Por Caroline Araujo Corni*
Em decisão recente, ao julgar o Recurso Especial nº 2.026.925/SP [1], de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, os Ministros da Terceira Turma do STJ entenderam ser inadmissível a prática de atos processuais por meio de redes sociais (WhatsApp, Facebook, Instagram e afins), até que sobrevenha permissão legal.
No caso concreto, tratava-se de ação de execução de título extrajudicial movida por empresa comercializadora de produtos siderúrgicos contra devedor. Após dificuldades de citação pelos meios convencionais, em decisão interlocutória, o Juízo de origem indeferiu pedido de citação do executado por redes sociais, devido à ausência de previsão legal. Interposto agravo de instrumento, a decisão recorrida foi mantida pelos mesmos fundamentos, em respeito aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa.
No recurso especial, o recorrente alegava que, em razão da dificuldade para encontrar o réu para citação pessoal, deve prevalecer o princípio da instrumentalidade das formas, para ser realizada a citação por rede social.
O princípio da instrumentalidade das formas, previsto no art. 277 do CPC, prevê que um ato processual não será invalidado se, apesar de praticado com algum vício formal, atingir sua finalidade [2]. Não significa, no entanto, que o Judiciário pode fabricar um ato que não esteja previsto na lei.
Em seu voto, a Ministra Nancy Andrighi reconhece a existência desse debate – possibilidade de intimação ou citação por intermédio de aplicativos de mensagens ou redes sociais – há quase uma década. Ressaltou que já houve matéria editado a esse respeito no âmbito infralegal. Por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça já chegou a aprovar o uso de ferramentas tecnológicas para a comunicação de atos processuais [3] e editar uma Resolução permitindo a citação por meio eletrônico, desde que de forma subsidiária [4].
A Ministra destacou que uma primeira alteração já foi feita no Código de Processo Civil, pela Lei nº 14.195/2021, e o legislador optou por possibilitar apenas a citação por e-mail, excluindo, propositalmente, demais aplicativos de mensagens e meios eletrônicos. Demais disso, existe um Projeto de Lei que visa regulamentar a citação por rede social (PL nº 1.595/2020).
Concluiu que ainda não há previsão legal que autorize a possibilidade de citação por redes sociais, portanto, “a comunicação de atos processuais por aplicativos de mensagens ou de relações sociais, isto é, de forma distinta daquela prevista em lei é portadora de um vício em relação à forma apto a, em tese, nulificá-la.”
Além disso, a Relatora frisa que a legislação já prevê providências para a citação de réu não localizado, qual seja, a citação por edital, e que a identificação de uma parte por redes sociais é de difícil confirmação, assim como a ciência do mandado de citação.
A Terceira Turma decidiu em prol do devido processo legal e do alcance inequívoco da finalidade da citação, qual seja, convocar a parte para integrar a relação processual, nos termos do art. 238 do Código de Processo Civil. Trata-se de ato processual de extrema importância e sensibilidade, por ser o primeiro contato da parte com a existência da demanda e por marcar o início da possibilidade de exercício dos direitos ao contraditório e à ampla defesa.
Por essa razão, o art. 239 do CPC reforça a imprescindibilidade da citação para a validade do processo. Não pode a parte sofrer consequências jurídicas de um processo do qual não tinha ciência, de modo que a citação é essencial para a validade de quaisquer outro atos processuais em relação à parte. Apesar das diferentes correntes doutrinárias a respeito da natureza jurídica da citação, é consenso que a nulidade de sentença proferida em processo que não houve citação pode ser alegada a qualquer momento, inclusive após o prazo de interposição da ação rescisória [5].
Portanto, o legislador, sabiamente, se preocupou em estabelecer regramentos para as mais diferentes modalidades de citação, cobrindo, inclusive, a possibilidade de não ser encontrado o réu para citação pessoal. Devido à sensibilidade do ato processual de citação, é indispensável a observância do devido processo legal para sua execução, apesar da existência do princípio da instrumentalidade das formas.
Isso porque, conforme ressaltado pela Relatora, o princípio, traduzido no art. 227 do CPC, permite apenas a convalidação dos atos processuais que já foram praticados sem atenção aos requisitos formais, mas atingiram seus objetivos. Não é possível a utilização do princípio para autorizar previamente a prática de atos processuais sem previsão legal.
É nesse sentido que segue a jurisprudência da Corte, quando, em demanda de mesma relatoria, a Terceira Turma entendeu que a citação por aplicativo de mensagem pode ser válida, quando a ciência for inequívoca (ou seja, quando a citação atingir seu objetivo), e não houver prejuízo à parte [6].
Sabe-se, no entanto, que os aplicativos de mensagens e redes sociais têm se tornado formas proeminentes de comunicação, e a facilidade de criação de perfis falsos e pouca precisão dos sistemas de confirmação de recebimento em assegurar a efetiva leitura de mensagens dificultam a garantia de ciência de quaisquer recados transmitidos por esses meios.
A discussão sobre a comunicação de atos processuais por meios eletrônicos é relevante, ao menos, desde 2017, com a decisão que aprovou a utilização do método do Procedimento de Controle Administrativo nº 0003251-94.2016.2.00.0000; ou seja, a discussão está em voga há, ao menos, 7 anos. Diante disso, é essencial a edição de legislação que se dedique a disciplinar e estabelecer critérios para a citação por meios eletrônicos, a fim de possibilitar que as ferramentas tecnológicas sejam utilizadas para facilitar o exercício da jurisdição e a convocação das partes.
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* Graduanda pela Universidade de Brasília – DF; estagiária de Contencioso e Arbitragem no Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados; former Politics and International Relations Course alumni, Reach Cambridge Spring Program – University of Cambridge; membro da Liga Acadêmica de Processo Civil da Universidade de Brasília (LAPROC). carolcorni@gmail.com.
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[1] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/28082023-Dificuldade-de-encontrar-o-reu-nao-justifica-citacao-por-meio-de-redes-sociais.aspx#:~:text=N%C3%A3o%20h%C3%A1%20autoriza%C3%A7%C3%A3o%20para%20a,de%20valida%C3%A7%C3%A3o%20dos%20atos%20comunicados.
[2] CABRAL, Antõnio do Passo. Teoria das Nulidades Processuais no Direito Contemporâneo. Revista de Processo. Vol. 255/2016, p. 117-140, 2016.
[3] Decisão proferida no julgamento do Procedimento de Controle Administrativo nº 0003251-94.2016.2.00.0000.
[4] Art. 8º da Resolução nº 354/2020 do Conselho Nacional de Justiça: “nos casos em que cabível a citação e a intimação pelo correio, por oficial de justiça ou pelo escrivão ou chefe de secretaria, o ato poderá ser cumprido por meio eletrônico que assegure ter o destinatário do ato tomado conhecimento do seu conteúdo”.
[5] https://jus.com.br/artigos/59434/da-citacao-e-sua-natureza-juridica-e-suas-modalidades-previstas-no-novo-codigo-de-processo-civil
[6] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/22082023-Citacao-por-aplicativo-de-mensagem-pode-ser-valida-se-der-ciencia-inequivoca-da-acao-judicial.aspx