O Direito não é a Lei. Embora muitos possam crer que a imposição da Lei seja o exercício do Direito, se enganam, pois o Direito não se restringe a códigos, o Direito é uma busca pela emancipação do homem na medida em que se revela como uma luta pela liberdade.
Toda a construção histórica da humanidade escancara que o Direito não é dado fixo e sim o resultado de um processo que se desenvolve constantemente delimitando os protagonistas das leis e até os conceitos de ser humano. Pode-se observar, por exemplo, a história da constituição brasileira, a carta magna do Brasil, que em seu início priorizava a mandioca no lugar da maioria da população ao estabelecer um voto censitário que favorecia apenas donos de terras e permitia a escravidão de milhares, mas que agora se denomina constituição cidadã ao privilegiar a participação democrática.
Como pode a maior lei do país mudar tão drasticamente e, principalmente, o que a faz se transformar em seu oposto em menos de dois séculos? O Direito. Foi a luta pelo poder de decisão sobre o futuro do país, pelo reconhecimento como ser humano, pelo Direito que mudou a Lei. Essa busca ainda continua, pois, nenhuma lei é perfeita e muito menos sua aplicação, porém, ela tende a ser calada pelo linguajar jurídico.
A busca pelo Direito sempre será feita por aquele que sente a dor da lacuna da liberdade em sua vida e não por aquele que está confortável no sistema presente, ou seja, a busca pelo Direito não é uma iniciativa do Estado, é uma força do povo. Ciente disso, o Estado, que sabe o poder que uma nação tem para mudar até sua lei mais forte, constrói o muro mais alto entre a população e seu Direito: o linguajar jurídico.
Roland Barthes em 1977 já avisava que todos são escravos da língua, não porque ela impede de falar, mas porque ela obriga a dizer. Todos precisam da língua para expor seus pensamentos, mas ela faz parte de uma estrutura de poder que reflete imposições sociais e se torna objeto de submissão, de alienação dos considerados menos favorecidos intelectualmente.
No estudo das leis é evidente como o “juridiquês” é imposto e como torna a compreensão das estruturas legais algo inatingível para o conhecimento popular. Se torna impossível uma nação decidir por si mesma as soluções para os conflitos sociais, os rumos de sua sociedade, uma vez que não conseguem sequer entender quais são as ferramentas que estão a seu dispor para tomar tais decisões.
É dessa forma que a população se torna refém do Estado, alienada de seu espaço de poder e perdida no meio das disputas políticas que a elite trava todos os dias no plenário. Mesmo com a atual constituição dando protagonismo à participação cidadã, são poucos aqueles que conseguem expressar o que pensam sem estarem subordinados às estruturas de poder os oprimem.
Aqui jaz a importância do diálogo e da comunicação efetiva. A busca pelo Direito deve continuar, muitos problemas primordiais ainda permanecem sem solução eficaz, por exemplo, questões de vida e morte, como aborto e eutanásia; questões de igualdade, como gênero e identidade. Contudo, essa busca só será possível se essas questões forem compreendidas por aqueles que de fato possuem o poder para buscar soluções: o povo.
Cabe aos acadêmicos do direito, isto é, os constituintes do futuro do mundo das leis, compreenderem o seu papel de agente do Direito, de guia do povo para o Direito. Uma educação de qualidade é aquela que não se mantém à margem dos problemas que preocupam os seres humanos da época e aqueles que querem reger o Estado não podem se dar ao luxo de se edificar de maneira alienada.
Desde 1700 uma solução para educar com qualidade e trazer para dentro da sala de aula a chave da cela do “juridiquês” foi estruturada, surge o debate universitário. Os frutos de um debate com linguagem acessível sobre temas caros para todos os cidadãos são a construção de pessoas cientes de seu papel na sociedade e com a capacidade de procurar soluções, buscar o Direito.
Tamanha eficiência em democratizar a discussão a respeito de questões sociais latentes, a prática do debate se difundiu pelo globo a ponto de estimular competições acadêmicas mundiais em prol do embate de diferentes ideias sob todas as perspectivas. Infelizmente, países excolônias tipicamente não conhecem essa prática, no Brasil, o debate chegou apenas em 2010, porém, isso não diminui a necessidade que a prática do diálogo tem no contexto desses países, no contexto brasileiro.
É possível imaginar no Brasil uma sessão do plenário em que não haja menosprezo ou desrespeito? Ou um encontro de deputados que sejam capazes de terminar a fala sem ser interrompido até por xingamentos? Ou ainda uma sessão que conte com a presença de eleitores médios e que seus discursos sejam direcionados e compreendidos por eles?
Talvez seja ousado imaginar esses cenários, mas seria decepcionante não tentar alcançá-los. A prática do debate universitário é justamente o exercício para concretização desses cenários que se encontra aberta a todos e que expressa a busca pelo Direito.
_____________________________________________________________________________________________________________________________________
[1] Graduanda em Direito pela UnB, Fundadora da Hermenêutica – Sociedade de Debates da Universidade de Brasília, Coordenadora de Produção de Conteúdo da UnB 2030 e vencedora de duas edições consecutivas do Prêmio Destaque na premiação ESDRAS em Ensino Jurídico.