Os direitos dos presos

por Direitos Humanos no Carcere

Por Gabriel Cardoso Cândido*

O artigo 41 da Lei de Execução Penal (LEP) estabelece uma série de direitos dos presos, embora não exaustiva. Isso implica que outros direitos não mencionados explicitamente podem ser reconhecidos de acordo com a interpretação jurisprudencial e doutrinária:

Art. 41 – Constituem direitos do preso:

I – alimentação suficiente e vestuário;

II – atribuição de trabalho e sua remuneração;

III – Previdência Social;

IV – constituição de pecúlio;

V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI – chamamento nominal;

XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.

Alguns desses direitos podem suscitar controvérsias relevantes. Por exemplo, a garantia de “exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena” pode gerar debates sobre quais atividades são consideradas compatíveis com a privação de liberdade. Além disso, a garantia de “contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes” pode suscitar preocupações sobre como garantir esse contato sem comprometer a segurança do estabelecimento prisional, bem como questionamentos atinentes ao conceito e à aplicação do que se entende por bons costumes.

É imprescindível considerar essas nuances ao interpretar e aplicar os direitos dos presos, assegurando simultaneamente a dignidade e o respeito pelos direitos humanos no sistema prisional.

Além da proibição ao sensacionalismo estabelecida no inciso VIII do artigo 41 da LEP, veda-se “divulgar ocorrências que possam perturbar a segurança e disciplina dos estabelecimentos, bem como expor o preso a uma notoriedade inconveniente durante o cumprimento da pena” (art.198, LEP), tendo em vista proteger a integridade e da dignidade dos detentos, evitando sua exposição a situações que possam comprometer a segurança ou sujeitá-los a uma exposição pública inadequada. Paralelamente, a Regra 48 das Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil reforça essa proteção, determinando que, em caso de deslocamento, deve-se evitar sua exposição ao público e tomar medidas para protegê-lo de insultos e da curiosidade geral. 

Sobre as visitas, o STF ressalta a importância das visitas de cônjuges, companheiros, amigos e familiares aos detentos, reconhecendo seu papel crucial no processo de reintegração social do apenado:

O direito do preso de receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos está expressamente garantido pela própria Lei (art. 41, X), principalmente com o objetivo de promover a tão almejada ressocialização e reeducação do apenado, que mais cedo ou mais tarde retornará ao convívio familiar e social. (STF, HC 107701/RS, Segunda Turma, Relator: Ministro Gilmar Mendes, j. 13-9-2011, DJe 21-9-2011)

Assim, é responsabilidade do Estado proporcionar meios para que o detento possa receber visitas, inclusive de filhos e enteados, em um ambiente apropriado e seguro para esse fim, de modo a não comprometer a integridade física e psicológica dos visitantes. Nesse contexto, o STJ, em defesa da dignidade da pessoa humana, determinou que não cabe às autoridades estabelecer o grau de importância dos familiares na vida dos detentos e, portanto, não devem criar critérios de prioridade de visitas com base nessa perspectiva (STJ, RMS 56.152/SP). Assegurar o contato com familiares não apenas contribui para a preservação dos vínculos afetivos, mas também pode ter um impacto positivo e significativo no processo de reintegração dos indivíduos à sociedade após o cumprimento da pena.

A Regra 63 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos determina que os presos devem ser informados das principais notícias por meio de diversos meios autorizados ou controlados pela administração prisional, em consonância com o inciso XV do artigo 41 da LEP. Entretanto, Roig (2021, p.100) apresenta uma crítica que diz respeito à restrição de acesso aos conteúdos que não comprometam a moral e os bons costumes. Ele argumenta que essa limitação viola os princípios da legalidade, lesividade, secularização, pluralismo, humanidade e intimidade.  

É crucial ressaltar a importância do atestado de pena a cumprir, cujo objetivo é fornecer ao preso informações precisas sobre o tempo restante de sua pena e é fundamental para a obtenção de outros direitos durante a execução penal (art. 66, X, LEP). Esta medida não apenas permite que o detento tenha clareza sobre sua situação jurídica e temporal, como também promove a transparência e eficiência do sistema penitenciário, garantindo o pleno exercício dos direitos previstos em lei durante todo o período de cumprimento da pena.

Além dos direitos explicitamente estabelecidos na LEP, existe uma ampla gama de outros direitos fundamentais que os detentos devem usufruir, mesmo que não estejam expressamente mencionados na legislação. Esses direitos são vitais para assegurar a dignidade e o bem-estar dos indivíduos privados de liberdade, sendo crucial que sejam respeitados e promovidos pelo sistema prisional, em conformidade com os princípios de humanidade e respeito aos direitos humanos. 

Todas as garantias estabelecidas em nível nacional e internacional visam concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana no contexto da execução penal. Este princípio está intrinsecamente ligado ao Estado Democrático de Direito, que reconhece o ser humano como sujeito ativo e fim em si mesmo (QUARESMA; GUIMARAENS, 2006, p. 468). 

Negligenciar ou violar os direitos do cidadão seria uma renúncia do Estado aos seus princípios democráticos, levando-o inevitavelmente ao autoritarismo. A preservação da dignidade humana é crucial para o pleno exercício da cidadania, de tal forma que representa um requisito essencial para a participação efetiva do indivíduo na condução dos destinos do Estado, constituindo um elemento fundamental da cidadania (TAVARES, 2020, p.82-3). 

Esta abordagem enfatiza que garantir a dignidade de cada indivíduo é não apenas um imperativo moral, mas também um alicerce essencial para o funcionamento íntegro e democrático de uma sociedade.

* Advogado criminalista pela PUC-RIO. Especialista em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS.


Referências

BRASIL. Lei de Execução Penal, Decreto-Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Brasília, 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 22 mai 2024.

ONU. Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela). Organização das Nações Unidas, 1955. Disponível em:  <https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/Nelson_Mandela_Rules-P-ebook.pdf>. Acesso em: 22 mai 2024.

QUARESMA, Regina; GUIMARAENS, Francisco de. Princípios Fundamentais e Garantias Constitucionais. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Orgs.). Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.453-72.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: Teoria Crítica. 5.ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.

STF, HC 107701/RS, Segunda Turma, Relator: Ministro Gilmar Mendes, j. 13-9-2011, DJe 21-9-2011

STJ, RMS 56.152/SP, Quinta Turma, Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, j. 3-4-2018, DJe 13-4-2018.

TAVARES, Juarez. Fundamentos de teoria do delito. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2020.

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