamente as instituições brasileiras, levando a desigualdades exacerbadas pela ênfase na produção de pesquisa, que favorece instituições com maior acesso a financiamento e infraestrutura [10]. Essas desvantagens representam potenciais violações da garantia constitucional brasileira de igualdade e não-discriminação entre as universidades e os próprios estudantes.
A pressão para se conformar às métricas de classificação pode influenciar ainda mais a alocação de recursos, desviando fundos do ensino e do apoio estudantil para pesquisas voltadas para a melhoria das classificações, o que pode afetar a qualidade e a equidade da educação. A ênfase no modelo de “Universidade de Classe Mundial” [11], frequentemente associada a classificações altas, pode levar a adaptações institucionais que priorizam padrões internacionais em detrimento das necessidades nacionais [12].
A imposição de um modelo potencialmente eurocêntrico de educação superior pode ser interpretada como uma forma de discriminação cultural, prejudicando as contribuições e prioridades únicas de diferentes sistemas educacionais. Existe, portanto, uma incapacidade inerente dos rankings internacionais de conciliar a busca por medições objetivas com a necessidade de garantir um tratamento equitativo entre as diversas instituições.
Conclusão
As metodologias empregadas, embora aparentemente neutras, desfavorecem sistematicamente certos tipos de instituições e regiões geográficas, criando desigualdades sistêmicas que suscitam várias preocupações éticas e legais, as quais necessitam, para serem aprimoradas, de uma abordagem que inclua tanto a reforma metodológica quanto uma avaliação mais ampla da finalidade e estrutura dos sistemas de classificação universitária. Os vieses inerentes às suas metodologias criam e reforçam desigualdades sistêmicas, prejudicando instituições em países em desenvolvimento. Essas desigualdades se traduzem em acesso desigual a recursos, oportunidades e prestígio, potencialmente violando as estruturas legais nacionais e internacionais que protegem a igualdade e o direito à educação. Em suma, a desigualdade global pode estar sendo acentuada pelos próprios rankings.
Referências
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 – Marco Civil da Internet.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1945%20Carta%20das%20Nações%20Unidas.pdf. Acesso em: 29 jan. 2025.
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância. Art. 1(2). Disponível em: https://www.oas.org/en/sla/dil/docs/inter_american_treaties_A-69_Convencao_Interamericana_disciminacao_intolerancia_POR.pdf. Acesso em: 29 jan. 2025.
JÖNS, Heike; HOYLER, Michael. Global geographies of higher education: The perspective of world university rankings. Geoforum, v. 46, p. 45-59, mai. 2013.
FAUZI, Muhammad Ashraf; TAN, Christine Nya-Ling; DAUD, Mahyuddin; AWALLUDIN, Muhammad Mukhtar Noor. University rankings: A review of methodological flaws. Issues in Educational Research, v. 30(1), 2020.
SAUDER, Michael; LANCASTER, Ryon. Do Rankings Matter? The Effects of U.S. News & World Report Rankings on the Admissions Process of Law Schools. Law & Society Review, v. 40, n. 1, p. 105-134, 2006.
SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS. Rankings universitários internacionais: evidências de vieses geográficos e orçamentários para instituições brasileiras. Avaliação (Campinas), v. 24, n. 3, set.-nov. 2019.
SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS. Rankings acadêmicos e universidades de classe mundial: relações, desdobramentos e tendências. Educação & Sociedade, v. 39, n. 145, out.-dez. 2018a.
SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS. Perfil das universidades brasileiras de e com potencial de classe mundial. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas), v. 23, n. 1, jan.-abr. 2018b.
[1] Jöns; Hoyler, 2013.
[2] Jöns; Hoyler, 2013
[3] Fauzi et al., 2020.
[4] Fauzi et al., 2020, p. 84.
[5] Fauzi et al., 2020, p. 86.
[6] Fauzi et al., 2020, p.80.
[7] Sauder; Lancaster, 2006.
[8] Sauder; Lancaster, 2006.
[9] Scimago Institutions Rankings, 2019.
[10] Jöns; Hoyler, 2013.
[11] Scimago Institutions Rankings, 2018b.
[12] Scimago Institutions Rankings, 2018a.
[*] Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília, monitora da disciplina Teoria Geral do Estado, membra do Veredicto e da Assessoria Jurídica Universitária Popular Roberto Lyra Filho (AJUP). E-mail: catarinapierdonaw@gmail.com. Lattes: CV: http://lattes.cnpq.br/5253824623722089.