Por: Ivo Emanuel Dias Barros
O advento da Lei da Liberdade Econômica trouxe consigo novas perspectivas para o setor econômico do país com a desburocratização de diversas atividades e outro modo de pensar a livre-iniciativa. Dentre as inúmeras inovações e contribuições trazidas pelo então novel diploma, cabe mencionar a figura da sociedade limitada unipessoal, também denominada de SLU. Esta, por sua vez, veio para atender a um antigo reclamo da doutrina comercialista, que reivindicara o fato de o sistema não possuir uma modalidade empresarial que pudesse possibilitar àqueles que, sozinhos, desejam constituir empresa, realizar tal feitio, com uma separação patrimonial, tal como ocorre com as sociedades.
Nesse sentido, surgiu a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), em 2011, que permitiu, assim, a constituição de empresa de forma individual com a separação patrimonial, algo, até então, inédito no contexto da ordem jurídica nacional. Todavia, apesar do entusiasmo inicial acerca de a EIRELI representar proteção ao patrimônio dos que, individualmente, exercem empresa, um dos requisitos para sua respectiva constituição acabou por ser considerado como óbice à livre-iniciativa. Isso porque a EIRELI estabelece a integralização de um capital mínimo igual ou superior ao valor de 100 (cem) vezes, o maior salário mínimo vigente no país.
À vista disso, tal requisito acabou por promover um afugentamento em razão do alto valor posto como requisito para a integralização do capital mínimo da EIRELI, haja vista que, quando da constituição de um negócio, há diversas incertezas quanto ao seu sucesso e, por isso, o investimento alto para constituição de EIRELI, sobretudo diante da conjuntura do ordenamento pátrio, que relega a livre-iniciativa a um segundo plano quando confrontada com outros princípios e valores, pode representar, decerto, grande ameaça aos empresários[1].
Destarte, a SLU acabou por trazer consigo, para além da separação patrimonial, a possibilidade de limitação da responsabilidade individual. Isto é, além de o patrimônio da empresa não se confundir com o de seu titular, pela hipótese de separação patrimonial, a limitação da responsabilidade individual enseja que o sócio da SLU somente responderá até o capital por ele integralizado, o que implica dizer que os bens particulares do sócio não respondem pelos bens da sociedade, ressalvadas as hipóteses de prática de atos ilícitos e, também, na situação de desconsideração da personalidade jurídica.
Outro ponto de destaque na discussão que se segue é a novidade de uma sociedade ser unipessoal, ou seja, composta por apenas um membro, o qual é titular de todo o capital social integralizado. O fato em comento vai de encontro ao requisito de pluralidade de sócios exigido e, por muitos anos, rigorosamente vigente na ordem jurídica pátria. Em que pesem as divergências doutrinárias no que concerne o requisito da pluralidade de sócios, a SLU, contudo, quebrou esse paradigma e acabou por seguir na mesma esteira de diversos outros países, como Portugal e França[2], por exemplo, que já admitiam constituição de sociedade unipessoal há um determinado tempo.
Ademais, é significativo atentar para o fato de que o que houve com a criação da SLU foi tão somente uma mera formalização e institucionalização desta. Isso porque, anteriormente, muitos indivíduos constituíam as denominadas ‘’sociedades fictícias’’ ou ‘’de fachada’’ para, assim, exercerem individualmente empresa com a limitação da responsabilidade individual e, decerto, a separação patrimonial. Nesse contexto, convém mencionar que, muitas das mencionadas sociedades ‘’de fachada’’, possuíam dois sócios e um destes detinha 99% do capital social, ao passo que o outro possuía apenas 1%, inclusive, na maioria das vezes, sendo o outro sócio um membro da família ou colega[3].
Sob o ponto de vista pragmático, saindo do plano estritamente formal, a SLU, decerto, apenas institucionalizou uma prática já costumeira no país. Assim, muitos autores chegam a considerar que o advento da Sociedade Limitada Unipessoal pode simbolizar um decréscimo das sociedades fictícias, inclusive colaborando para uma justa e efetiva aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, além de facilitar, outrossim, nas hipóteses de cometimento de atos ilícitos.
O acontecimento acima mencionado pode representar uma das consequências a serem observadas a um curto prazo após a institucionalização da SLU, todavia existem outras projeções que podem apenas serem observadas e corroboradas tão só com o passar do tempo por meio da experiência decorrida. Tal circunstância reflete-se, claramente, em um possível fim da EIRELI, outrora mencionada. Para os defensores e adeptos de um possível e gradual fim da EIRELI, o fato em questão ocorrerá porque, de maneira lógica, não haverá motivos para aqueles que sozinhos desejarem exercer empresa utilizarem-se da EIRELI, uma vez que a SLU possui todos os benefícios que ela dispõe, inclusive com alguns diferenciais[4].
Alguns desses diferenciais, a título de exemplo, podem aqui ser elencados. O primeiro trata-se da não obrigatoriedade de integralização de um capital social mínimo pela SLU, diferentemente, nesse sentido, da EIRELI. E, além disso, não há nenhuma previsão legal acerca da constituição de mais de uma sociedade limitada unipessoal, fato que, diferentemente, não ocorre com a EIRELI, que limita a pessoa física a apenas uma modalidade deste negócio.
Por fim, mencione-se que o advento da Sociedade Limitada Unipessoal representa uma sólida expressão de fomento à autonomia privada, principalmente para pequenos e médios empresários, os quais, antes, viam-se atormentados pela possibilidade tão só de registrarem-se enquanto Empresários Individuais, por exemplo, simbolizando um cenário marcado pelo medo e pelas incertezas naturalmente decorrentes da constituição de um negócio. Essa conquista, portanto, demonstra a quebra de uma série de paradigmas, principalmente em um ordenamento cuja predileção por outros princípios em detrimento ao da livre-iniciativa, sempre se mostrou claro e evidente, conforme já mencionado.
Ivo Emanuel Dias Barros é graduando em Direito pelo Centro de Ciências Jurídicas e Sociais (CCJS) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Membro do Conselho Editorial da Revista de Filosofia do Direito, do Estado e da Sociedade (FIDES), assim como da Revista Jurídica In Verbis, ambas filiadas à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Integrante do Centro de Estudos em Direito Constitucional (CEDIC) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisador do Centro de Estudos de Direito Alemão e Comparado de Pernambuco (CEDAC). Extensionista do projeto Simulação de Tribunais Constitucionais, vinculado à Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] SANTA CRUZ, André. Direito empresarial: vol. único. 10. ed. Editora Gen: Rio de Janeiro, 2020
[2] COSTA, Ricardo Alberto Santos. A sociedade unipessoal por quotas no direito português. Coimbra: Almedina, 2002
[3] RIBEIRO, Maria Carla Pereira; COSTA, Pedro Henrique Carvalho Da. Primeiras anotações acerca da nova sociedade limitada unipessoal. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Lisboa, v.5, n.4, p.1124-1145, 2019.
[4] MENDONÇA, Pedro Correia De. EIRELI: a exigência do capital social e os reflexos da medida provisória nº 881, de 30 de abril de 2019. São Paulo, 2019. 44f. Monografia (Pós-graduação) – Programa de LL.M Direito Societário – INSPER