Jogos virtuais de RPG no ensino jurídico: conceitos fundamentais no direito

por Submissões Independentes

João Gabriel Montini Rossi[*]

1 INTRODUÇÃO

Os jogos eletrônicos são debatidos no mundo todo, principalmente por causa da recorrente polêmica da sua possível maleficência – colocados como um prejuízo para jovens estudantes acadêmicos e crianças e adolescentes em idade escolar. Este artigo tenta contra-argumentar o esse posicionamento, trazendo o ideal de valorização dos Games (com a utilização da nomenclatura em inglês por conta da maioria das terminologias que envolve esse universo digital ser também nessa língua), pontuando, inclusive, o potencial educativo dessas plataformas interativas no ensino do Direito, usando como modelo base a categoria RPG’s.

Algumas pesquisas já apontam a importância de Gamificar (transformar em uma dinâmica interativa e participativa) a didática educacional: Carota (2023) elenca jogos de respostas e perguntas (que diferem nas suas etapas procedimentais), como Show do Passa e Repassa, UFC Jurídico, Palavras Cruzadas Jurídicas, Caça-Palavras Jurídico, Kahoot, entre outros. Todavia, a partir deste texto, visa-se ampliar esse campo científico: será que jogos semelhantes ao The Elder Scrolls ou ao Assassin’s Creed podem ser benéficos para o estudo do Direito, como uma medida comparativa entre a ficção e realidade?

2.1 CONTEXTUALIZANDO A NOÇÃO DE RPG

A respeito dos RPG’s, é preciso categorizá-los antes de encaixá-los num uso didático. A sigla (Role-Playing Games) significa “jogos de interpretação de papéis”, que em seu sentido mais clássico (baseado na versão original de papel, caneta, lápis, dados e demais recursos desse tipo) – empregado na franquia The Elder Scrolls – envolve a escolha de personagens protagonistas jogáveis, os quais possuem classes e interagem com seres secundários ou antagonistas. Braga et al. (2024) declara que a utilização dos RPG’s aproxima as narrativas que são distantes do que os alunos em começo de formação na academia vivenciam com aquelas que fazem parte de seus cotidianos.

Além dessa forma clássica de RPG, destaca-se aquelas que contam a história de um personagem principal e de seu enredo, principalmente dentro de um espaço e período histórico. O exemplo de Assassin’s Creed é o mais emblemático dentre os mais famosos. Conta sobre épocas – como o Egito Antigo – e destaca a trajetória de protagonistas, esquecidos ou não pelo tempo.

Percebe-se que os dois casos diferem na liberdade de construção de enredo por parte do jogador. A primeira categoria citada de RPG’s possibilita moldar uma história única, com diversos graus de hierarquia, consequências e princípios, em que o protagonista busca a sua melhor existência na realidade. Já o outro tipo visa recontar a história de uma maneira interativa, mostrando para os usuários como foi aquela época – de forma adaptada.

Notam-se conceitos únicos neste tipo de jogo: hierarquia (nem sempre presente), consequências e princípios. Esses tópicos serão abordados neste artigo, mostrando a presença deles nos RPG’s.

2.2 COMPARAÇÃO COM O DIREITO E USO NO ENSINO

A questão das consequências dos atos praticados em RPG’s é marcante, principalmente naqueles que permitem mais escolhas. No Direito não é diferente: o autor Miguel Reale (2002) aponta que em normas de conduta “se F (fato) é, deve ser P (prestação)” ou “se F não for P, deverá ser S (sanção)”. Percebe-se, em síntese, que as escolhas e medidas realizadas conforme os fatos e atitudes marcam o futuro e as determinações posteriores.

Quando o protagonista se junta a uma Facção no The Elder Scrolls V: Skyrim (neste jogo seriam grupos de pessoas com objetivos comuns, realizando diversas missões quase sempre ilegais), por exemplo, e opta por decisões que comprometem a ordem social, o enredo se transforma e punições podem ocorrer. Apesar da ausência de um sistema jurídico como o existente no Brasil atualmente (o cenário do Game assemelha-se mais a uma Europa Medieval), percebe-se o impacto dos fatos, em relação às normas e aos valores. Vale frisar que os valores variam no tempo e no espaço, algo visível também em cenários fictícios como os do jogo citado: o fundamental não é banalizar pelo fato de não ser real, mas entendê-lo como uma sociedade que poderia ter existido e se assemelha a outras que outrora reinavam.

Quando se analisam os outros The Elder Scrolls, percebem-se até mesmo uma hierarquização e uma estratificação social dentro das facções, típico de reinos feudais e do início da Modernidade. Em termos de História do Direito, as outras sagas podem ser ainda mais enriquecedoras.

Dentro dessa mesma ideia de consequências, encontra-se um cenário mais restrito em termos de possibilidades em jogos como Assassin’s Creed. Com uma narrativa histórica com traços reais e fictícios, seria incoerente alterar descontroladamente acontecimentos passados. Porém, a própria recriação fictícia e, às vezes, mitológica do tempo ilustra tanto os ocorridos quanto o imaginário coletivo. Essa síntese, do ilusório e do fato, inspira o povo a inovar – e deste processo muito tem a estudar o historiador jurídico.

Outro aspecto que se correlaciona com os RPG’s são os valores. Segundo Reale (2002), a justiça seria a condicionante de todos os valores jurídicos, sendo um fundamento do ser. A dúvida de muitos seria: os jogos possuem princípios e condicionantes morais?

Um iniciante em Skyrim começa a sua jornada sabendo pouco, mas vai entendendo a dinâmica com o tempo. Muitas vezes, acaba recolhendo objetos de uma propriedade sem saber do resultado: é considerado furto, e os habitantes da aldeia (ou apenas os moradores do domicílio) irão atrás dele. Percebe-se uma justiça arcaica, mas que possui princípios máximos como o da propriedade. Assim como, se alguém ferir um membro da comunidade, será atacado pelos outros. Muito próximo de pequenos feudos da Europa Medieval, até mesmo possuindo líderes – os quais podem ser comparados aos senhores feudais.

Em uma primeira análise, percebe-se que os valores acompanham a humanidade há muito tempo. E o direito passou a incorporar certos princípios como mecanismos de normatização. Aliás, existem ainda RPG’s futuristas, como Cyberpunk 2077, que trazem mais semelhanças com a atualidade – mesmo que marcados por uma distopia.

Nota-se que mesmo com abismos temporais e espaciais entre os jogos citados e a realidade, traçam-se semelhanças marcantes. Desse modo, RPG’s com cenários e temporalidades menos ilusórias podem ser, de outro modo, também frutíferos para o ensino jurídico. O mercado de jogos segue crescendo e futuros enredos menos abstratos podem chegar também.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O uso apropriado desta ferramenta por estudantes e operadores do Direito evidencia que toda ação traz efeitos. Um teste interessante no Ensino Jurídico seria evidenciar quais seriam as decisões dos estudantes – verificando a moralidade envolvida – e pensar como a liberdade de agir desmedida pode ser perigosa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAGA, E.E. et al. A História Interpretada: considerações sobre o RPG e o ensino de história. Cadernos de InterPesquisas, Curitiba, v.2, p.136-153, 2024. DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.10802520. Acesso em: 30/01/2025.

CAROTA, José Carlos. Jogos Acadêmicos: a gamificação do ensino. Revista Jurídica OAB Tatuapé, Tatuapé, v.2, n.1, p.1 a 14, 2023. Disponível em: https://revista.oabtatuape.org.br/index.php/revista/issue/view/3.  Acesso em: 30/01/2025.

REALE, Miguel. Lições Preliminares do Direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

[*] João Gabriel Montini Rossi é estudante de Graduação do 3º semestre do curso de Direito Matutino da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e bolsista PAB do Projeto de Formação Complementar Direito e Tecnologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL).  O e-mail para contato é: joao.gabriel.montini.rossi@uel.br

 

você pode gostar

Deixe um comentário

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Vamos supor que você está de acordo com isso, mas você pode optar por não participar, se desejar. Aceitar

Privacy & Cookies Policy