Autor: Heron Santos Nery
A dependência global em relação ao dólar, atual unidade monetária do Estado americano, é um fenômeno que, ao longo das décadas, tem gerado uma série de problemas e implicações significativas para o sistema financeiro internacional. Embora o dólar tenha sido historicamente a principal moeda de reserva e meio de transações globais, e assim permanece, a existência desse fenômeno centralizador tem provocado crises financeiras recorrentes, salientando a vulnerabilidade do sistema econômico global.
É fundamental observar que tal dependência acaba conferindo aos EUA uma posição hierárquica verticalmente privilegiada no sistema global, permitindo-lhes um nível de controle desproporcional. A questão é que, não bastasse essa assimetria arbitrária entre os agentes na arquitetura comercial, esse controle é muitas vezes exercido sem base legitimadora, levando em consideração a multiplicidade de atores e interesses globais – fora os elementos antagônicos da voraz nação norte-americana.
A consequência mais óbvia dessa dependência é que muitos países são forçados a adotar o dólar como moeda de troca, com o intuito de evitar restrições e empobrecimento em suas transações internacionais. Cria-se, por consequência, uma situação na qual o poder dos EUA se estende ao âmbito monetário, influenciando as políticas econômicas de outras nações. A necessidade de ajustar constantemente o balanço de suas moedas para compensar as flutuações do dólar gera instabilidade interna, distorcendo os valores de bens, em uma perspectiva de mercado interno, e prejudicando a capacidade de planejamento econômico de países ao redor do mundo. Por razões de escassez de caixa, essa volatilidade das condições financeiras se agravam em nações de menor poderio econômico, transformando-se em um instrumento eficaz na expansão da pobreza.
Ademais, a concentração de poder financeiro nos EUA tem efeitos negativos sobre a autonomia das nações. Uma vez vinculado a um modelo neoliberal de funcionamento, o sistema financeiro global é altamente influenciado pela política burguesa e pela elite financeira dos EUA, o que prejudica a capacidade de países de se protegerem contra pressões externas e manipulações financeiras que não estejam alinhadas com seus próprios interesses nacionais. Rendidos aos grupos de pressão que se inserem no topo da pirâmide do capital, pouco podem fazer para a harmonia e interesse social, ou democrático, da população ao redor do globo, pois a economia se encontra, por natureza, submetida ao lucro estadunidense.
Essa dependência do dólar tem um impacto, como já bem dito, mas é importante reprisar, particularmente prejudicial em nações regionais e em desenvolvimento, que muitas vezes lutam para manter uma unidade independente em um sistema global dominado pelo dólar. Isso pode minar os esforços de cooperação regional e criar desequilíbrios significativos no sistema econômico global, que poderia se manter com uma pluralidade maior de ativos em circulação entre tais países, e uma diversificação de perspectivas desse nicho se relacionando entre si.
Em resumo, a dependência global do dólar, embora tenha suas raízes em razões históricas e econômicas, apresenta uma série de contradições em sua própria fundamentação que, teoricamente, levariam a uma harmonia e estabilidade significativa das relações monetárias internacionais. Essas incongruências lógicas resultam em crises financeiras recorrentes, uma concentração de poder nas mãos dos EUA que carece de legitimidade, limitações à autonomia das nações e a tendência de coagir autoritariamente países a se renderem à moeda de troca americana. Em face desses problemas, é crucial, e -ademais- essencial, considerar alternativas que possam promover uma maior estabilidade e equidade no sistema financeiro internacional.
A dependência global do dólar, em outra dimensão, longe de ser inerentemente prejudicial, pode ser vista como uma solução vantajosa em diversos aspectos. Um dos pontos-chave para considerar é que a fixação da economia em uma moeda nem sempre resulta em problemas de instabilidade intrínseca da moeda em questão, mas frequentemente deve-se a fatores incontroláveis, como conflitos armados, pandemias e outros eventos globais que dispersam a decadência econômica em todo o terreno terrestre. Nesse sentido, tal dependência pode ser uma resposta prudente, e muitas vezes a é, uma vez que o dólar é inegavelmente uma das moedas mais estáveis do mundo.
Além disso, o sistema financeiro norte-americano é amplamente reconhecido como um dos mais estáveis e confiáveis do mundo, devido ao seu previsível mecanismo de “checks and balances”, democrático e altamente produtivo quando inserido no contexto econômico dos EUA, em que a autonomia individual são motores de pulsão econômica significativos.
Os Estados Unidos representam, em termos brutos de volume, a maior economia do mundo, sendo líderes em poderio e diversificação em todos os setores. Essa posição torna o dólar uma moeda de troca global conveniente, uma vez que a economia dos EUA é robusta e altamente confiável – sendo consolidada não só no primeiro, no segundo, quanto também no terceiro setor do mercado.
A natureza democrática é outro ponto essencial quando se trata da dependência do dólar. Com sua pluralidade ideológica legitimada e fomentada, fora os sistemas de verificação que se consolidam em decorrência dessa multiplicidade ideológica, os EUA permitem amplo acesso à informação sobre as políticas econômicas em vigor e promovem uma “accountability” mais intensa do que na vasta maioria dos países, inclusive dos que criticam a centralidade da moeda americana no sistema, haja vista que em grande parte são regimes em que a liberdade é, quando não mal vista, restringida e atacada.
Consoante à característica exposta, é importante notar que, em caso de crise econômica nos EUA, o sistema financeiro interno tem a flexibilidade de buscar alternativas, com o surgimento de novos agentes a suprir a lacuna que expôs a deficiência. Outros países, ou moedas, podem emergir para preencher o vácuo, fora a solução de mercado, enquanto em economias centralizadas, como a China, a falta de alternativas pode levar a uma instabilidade mais profunda, já que o próprio causador de uma possível “quebra” – o único existente, no caso – se mantém, e é insubstituível – como o Estado Chinês.
A utilização de múltiplas moedas em transações internacionais aumenta os custos da troca, por ampliar a necessidade de taxas, e, portanto, a existência de um denominador comum é essencial. Esse princípio se reflete concretamente na crescente adoção de criptomoedas, que visam fornecer um meio de troca global que contorna a problemática.
Em termos práticos, e inclusive praxeológicos, a ideia de um sistema “descentralizado” tem uma lógica de funcionamento totalmente onírica, visto que, em comparação com atores autoritários ou economias rigidamente controladas, os agentes globais tendem a preferir um sistema de taxas e concentrações reduzidas. Esse sistema “preferível” demonstra uma maior maleabilidade e possibilidades de atuação e, por coincidência, essa substância teórica se enquadra fortemente ao sistema estadunidense, que retornaria ao topo da linha econômica, devido à sua segurança e solidez. Por fim, tem-se que essa suposta solução de sistema descentralizado vai de encontro com a própria tese temática debatida.
Da Argentina à Rússia – todas as nações cuidam de armazenar riqueza “dolarizada”, em grande parte devido à estabilidade da economia dos Estados Unidos e à confiabilidade de seu sistema financeiro. Portanto, a escolha de usar o dólar como moeda de reserva e meio de transações globais pode ser vista como uma escolha lógica, dado o seu histórico de estabilidade e aceitação global.
E você? Qual lado gostaria de defender neste debate?
Sobre o autor:
Heron Santos Nery,
Fundador da Federação das Ligas Financeiras de Brasília (FLFB); Membro da diretoria de módulos da Sociedade de Debates da UnB;
Redator da rede de educação política ‘Politize!’;
Graduando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)…
e acima de tudo um amante inefável do tricolor paulista!