Por Anna Irene Nunes Mendes de Paula*
A Lei de Execução Penal elenca na Seção IV as possibilidades de remição de pena para os condenados que cumprirem pena em regime fechado ou semiaberto. Dentre as opções, temos a diminuição de parte do tempo de pena pelo estudo no Art. 126. Os parágrafos seguintes estabelecem os critérios:
§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de: (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)
I – 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
(…)
§ 2o As atividades de estudo a que se refere o § 1o deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)
(…)
§ 5o O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
§ 6o O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011).
A partir de uma leitura inicial do dispositivo, entende-se que o ‘tempo de estudo’ seria relacionado, preliminarmente, ao estudo ativo a partir de atividades baseadas na frequência escolar do apenado. Em contrapartida, a Resolução nº 391 de 2021 estabeleceu a definição de outras práticas socioeducativas que poderão ser analisadas pelo juiz de execução nos casos em que há a possibilidade de remição de pena pelo ensino.
Os arts. 6º, 205 e seguintes da Constituição Federal, a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e a Lei nº 13.005/2014 (Plano Nacional de Educação), junto com a própria Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), garantem o direito à educação, cultura e atividades intelectuais às pessoas privadas de liberdade, com o objetivo de reintegração social através da individualização da pena (arts. 17 a 21, 41 e 126).
Essas diretrizes nacionais estão alinhadas com as Regras de Nelson Mandela, que estipulam padrões mínimos das Nações Unidas para o tratamento de reclusos, destacando o direito à educação, biblioteca e atividades culturais (Regras 4-2, 41, 64, 92, 104, 105 e 117). Além disso, o compromisso do Estado Brasileiro com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS 4) reforça a importância de assegurar uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade, promovendo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.
Esses e outros dispositivos são mencionados nas considerações iniciais da própria resolução 391/2021 do CNJ, que estipula a consideração de atividades escolares, práticas sociais educativas não escolares e a leitura de obras literárias¹ no reconhecimento presente no Art. 126 da Lei de Execução Penal.
O Artigo 5º estabelece que as pessoas privadas de liberdade têm direito à remição de pena pela leitura de obras literárias, independentemente de projetos ou listas prévias de títulos autorizados. A atividade de leitura será voluntária e realizada com obras do acervo bibliográfico da biblioteca da unidade prisional, que poderá ser renovado por doações sem censura a obras literárias, religiosas, filosóficas ou científicas, conforme a Constituição Federal. O acesso ao acervo será garantido a todas as pessoas presas, independente do regime de privação de liberdade ou disciplina, e a remição de pena se dará com a leitura e a elaboração de um relatório dentro de prazos estabelecidos.
Para a remição de pena, cada obra lida corresponderá a uma redução de quatro dias de pena, com o limite de doze obras lidas por ano, permitindo uma remição máxima de 48 dias por ano. A validação dos relatórios de leitura será feita por uma Comissão de Validação, composta por membros do Poder Executivo, representantes de organizações da sociedade civil, docentes, bibliotecários, e pessoas privadas de liberdade e seus familiares. Essa comissão analisará os relatórios considerando o grau de letramento e escolarização dos apenados, sem caráter de avaliação pedagógica, e deverá validar os relatórios no prazo de 30 dias.
O dispositivo também prevê formas de auxílio para a validação de relatórios de leitura para pessoas em fase de alfabetização, incluindo estratégias como leitura entre pares, audiobooks e outras formas de expressão, como desenhos. O Poder Público é responsável por garantir a disponibilidade de livros em braile e audiobooks para pessoas com deficiência visual, intelectual e analfabetas, e por assegurar a diversidade de autores e gêneros textuais no acervo da biblioteca, sem censura, garantindo também a inclusão de materiais para estrangeiros.
A partir dessa contextualização legal inicial, podemos adentrar a questão da leitura e cultura dentro dos sistemas prisionais.
Thaís Barbosa Passos traz alguns apontamentos a respeito da Literatura Carcerária em sua pesquisa de Doutorado². Para a autora, a educação em prisões representa a última grande fronteira da educação a ser superada, pois a população prisional é, entre os diversos grupos sociais minoritários ou politicamente subrepresentados, a que ainda enfrenta maiores resistências quando se trata da necessidade de universalização dos direitos para uma vivência plena dos valores democráticos.
Julgados como o HC no 190.806/SC (2ª Turma do STF) que reconheceu o direito à remição de pena pela leitura, considerado o escopo da ressocialização em que se inserem as atividades de educação, e determinou a expedição de recomendação ao CNJ para que sejam implementadas condições básicas de estudos no sistema carcerário demonstram a importância da consideração do acesso à cultura e educação para os indivíduos que hoje cumprem pena no sistema prisional.
O próprio cenário em que tais pessoas se encontram, muitas vezes caracterizado por condições adversas e falta de recursos, torna ainda mais crucial a implementação de políticas que promovam a educação e a cultura como ferramentas de ressocialização e reintegração social.
A educação e a cultura dentro dos sistemas prisionais não só facilitam a remição de pena, mas também promovem a reintegração social e o desenvolvimento humano dos apenados. As iniciativas de leitura, estudo e outras práticas socioeducativas são fundamentais para proporcionar um ambiente de aprendizado contínuo e inclusão, alinhando-se com os princípios democráticos e os compromissos internacionais e nacionais de um estado democrático de direito, buscando superar os desafios impostos pelo encarceramento e a marginalização.
* Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília. Ex-presidente e membro do Conselho de Representantes. Colaboradora-discente do projeto de extensão HABEAS LIBER, sediado na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Foi monitora de Teoria Geral do Processo 2, ministrada pelo docente Vallisney de Souza Oliveira e Sociologia Jurídica, por Alexandre Veronese na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Coordenadora e pesquisadora do Centro de Estudos Constitucionais Comparados (CECC/UnB) e Pesquisadora voluntária do grupo de pesquisa ‘Direito, gênero e Famílias (CNPq/UnB)
[1] Art. 2o da Res. 391 de 2021 do Conselho Nacional de Justiça.
[2] PASSOS, Barbosa Thais. Literatura Carcerária: a importância da leitura e da escrita em contexto prisional. V Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão 09 a 11/12/2019, FFLCHSUP, São Paulo-SP.