Por: Júlia Sleifer Alonso
Sob o prisma do princípio da fraternidade no Direito brasileiro, o qual se fundamenta, especialmente, na dignidade da pessoa humana, segundo a qual se reconhece o outro como ser humano, independente das diferenças, que merece respeito sobre sua própria existência, sem deixar de responder pelos direitos e deveres, regrados pelas normas, inclusive abarcando compromissos e responsabilidades por ser sujeito de direito e viver em sociedade[1].
O estudo fundamenta-se na análise das políticas governamentais e nas ações fraternas adotadas pela sociedade para auxiliar as pessoas em situação de rua no Brasil em tempos de pandemia do COVID-19. Tem como problema de pesquisa analisar as ações governamentais e amostras ativas de medidas da sociedade civil que vêm sendo implementadas no intuito de preservar as pessoas em situação de rua no Brasil no enfrentamento à pandemia da Covid-19. Por meio de uma pesquisa analítica, bibliográfica e método dedutivo, tem como objetivo central verificar as ações da sociedade no geral, administração pública em todas suas esferas e sociedade civil.
Não há no Estado brasileiro dados oficiais a respeito do número de população em situação de rua, porém, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que o Brasil tenha mais de 100 mil pessoas nessa condição[2]. Já a Secretaria de Assistência Social do estado de São Paulo realizou no final do ano de 2019, uma pesquisa na qual foi possível constatar uma ampliação de 53% (cinquenta e três por cento) dessa população entre os anos de 2015 até o ano da coleta de informações, apresentando como resultado um aumento de 15.905 para 24.344 pessoas em situação de rua no Estado[3].
Durante a pesquisa, foi possível analisar grande envolvimento da sociedade civil, principalmente, por meio de manifestações solidárias, com arrecadação de mantimentos e produtos de limpeza, utilizando as redes sociais, para minimizar os riscos da população em situação de rua com a pandemia. Como exemplos: campanhas para pendurar em árvores duas garrafas pet amarradas em um barbante, uma contendo água potável, outra com água e sabão, para quem precisar poder ter acesso à lavagem das mãos; grupos solidários, “Banho do Bem” no Distrito Federal, “Marcha das Favelas” no Rio de Janeiro, dentre outros, estão com empreitadas para arrecadar alimentos, água potável, dentre outros utensílios de extrema necessidade para sobrevivência digna; a Marcha das Favelas, está com uma campanha para angariar dinheiro por meio de uma plataforma online chamada “vakinha.com” com o intuito de aquisição de alimentos.
Em contrapartida, no caso dos governos estaduais, é possível notar situações de descaso, como por exemplo, o governador do estado do Rio Grande do Sul, estado em que foi protocolada uma Ação Civil Pública (número 5021931-14.2020.8.21.0001[4]), por meio da Defensoria Pública da União (DPU, junto com a Defensoria do Estado – DPERS), para a defesa dos direitos fundamentais das pessoas em situação de rua na cidade de Porto Alegre – RS. O defensor público Gabriel Saad explicou que foi verificado no Plano Municipal que as ações para essas pessoas eram insuficientes para garantir as necessidades básicas conforme o Plano estipula, violando direitos básicos como a garantia de locais de abrigo; realização de higiene pessoal; alimentação; sendo condições imprescindíveis à vida, reiteradamente em época de pandemia.
Na circunstância, foi requerida a tutela judicial mandamental para os réus estado do Rio Grande do Sul e Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), definindo que adotem medidas como: disponibilização de material informativo sobre a COVID-19 nos equipamentos e serviços que atendam à população em situação de rua; disponibilização de álcool gel e de máscaras faciais à população em situação de rua; requisição ou aluguel de quartos de hotéis, motéis e pensões pelo período necessário, para se garantir o isolamento e a higiene básica adequada das pessoas em situação de rua durante a pandemia da COVID-19; disponibilização do uso de espaços públicos educacionais e esportivos que estejam com a utilização suspensa e que contenham equipamentos de higiene (vestuário/banheiro) para acomodação, respeitando-se a proibição de aglomerações e a distância adequada entre as pessoas, assim como outras dez medidas. Porém, o estado do Rio Grande do Sul, até o início do mês de maio, não tomou medidas eficazes.
Já no estado do Pernambuco, o governador, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude, lançou a campanha “Pernambuco Solidário”[5] contra o coronavírus, tendo como estratégia o cuidado com a disseminação do COVID-19 na população em situação de rua, criando para este fim estrutura para que estas pessoas possam se informar sobre prevenção do vírus, assim como poderem tomar banho, lavar roupas e receber kits de alimentação e higiene.
É possível constatar que a sociedade civil e, em geral, a população brasileira está mais atenta e preocupada com os mais vulneráveis, promovendo ações que visem minimizar os riscos provocados pelo COVID-19. Em contrapartida, há uma lacuna nas ações governamentais quanto aos direitos das pessoas em situação de rua, pois, quando há, são poucas as políticas públicas existentes e implementadas para essa população vulnerável, que não tem casa para se abrigar e depende das políticas sociais para sua proteção.
O Princípio da Fraternidade existe no direito brasileiro principalmente como forma de garantia dos Direitos Humanos e Fundamentais na sociedade, sendo preciso, mais do que nunca, olhar para os mais necessitados, uma vez que as desigualdades ficaram muito mais evidentes em tempos de pandemia.
Júlia Sleifer Alonso é acadêmica do 10º período do curso de Direito na Universidade Federal do Pampa – campus Santana do Livramento/RS. Pesquisadora do Grupo de Pesquisas Direito, Cidadania e Fraternidade (DICIFRA).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] OLIVEIRA, Olga Maria B. Aguiar de; CASTAGNA, Fabiano Pires. Crise no Ensino Jurídico: a aproximação entre o princípio da Fraternidade e a teoria crítica do direito na análise das diretrizes curriculares nacionais. In: VERONESE, Josiane Rose Petry; OLIVEIRA, Olga Maria B. Aguiar de; MOTA, Sergio Ricardo Ferreira (Orgs.). O Direito revestido de fraternidade: Estudos desenvolvidos no programa de pós-graduação em direito da UFSC. Florianópolis: Insular. 2016.
[2] PESQUISA ESTIMA QUE O BRASIL TEM 101 MIL MORADORES DE RUA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2017. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=29303 >. Acesso em: 14, abr de 2020.
[3] POPULAÇÃO DE RUA NA CIDADE DE SP AUMENTA 53% EM 4 ANOS E CHEGA A 24 MIL PESSOAS. G1 SP e TV GLOBO, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/01/30/populacao-de-rua-na-cidade-de-sp-che ga-a-mais-de-24-mil-pessoas-maior-numero-desde-2009.ghtml>. Acesso em: 14, abr de 2020.
[4] DIREITOS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA SÃO TEMA DE AÇÃO JUDICIAL NO RS. Defensoria Pública da União, 2020. Disponível em: <https://www.dpu.def.br/noticias-rio-grande-do-sul/56459-direitos-da-populacao-em-situacao-de-rua-sao-tema-de-acao-judicial-no-rs>. Acesso em: 14, abr de 2020.
[5] GOVERNO DE PERNAMBUCO PROMOVE CONJUNTO DE AÇÕES PARA ATENDER POPULAÇÃO MAIS. Governo do estado de Pernambuco, 2020. Disponível em: <http://www.portais.pe.gov.br/web/sedsdh/exibir_noticia?groupId=17459&articleId=59614732&templateId=18128>. Acesso em: 14, abr de 2020.