Por Ana Beatriz Almeida Moreno
Introdução
Ao Poder Judiciário é atribuído o dever fundamental de estabelecer em seu sistema aspectos que proporcione formas justas e equitativas, na garantia de que todos os cidadãos que acessem igualitariamente conforme assegura a Constituição Federal. No entanto, a persistência de desigualdades raciais, no contexto brasileiro, exige uma reflexão profunda sobre as práticas judiciais e a necessidade de implementar medidas que promovam a equidade racial nos processos decisórios.
Neste contexto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu o Protocolo de Julgamento com perspectiva Racial a fim de sanar desigualdades geracionais fulcradas pelo racismo histórico do judiciário no Brasil. Nesse sentido, tem-se a resolução nº 598/2024 CNJ, na qual estabelece diretrizes para adoção de Perspectiva Racial nos julgamentos em todos os ramos do Poder Judiciário.
À justiça do trabalho estão atribuídos pontos cruciais a alcançarem medidas de equiparação racial, para o presente artigo, tem-se objetivo de apresentar as medidas trazidas pelo Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do CNJ, reafirmando fundamentos constitucionais e abordando conceitos de racismo estrutural e interseccionalidade no contexto laboral e a importância da adoção de mecanismo como o trazido pelo protocolo para a garantia de práticas antirracistas.
Desenvolvimento
Para o do Direito do Trabalho o primeiro ponto de desigualdade no Brasil tem seu reconhecimento a partir do período colonial no contexto da escravidão. No qual, mesmo com a abolição formal com a Lei Áurea[1], em 1888, contínuo ao período pós-abolição, os efeitos duradouros não reparados da tomada da mão de obra da população negra ainda hoje influenciam a sociedade. O campo trabalhista encontrado nessas desigualdades estruturais restringem o exercício pleno da cidadania e a inserção socioeconômica de pessoas negras, evidenciados em discriminação salarial, dificuldades de acessos a empregos qualificados e condições de trabalho precarizadas.
Torna-se a esfera trabalhista uma ferramenta aliada de fiança da dignidade humana, ao estabelecer parâmetros mínimos a serem segurados em suas interseccionalidades, conforme disposição constitucional[2] e nas leis trabalhistas. Todavia, é ao compreender que para a aplicação das normas é necessário incluir com perspectiva racial, em decorrência da interpretação neutralizada da lei na qual pode vir assim a perpetuar discriminações e assim reforçar a sub representação e marginalização da população negra no ambiente laboral.
O compromisso instituído pelo Protocolo ratifica as convenções nacionais e internacionais as quais o Brasil é signatário[3] apresentando orientações para a comunidade jurídica trabalhista a atuarem de forma comprometida com a pauta racial na transformação e promoção de igualdade racial para todos, desde magistradas e magistrados, advogadas e advogados, procuradoras e procuradores são incluídos ao objetivo do protocolo de capacitar esses profissionais com letramento racial.
O IBGE[4] apontou a real condição da discriminação racial no mercados de trabalho, e enquanto um fator estruturante na qual produz desigualdades raciais e de gênero. Aos ambientes onde mesmo havendo regimento de normas para eliminação de desigualdades, populações negras e mulheres estão ainda sob desvantagens. Ao fenômeno histórico e social na qual a segregação ocupacional determinou a alguns grupos raciais específicos em determinadas profissões quanto disparidades hierárquicas e salariais.
A base estrutural para a segregação racial no mercado de trabalho, evidencia a concentração de trabalhadores(as) negros(as) em setores de com baixa remuneração e prestígio, sejam em serviços domésticos, construção civil ou indústrias de baixa tecnologia. Entretanto, empregos de remuneração elevada em condições melhores, como na área de tecnologia, finanças e dos quais necessitem de elevada qualificação e renda são preenchidos expressivamente por trabalhadores(as) brancos(as). Outro paradigma alarmado pela pesquisa, demonstra que pessoas brancas, mesmo quando possuem níveis de educação e experiências e qualificações similares.
O marcador de gênero torna as mulheres negras ainda mais marginalizadas, pois as mesmas estão entre os menores salários e ocupam cargos com poucas ou nenhumas oportunidades de ascensão. A precarização dos acessos a cargos se agrava frente a superveniência da maternidade, para a mulher negra o potencial fértil afetariam prioritariamente mulheres negras, pois a essa situação essa limita significativamente as chances de melhoria salarial e progressão na carreira, ocasionando não muitas vezes, após o retorno da liçença-maternidade, o desligamento repentino.
Outro marcador importante são as altas taxas de desemprego e a hiper-representação entre a população negra, nas quais revelam que para além da dificuldade de inserção no mercado de trabalho o viés de contratação ou dispensa discriminatórios não fundamentados por uma motivação, tornam os fatores de raça determinantes mesmo que de forma implícita.
Do mesmo modo o Protocolo traz o racismo recreativo como ponto a ser combatido pelos operadores do direito no ambiente laboral, uma vez que ofensas descritas enquanto “brincadeiras” ou piadas sobre características físicas ou estereótipos culturais de um(a) colega negro(a), banalizam e desumanizam aquele que é ofendido.
Microagressões raciais[5] disfarçadas de comentários inofensivos ou brincadeiras geram desgastes emocionais que revitimizam pessoas negras, e as colocam em constante questionamento sobre o pertencimento ao espaço que estão ocupando. O descrito racismo recreativo torna-se um ciclo de desvalorização do profissional negro entre impactos para a autoestima e capacidade produtiva daquele que sofre a agressão.
Muito embora os impactos demonstrados pelos marcadores de que as condições que levam grupos etnicamente vulnerabilizados estejam em argumentos contundentes e em processos judiciais que envolvam denúncias de injúria racial e racismo, o julgador com perspectiva racial deve garantir que as práticas racistas sejam reconhecidas e corrigidas.
O Protocolo recomenda que os magistrados e magistradas e os demais operadores do direito se atentem a implementação de políticas de equidade, educação permanente e lideranças comprometidas são ações essenciais que todos os ramos da justiça adotem para combater ao racismo estrutural e tornem as relações de trabalho no ambiente laboral antirracistas.
A promoção de harmonia laboral e um ambiente inclusivo e livre de discriminação racial está previsto nos arts. 156 e 157 da CLT, a descrição desses artigos estabelece que os ambiente de trabalho zelem por condições de trabalho seguras cumprindo as normas de saúde e segurança de trabalho. Por meio do respeito e da inclusão de trabalhadoras e trabalhadores, apoiados por políticas afirmativas e de saúde mental, fluxos de denúncia e acolhimento, e pela fiscalização das práticas antidiscriminatórias.
Conclusão
A identificação e a prevenção de atitudes discriminatórias permitindo o encaminhamento de soluções exige ações concretas, onde critérios claros e justos para admissão, promoção e dispensa desses trabalhadores. O Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial por si representa um avanço significativo para a conjuntura do direito do trabalho que tem seus princípios pautados em equidade e promoção de acesso ao pleno emprego.
Entretanto, para a implementação do protocolo é preciso ter consciência dos seus desafios estruturais, no qual haja um acompanhamento constante de todos os atores envolvidos nos processos desse sistema a garantir sua efetividade, onde as adaptações necessárias sejam cobradas para garantia de atendimento de demandas reais.
Ana Beatriz Almeida Moreno: Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador(a) no Programa de Educação Tutorial em Direito da Universidade de Brasília (PET Direito/UnB
[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim3353.htm
[2] Art. , III, https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso 02/12/2024
[3] Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, assinada pelo Brasil a 07/03/1966 (Decreto Legislativo nº 23, de 21/06/1967); Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, ratificada pelo Brasil, consoante o Decreto nº 10.932, de 10/01/2022l; Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à Discriminação em matéria de Emprego e Ocupação, ratificada e promulgada pelo Brasil (Decreto nº10.088/2019, art. 2º, XXVIII); e Declaração de Durban a respeito do Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância.
[4] IBGE. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. Estudos e Pesquisas – Informação Demográfica e Socioeconômica, n.41 Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf. Acesso em: 03/12/2024.
[5] 201 VAZ, Lívia Sant’Anna. Cotas Raciais. São Paulo: Jandaíra, 2022.p. 45.