Retomemos Pontes de Miranda

Por: Carlos José Martins de Oliveira

Muito se deu atenção (merecida, diga-se) ao Pontes do Tratado de Direito Privado de sessenta tomos, todavia esqueceu-se de outros Pontes de Miranda. Aqui tentaremos demonstrar um outro, o Pontes epistêmico. Além dos tratados, pareceres, comentários aos Códigos e Constituições houve também um Pontes de Miranda preocupado com o rumo do Direito como Ciência e com a Ciência de modo geral. Nos ateremos aqui ao lapso temporal da década de 1920 e 1930 de sua produção bibliográfica, período em que especialmente sua obra se voltou a essa temática. Em tempos de instabilidade, como o nosso, retomar algumas prescrições parece ser necessário.

Pontes desenvolveu diversas asserções a cada disciplina estudada que, cada uma a sua peculiaridade e cada uma a sua área (filosofia, sociologia e direito), tem como leitmotiv a exaltação científica. Ele procura extrair das relações dos fenômenos abstrações científicas, ou, em sua linguagem, o jecto da relação (su)jeito-(ob)jecto.[1] Para tal, a questão que se apresenta é epistemológica. Desde sua produção mais jovem, é categórico em afirmar que o que se tem que procurar é observar fatos e descobrir suas uniformidades.

A questão não é meramente formal por gosto, mas por necessidade civilizatória. As fases do conhecimento podem ser comparadas ao processo de desenvolvimento de uma criança. Primeiro ensinar a ver e a sentir, depois apreender o geral e a induzir. Deve-se evitar o solipsismo. A razão por si só não é segura. “Dela podem sair a verdade e o erro, porque trabalha com as abstrações, com o raciocínio, que tanto apreende, como pode encobrir e deformar o real”[2]. Deve-se dar atenção aos fatos, ao concreto, ao que acontece. Qualquer fuga ao material, é contraproducente.

Aí está o papel da ciência e, conforme Pontes, também dos governos. Da primeira porque lhe é inerente de seu modo de ser. Sua verificabilidade permite que se extraia substancias (jectos) finas, limpas. Do segundo porque cabe a este agir nos ditames daquela. Ainda em 1924, dizia: hoje, os estadistas são raríssimos e quase nenhuns, porque pressupõem no mesmo homem o político e o sábio, o homem que o povo favorece e ao mesmo tempo assimilou a ciência e sabe orientar o seu povo no sentido dela.[3] A ciência evita o esforço pessoal, simplifica a vida porque esclarece. Na sua prosa, dizia que o que iria conciliar os homens seria o método científico[4], mal sabia ele que hoje se tenta argumentar contra ciência com pura doxa.

Hoje temos que ter coragem epistêmica para acreditar que nossa saída se dará através da produção científica feita de forma livre e independente, e para não deixar que a doxa supere a episteme num debate de argumentos charlatão de 140 caracteres.


Carlos José Martins de Oliveira é graduando em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira. Ex-Parlamentar Jovem por Goiás, no Parlamento Jovem Brasileiro (PJB/2015). Colecionador e pesquisador de Pontes de Miranda.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

[1] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. O Problema Fundamental do Conhecimento. 1ª ed. Porto Alegre: Edições Globo, 1937, p. 74. A palavra –jecto Pontes designou como sendo o produto da investigação científica, originada da relação sujeito-objeto, diz ele: Os prefixos apenas criam dualidade ilusória, que somente ‘traduz’ mais um elemento relacional no compacto das coisas e dos espíritos, indistintamente objectiváveis e subjectiváveis […]. Ibidem, p. 81.

[2] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Introdução à Política Scientifica. 1ª ed. Rio de Janeiro: Garnier, 1924, p. 289.

[3] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Introdução à Política Scientifica. 1ª ed. Rio de Janeiro: Garnier, 1924, p. 161.

[4] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. A sabedoria da Inteligência. In: Obras literárias. Prosa e poesia.1ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio: 1960, p. 160.

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