O debate universitário competitivo se estrutura de uma mesma maneira por todo o mundo, no modelo parlamento britânico. Na presente coluna, a Hermenêutica apresentará um resumo sobre os principais pontos do debate: (i) mesa de adjudicação; (ii) debatedores; e (iii) campeonatos.
Mesa de Adjudicação
A mesa de adjudicação é tipicamente composta por três juízes, é a destinatária dos argumentos do debate e o papel dos juízes é simular o eleitor médio, um cidadão que embora esteja ciente das notícias mais difundidas, não possui saber aprofundado a respeito de nenhum assunto e nem possui juízo de valor definido.
Assim, os debatedores deverão discursar como se estivessem se apresentando para o povo com o intuito de demonstrar que o seu caso é melhor, isto é, convencer o povo, de que o seu argumento é o vencedor do debate. Logo, como estão discursando para a população que é tipicamente leiga, deverão adequar-se para respeitarem todos os presentes, mas principalmente para não trazerem informações ou linguajar que possam ser incompreensíveis pelo povo. Discursar para a mesa é simular um discurso público sem elitização do conhecimento.
Ao final do debate, os juízes se retiram da sala a fim de deliberar qual caso foi mais convincente e assim elaborar a Call. A Call é o julgamento com a devida justificativa sobre quem ganhou o debate e organiza as duplas em primeiro, segundo, terceiro e quarto lugar.
Para poder julgar o debate e elaborar a Call, há diversos estudos sobre adjudicação de debate e principalmente, há manuais internacionais, que devem ser seguidos, sobre como pontuar os discursos. A principal ferramenta utilizada pelos juízes é a tabela de Speaker Points, uma planilha internacionalmente fixada que estabelece uma correspondência entre a qualidade da fala do orador e um valor numérico de 50 a 100. A Call classifica as duplas de acordo com a soma de Speaker Points de cada debatedor sendo, portanto, o primeiro lugar a dupla com mais Speaker Points e o quarto lugar a dupla com menos.
Dentro da mesa de adjudicação, cada juiz possui um título: Chair, Wing ou Trainee.
O Chair é o juiz principal que dirige o momento de deliberação, estabelecendo a ordem e o tempo de fala durante a tomada de decisões, e será o responsável por anunciar a Call com a devida justificativa do porque a mesa decidiu daquela forma. Tipicamente o Chair é um juiz com experiência e que compõe o CA Team do campeonato. O CA são os Chief Adjudicators, as pessoas que organizam as moções do campeonato.
O Wing é o competidor que se inscreve como juiz para o torneio. Ele será o juiz auxiliar que deverá apresentar sua visão do debate para o Chair a fim de convencê-lo do seu posicionamento. Caso o Wing não convença o Chair, ou esse Wing cede e apoia a decisão da maioria ou poderá haver um Split, duas Call para o mesmo debate em que o Chair dirá a decisão majoritária com as devidas justificativas e o Wing divergente deverá dizer e justificar o seu Split. Porém, a Call majoritária será a válida para pontuação em campeonatos.
O Trainee é aquele que não possui experiência como juiz, mas se inscreve como tal no torneio a fim de aprender a julgar um debate. Ele estará presente na mesa com o papel de colaborar para a decisão, mas sem o poder decisório sobre a Call.
Todos devem se esforçar para julgar o debate alheios aos seus posicionamentos pessoais, se atendo à análise das informações que foram trazidas durante as falas. O julgamento deve ser feito com bastante atenção aos argumentos trazidos uma vez que não só deverão apresentar um parecer fundamentando a Call como também estarão lutando por um lugar na final.
No debate competitivo não só os debatedores disputam, os juízes também devem demonstrar capacidade para poder chegar a julgar a final. A competição de juízes se dá dentro e fora da mesa. Dentro da mesa, o Chair avaliará seus Wings de acordo com a capacidade daquele juiz se prestar atenção nos argumentos e compreendê-los de maneira crítica atribuindo uma nota de 0 a 10 para cada Wing e fora da mesa os debatedores avaliarão a capacidade de fundamentação dos juízes concedendo uma nota de 0 a 10 para a mesa em nome do Chair e, em casos excepcionais de Split, uma nota para o Chair e outra para o Wing divergente.
Conforme o campeonato avance, os Wings vão alternando de mesas em cada rodada e ao final, e os Wings com maior pontuação poderá julgar a final junto com o CA. Toda organização sempre privilegia a capacidade de cada competidor.
Debatedores
O debate só é possível de ocorrer com a presença de oito oradores que se organizam em quatro duplas para serem dispostas aleatoriamente em quatro casas. Assim, é necessariamente uma prática de grupo.
Dentro do debate há duas bancadas, governo e oposição. O governo é o conjunto de debatedores que deverão argumentar em conformidade com o posicionamento da moção e a oposição é o conjunto de debatedores que deverão se opor à ideia da moção podendo inclusive propor uma ideia para substituir a ação da moção.
A moção sempre será um tema relevante que possua pelo menos dois pontos de vista conflitantes e possíveis de defender sem desrespeito à dignidade humana. O texto da moção fará um juízo de valor ou fará uma proposta de ação que então será o assunto do debate e sempre começará com “Esta Casa” fazendo menção à casa de governo dentro do parlamento, por isso os debatedores que simulam ser do governo devem concordar com ela porque simulam a posição de casa.
Por exemplo, “Esta Casa legalizaria o lobby político no Brasil”. Dentro dessa moção os debatedores de governo deverão demonstrar os motivos pelos quais a legalização do lobby seria benéfica a fim de convencer que legalizar essa prática é necessário. Enquanto os debatedores que representam a oposição deverão expor os malefícios do lobby e os impactos que justificam a continuidade do estado presente podendo inclusive sugerir o fomento a outro tipo de atuação política que seja mais benéfica do que o lobby.
As moções tratam de diferentes temas, diferentes perspectivas e assim podem ter diferentes tipos de argumentação. A moção pode oscilar desde temas sociais como “Esta Casa acredita que o movimento feminista deve apoiar a narrativa de que ‘ a beleza não importa’ sobre a narrativa de que ‘todos os corpos são belos’” ou temas políticos em que a casa pode inclusive se apresentar como um outro agente, por exemplo “Esta Casa, enquanto EUA, abandonaria a ambiguidade estratégica para oferecer apoio militar oficial a Taiwan.”.
De toda forma, os debatedores devem argumentar independentemente de seu posicionamento político e para tanto são dispostos nas bancadas de governo ou oposição antes mesmo de ser divulgada a moção. Dentro de cada bancada há duas casas, havendo
portanto as casas: Primeiro Governo, Segundo Governo, Primeira Oposição e Segunda Oposição.
As duplas de debatedores serão alocadas em cada casa de maneira aleatória e duplas da mesma bancada, embora deverão argumentar a favor de sua bancada para ganhar da bancada oposta, deverão ao mesmo tempo competir entre si e demonstrar como sua casa é melhor do que outras sem contradizer a casa de mesmo posicionamento.
Apenas depois dessa organização de casas é disponibilizada a moção. Após ser dada a moção cada dupla terá quinze minutos de Prep-Time. O Prep-Time é o tempo que as duplas possuem para pensar no caso que vão apresentar e em como vão apresentá-lo sem a possibilidade de pesquisa externa e devendo escolher entre si quem falará primeiro, qual debatedor de cada dupla irá exercer qual papel dentro de sua casa. Neste momento é evidenciado que o debate somente pode se dar entre estudantes que estejam cientes do mundo que os cerca, sejam capazes de trabalhar em equipe e possuam conhecimento sobre os temas que afligem a sociedade.
Encerrado o Prep-Time, começa de fato o debate.
A ordem de fala durante o debate condiz com o nome de cada casa, assim, primeiro as casas Primeiro Governo e Primeira Oposição discursam e depois as casas Segundo Governo e Segunda Oposição. Por isso, pode-se dizer que o debate possui duas metades, a primeira metade ou metade das casas altas, e a segunda metade ou metade das casas baixas.
Porém, mesmo com essa separação de ordem, o debate continua como um todo e assim os debatedores de todas as casas não podem repetir argumentos e devem sempre tentar antecipar as críticas de seus adversários. Um dos aspectos observados durante a adjudicação é o engajamento, a capacidade das duplas de estabelecerem argumentos que dialoguem com os argumentos contrários de todas as casas.
Além da ordem entre as casas, há uma ordem entre os oradores em prol da alternância de posicionamentos. Ou seja, o debate não ocorre de maneira que o governo exponha todos seus pontos para depois a oposição expor seus argumentos, o debate ocorre intercalando governo com oposição para poder ter de fato um embate de ideias e não meramente um desfile de posições.
Assim cada debatedor recebe um título que define a hora de sua fala. Nas primeiras casas, o Primeiro Governo é composto pelo Primeiro Ministro e pelo Adjunto do Governo, e a Primeira Oposição é composta pelo Líder da Oposição e pelo Adjunto da Oposição. Já nas segundas casas o Segundo Governo é formado pela Extensão do Governo e pelo Whip do Governo, e a Segunda Oposição é formada pela Extensão da Oposição e pelo Whip da Oposição.
A ordem de fala então é uma alternância entre oradores do governo e da oposição seguindo a ordem das casas que se dispõe da seguinte maneira: Primeiro Ministro; Líder da Oposição; Adjunto do Governo; Adjunto da Oposição; Extensão do Governo; Extensão da Oposição; Whip do Governo; Whip da Oposição.
Esses títulos não só favorecem o entendimento da ordem das falas como também contribuem para a impessoalidade do debate, uma vez que as críticas então se destinam ao Primeiro Ministro ou à Extensão da Oposição e nunca ao universitário que faz aquele papel deixando claro que o ambiente é de discussão acadêmica e não briga pessoal.
Ademais, cada orador, de acordo com o seu momento de fala e, portanto, com o seu título, possui um dever dentro do debate em prol de um debate claro e da compreensão de todos. Embora haja diversos detalhes que possam ser explorados, alinhando o momento da fala com as teorias da argumentação a fim de tornar aquele discurso mais convincente, há características básicas de cada título.
O Primeiro Ministro, por ser o primeiro a falar, tem o dever de estabelecer o rumo do debate, delineando o que de fato será discutido sobre a moção. O Líder da Oposição, o segundo a falar, poderá desafiar essa linha de pensamento do Primeiro Ministro, mas a
partir de então um dos lados deve ceder a fim de ter de fato um debate e não apenas devaneios desconexos.
Por exemplo, se a moção é “Esta Casa acredita que toda a regulamentação relativa a tabaco, álcool e drogas deveria ser criada exclusivamente por especialistas independentes dos órgãos governativos.” o Primeiro Ministro pode alegar que o debate foca no Brasil. Já o Líder da Oposição pode desafiar esse entendimento dizendo que o debate deve ser expandido para todos os países em desenvolvimento em prol do melhor entendimento dos impactos dessa proposta. Qual o entendimento deverá prevalecer somente pode ser definido com base nos argumentos de cada casa, mas o fato é que uma das casas deverá ceder para abranger o cenário de ambas e assim ter realmente um choque de argumentos dentro do mesmo imaginário.
O ideal é que o Primeiro Ministro e o Líder da Oposição, além de definirem o rumo do debate, já anunciem quais serão os tópicos de argumentação de suas casas e inclusive adentrem em pelo menos um deles. Mas a função de fortalecer o caso é dos Adjuntos.
Tanto o Adjunto da Oposição quanto o Adjunto do Governo possuem o papel de aprofundar os argumentos alegados pelos primeiros oradores e rebater os argumentos contrários trazidos pela casa oposta. Como ainda há duas casas após as falas dos Adjuntos, é possível que eles tragam argumentos novos em suas falas, argumentos que não foram alegados pelos primeiros oradores, para poder fortalecer seu caso já que ainda haverá espaço de debate para refletir sobre esses pontos.
Encerradas as falas dos Adjuntos, começa a segunda metade do debate com os discursos das Extensões. As Extensões deverão arcar com o cenário estabelecido pelas primeiras casas, no exemplo, respeitar a decisão do debate de abranger ou não todos os países em desenvolvimento, e construir um caso que seja diferente do caso da casa de sua mesma bancada.
Isto é, a Extensão, tanto do Governo quanto da Oposição, deverá em sua fala trazer todos os argumentos de sua casa e esses argumentos necessariamente se inserir no contexto do debate devendo se diferenciar dos argumentos das primeiras casas.
E após os discursos de Extensão há os últimos discursos do debate, os Whips. Como não tem espaço de debate depois desses discursos é vedado trazer qualquer argumento novo no discurso do Whip, por isso a Extensão tem a responsabilidade de argumentar o caso
todo em sua fala, o Whip pode no máximo aprofundar um argumento já dito para responder uma crítica feita.
Porém, o papel de Whip é principalmente analisar e criticar todo o debate feito como um tipo de julgamento parcial do que foi escutado. O Whip deverá comparar todos os casos e demonstrar como o caso da sua casa vence o debate.
Nesse debate, todos possuem o tempo igual de falas de sete minutos e tolerância de quinze segundos e apenas poderão ser interrompidos por debatedores da bancada oposta. Essas possíveis interrupções são chamadas de Point Of Information, vulgo, POI, apenas podem ser solicitadas por debatedores de bancada oposta ao debatedor orador entre o primeiro e o sexto minuto de fala. O POI pode ocorrer caso o debatedor em fala o permita e deve ter uma duração de cerca de quinze segundos, pois seu intuito é esclarecer um ponto do debate e não roubar o tempo do orador. Embora possa parecer arriscado, o POI é uma ótima forma de engajamento.
Nessa estrutura, todos os debatedores conseguem apresentar seus casos de forma concisa e envolvente. Uma verdadeira experiência de debate democrático.
Campeonatos
Há diversos campeonatos pelo mundo todo de debate universitário sendo geralmente classificados de acordo com sua abrangência, regional, nacional e internacional, e com sua temática.
A maioria dos campeonatos tendem a ter temáticas abertas com cada rodada explorando uma moção de teor diferente, geralmente englobando temas de política, relações internacionais,economia, filosofia e psicologia. Para os fluentes em língua portuguesa, há os torneios internacionais Campeonato Mundial de Língua Portuguesa e Campeonato Mundial Brasileiro em que geralmente há uma grande presença de brasileiros e portugueses.
E ainda para os poliglotas há os diversos campeonatos mundiais de outras línguas como o Campeonato Mundial de Debate Espanhol, em espanhol, ou o Heart of England, em inglês. E principalmente, há o World Universities Debating Championships – WUDC, o maior campeonato de debate universitário o qual se dá em inglês, mas separa a classificação entre debatedores cuja língua nativa é inglês, debatedores cujo inglês seja
segunda língua (English-as-a-second language – ESL) e debatedores cujo inglês seja uma língua estrangeira (English-as-a-foreign language – EFL).
No Brasil, diversos campeonatos nacionais são organizados pelas universidades com sociedades de debates ou pelo Instituto Brasileiro de Debates, uma associação de fomento ao debate universitário brasileiro. Para participar de campeonatos nacionais basta a vinculação à uma sociedade de debates, já para participar de campeonatos internacionais podem haver outras exigências como vínculo estudantil ativo na universidade da sociedade de debates que o estudante representa ou ainda a conquista de títulos nacionais anteriores à inscrição naquele torneio.
A organização dos campeonatos conta tipicamente com cinco rodadas abertas, uma semifinal, comumente chamada de Break devido a nomenclatura original, e uma final. São diversas salas com a organização do debate parlamento britânico disputando o torneio e as duplas de competidores que poderão avançar para a semifinal e final serão aqueles com maior pontuação.
A pontuação é dada de acordo com a posição na Call das duplas. O primeiro lugar ganha três pontos, o segundo lugar ganha dois pontos, o terceiro lugar ganha um ponto e o quarto lugar não pontua. À medida em que as rodadas acontecem, as duplas são dispostas em salas cujas pontuações sejam parecidas e então surge o apelido de salas altas para salas com duplas mais fortes e salas baixas para salas com duplas com menos pontos. Um detalhe importante: somente se caminha pelo campeonato em dupla.
No debate universitário competitivo se ganha ou perde em dupla. Embora os debatedores recebam os Speaker Points individualmente havendo uma classificação final individual dos debatedores, somente duplas ganham o campeonato. Portanto, é imperioso saber compreender e respeitar sua dupla para poder trabalhar em conjunto com ela.
Diversos campeonatos premiam as duplas vencedoras com prêmios em dinheiro, medalhas, troféus ou certificados. Os torneios internacionais deixam o registro dos ganhadores em seus sites e frequentemente os convidam para eventos acadêmicos, por exemplo, no site do WUDC é possível verificar os nomes das duplas e da instituição vencedoras de cada edição desde 1986, e seus vencedores sempre participam de eventos sobre argumentação e oratória ao redor do mundo.
Os campeonatos começaram com o intuito de incentivar a prática de debates entre os universitários e hoje são a forma de unir os povos em volta de problemas sociais importantes. Participar de um torneio é energizante, é uma experiência em que se forma laços de amizade por todos os cantos do mundo e se cria uma consciência social inigualável, é uma experiência universitária inesquecível.
E o que você está esperando para participar deste mundo dos debates? A Hermenêutica te convida a experienciar o debate universitário competitivo e te espera no próximo processo seletivo!