Pequenas empresas, grandes tributos: a tributação sobre o consumo

por TAXUnB

Escrito por Lucas Corte Fialho [*]

As atuais mudanças ocorridas no sistema tributário nacional a partir da Emenda Constitucional nº 132 dizem respeito, especificamente, acerca da tributação sobre o consumo. Todavia, pouco se discute os reais efeitos dessa tributação e o motivo de sua existência.

De maneira geral, é senso comum pensar que essa tributação recai indiretamente ao consumidor final, através dos custos tributárias agregados ao preço final dos produtos. Não obstante a ausência de dispositivo legal que disciplina stricto sensu tributos cuja incidência seja imediatamente o consumo, é crucial, sobretudo, explicar que a tributação consumerista visa atingir a capacidade econômica do consumidor final, de modo a inexistir tributação sobre a atividade consumerista em si[1].

Em tempos de Reforma Tributária sobre o Consumo, não se observa efeitos senão aqueles que atingem o consumidor final. Com razão, afinal, são estes que, ao final das contas, são os mais sensíveis aos custos que, porventura, são alocados no preço final de produtos e serviços. No entanto, há de se frisar que nem sempre a carga tributária sobre o consumo será suportada pelo consumidor, eis que, para tanto, é vital considerar a elasticidade econômica.

A elasticidade se refere ao efeito ocasionado no mercado em relação à subjetividade do agente econômico, i.e., do comprador (consumidor final, em nosso caso) ou do vendedor. Segundo Schoueri[2], “reflete a disposição do comprador ou vendedor para mudar de atitude, conforme mude o preço de uma mercadoria”, levando em consideração a quantidade demandada ou ofertada de um produto.

Considerando o tributo que tenha incidência jurídica sobre o consumo, haverá, em termos econômicos, incidência diversa da imaginada pelo legislador: a carga tributária poderá ser suportada ou pelo consumidor final, ou pelo vendedor, ou, ainda, por ambos, cujo ônus será parcialmente repassado para o consumidor e parcialmente para o vendedor. Desse modo, deve-se investigar em que mercado há a incidência jurídica do tributo sobre o consumo para se descobrir sua incidência econômica, que representa, de fato, o encargo do tributo[3].

Em que pese eventuais encargos tributários ao consumidor final, todavia, gostaria de dar um pouco de atenção a um grupo cujo impacto da tributação sobre o consumo atinge de forma tão latente quanto: micro, pequenas e médias empresas.

Há de se falar que uma má tributação dessa espécie dificulta a expansão, crescimento e a própria manutenção de pequenos empreendimentos no Brasil. Não significa dizer que a tributação sobre o consumo é a principal causa de dificuldade das pequenas empresas, mas sim que gera demasiados efeitos negativos à exploração de atividade econômica.

Embora haja o risco inerente à atividade empresarial, o desenvolvimento econômico e, consequentemente, social está diretamente relacionado à criação, expansão e, sobretudo, sobrevivência de empresas. Não apenas a geração de emprego, mas a geração de riqueza de uma nação inevitavelmente depende da exploração de atividade econômica empresarial, tendo em parâmetro a redução de custos de transação (custos envolvidos na busca de informações, negociação e elaboração de contratos) a partir de coordenadas atividades [4]. Portanto, é inegável a contribuição da instituição empresarial para a sociedade, de modo que se justifica sua preservação pelo Estado.

Dados estatísticos indicam que as pequenas e médias empresas são as que mais contribuem para o fisco proporcionalmente[5]. Sob outro ângulo, há dados que apontam a grande dificuldade de sobrevivência desse grupo de empresas. De modo geral, há aproximadamente 38% de chance de uma empresa brasileira chegar a cinco anos de sobrevivência[6], acentuando-se a dificuldade para aquelas que possuem baixos recursos.

Em vista do cenário de imensas dificuldades, torna-se indubitável que a tributação sobre o consumo influencia no cotidiano desses agentes econômicos minoritários, sobretudo se tomarmos em consideração as altas cargas tributárias brasileiras[7]. Se levarmos em conta a conjuntura elástica de tais tributos, é possível notar que a pequena empresa sempre restará prejudicada em algum grau, independentemente da capacidade de repasse do tributo aos preços finais.

Se a demanda for relativamente inelástica — ou seja, se os consumidores forem pouco sensíveis a variações de preço —, o vendedor (pequeno negócio) conseguirá transferir grande parte (ou mesmo a totalidade) do imposto para o preço de venda, mitigando perdas diretas. No entanto, mesmo nesse cenário, o aumento do preço final pode reduzir o volume de vendas, pressionando a receita total. Além disso, parte do valor pago pelo consumidor é direcionada ao governo, e não ao vendedor, o que implica uma redução líquida em sua margem de lucro.

Por outro lado, se a demanda for elástica — indicando alta sensibilidade dos consumidores a aumentos de preço —, qualquer tentativa de repassar o imposto resultará em uma queda acentuada nas vendas. Nesse caso, a pequena empresa é forçada a absorver a maior parte (ou a totalidade) do tributo, reduzindo sua margem por unidade vendida (aumento do custo marginal).

Portanto, ainda que a capacidade de repasse varie conforme a elasticidade da demanda, a imposição de um tributo sobre o consumo sempre gera uma perda de bem-estar para o produtor. Seja pela compressão das margens, seja pela redução no volume de vendas, o resultado líquido é uma diminuição em seu excedente econômico. A única exceção hipotética ocorreria em uma situação de demanda perfeitamente inelástica, na qual o consumidor arca integralmente com o tributo sem alterar sua demanda. Mesmo assim, o produtor sofreria um efeito indireto, já que parte da receita potencial é transferida ao governo, e não reinvestida no negócio.

Tendo em vista a grande competitividade mercadológica naturalmente observada, não resta alternativa senão a diminuição do preço final do produto ou serviço como mecanismo de diferencial competitivo. Entretanto, por praticamente inexistir concorrência perfeita, grandes empresas conseguem ter margens de lucro ínfimas e até mesmo sofrer prejuízos. Isso decorre da capacidade de explorar economias de escala, diluindo custos fixos em um volume massivo de produção e vendas — vantagem inacessível a empresas de menor porte.

O custo marginal — gasto adicional para produzir uma unidade a mais — tende a ser significativamente menor para grandes empresas, especialmente em setores com altos custos fixos e baixa variação operacional. Isso permite que atuem com margens estreitas, compensando a baixa rentabilidade por unidade com o volume extraordinário de transações. Enquanto um pequeno negócio sucumbiria a essas condições, uma grande empresa pode sustentar operações temporariamente deficitárias, seja para consolidar participação de mercado, eliminar concorrentes ou aproveitar ganhos laterais (como receitas complementares de serviços ou vendas cruzadas).

Ademais, tais empresas têm acesso a diversos mecanismos para diminuição da carga tributária, seja por benefício fiscal através de tutela judicial, seja por incentivo governamental. Portanto, a carga tributária sobre o consumo possui ônus distintos entre grandes e pequenos negócios.

Conforme apontam Appy, Santi, Coelho, Machado e Canado[8], negócios de baixa rentabilidade que competem na economia informal pagam mais tributos. Contudo, o contraditório emerge: são estes que mais necessitam de maior proteção e estímulo, uma vez que tratam de setores sensíveis à sociedade. São tais tipos de empreendimentos que atendem as necessidades dos indivíduos diariamente – padarias, supermercados, postos de combustível, restaurantes etc -; sua falta ou desaparecimento acarretaria graves transtornos socioeconômicos.

Conquanto haja estímulos fiscais aos pequenos negócios, mormente o Simples Nacional, a realidade destoa significativamente daquilo almejado pelo legislador. A adoção desse sistema fiscal não apresentou mudanças benéficas; pelo contrário, a complexidade tributária permaneceu, caracterizada por uma elevada carga fiscal e um emaranhado de regras distintas, o que continua a dificultar o cumprimento das obrigações fiscais por parte desse grupo de contribuintes[9].

Sendo assim, é evidente que a tributação sobre o consumo, embora juridicamente incidente sobre transações comerciais, gera efeitos econômicos complexos e assimétricos, afetando de maneira particularmente sensível às micro, pequenas e médias empresas. Enquanto grandes empresas podem diluir custos e acessar benefícios fiscais, os pequenos negócios operam em desvantagem estrutural, muitas vezes arcando com uma carga desproporcional em relação à sua capacidade contributiva. Urge, portanto, reflexão acerca do impacto da tributação sobre o consumo na dinâmica de mercado, repensando seus efeitos na concorrência imperfeita entre pequenas e grandes empresas.

Diante dessa circunstância apontada, é necessário que haja estrita observância do princípio da capacidade contributiva na incidência de tributos sobre o consumo. Grandes empresas possuem menor utilidade marginal de cada venda, vez que uma transação isolada em nada significa se oposta a massividade de transações realizadas, ao passo que pequenos empreendimentos são atenciosos a cada venda, tendo em vista a alta utilidade marginal. Assim, aquelas devem progressivamente contribuir mais, sendo que estas devem ter menor incidência da tributação, a fim de haja equidade de sacrifício posto, em noção de justiça econômica apresentada por Caliendo[10].

[*] Estudante de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador-bolsista do PIBIC/UnB. Pesquisador do Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologia das Comunicações da UnB (CCOM/UnB). Membro do Grupo de Estudos de Direito e Economia da UnB (GEDE/UnB), do Grupo de Estudos em Direito Tributário da UnB (TaxUnB), do Núcleo de Direito Setorial e Regulatório da UnB (NDSR/UnB) e do Grupo de Estudos Avançados em Direito Tributário da PUC-RS (GTAX/PUC-RS).  Estagiário em escritório de advocacia.

[1] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 13ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024. 113 p.

[2] BERNARDES, Flávio Couto; ELÓI, Pilar de Souza e Paula Coutinho. Afinal, o que são tributos sobre o consumo. In: Anais do XXVII Encontro Nacional do CONPEDI – Tema: “Sociedade global e seus impactos sobre o estudo e a efetividade do Direito na contemporaneidade”. 2013. p.2014 – 2043 – São Paulo-SP. 13-16/11 de 2013. ISBN: 978-85-7840-192-4.

[3] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 13ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024. 107-108 p.

[4] COASE, Ronald. H. The nature of the firm. Economica, New Series, v. 4, n. 16, pp. 386-405, Nov. 1937.

[5] IMPOSTÔMETRO – Carga tributária brasileira pesa mais para micro e pequenas empresas. Impostômetro, 2018. Disponível em: https://impostometro.com.br/Noticias/Interna?idNoticia=300. Acesso em: 07 de janeiro de 2025.

[6] IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Demografia das Empresas e Estatísticas de Empreendedorismo. Rio de Janeiro: IBGE, 2022.

[7] OECD et al. Estadísticas tributarias en América Latina y el Caribe 2024, OECD Publishing, Paris, 2024.

[8] APPY, B.; SANTI, E.d.; COELHO, I.; MACHADO, N.; CANADO, V. R. Tributação no Brasil: o que está errado e como consertar. O Brasil sob reforma, São Paulo, v. 1, ed. 1, mar., 2020.

[9] LOPES, Hilarion Duarte Cavalcante. Simples Nacional: uma análise sob a perspectiva da complexidade tributária. Dissertação (mestrado) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. 2024.

[10] CALIENDO, P. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. 369 p. 273-275 p.

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