A Resolução nº 487 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece diretrizes cruciais para a incorporação de uma abordagem antimanicomial no Poder Judiciário, especialmente em situações que envolvem indivíduos apresentados em audiências de custódia com indícios de transtornos mentais ou deficiência psicossocial. Essa normativa busca conjugar a proteção dos direitos fundamentais com um acolhimento que respeite a dignidade e promova a inclusão social.
Segue a análise das principais diretrizes previstas pela Resolução.
- Encaminhamento para Acolhimento Voluntário na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)
Identificada a presença de transtorno mental ou deficiência psicossocial, o magistrado deve priorizar o encaminhamento do indivíduo à RAPS para acolhimento voluntário. A RAPS compreende estruturas como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência e Cultura, entre outros serviços especializados.
- Direito a Acompanhante de Confiança na Audiência de Custódia
O indivíduo apresentado em audiência de custódia pode indicar um acompanhante de confiança para estar presente, garantindo suporte emocional e maior compreensão do processo.
- Atendimento de Emergência em Situações de Sofrimento Mental Agudo
Nos casos em que o indivíduo não possa participar da audiência devido à gravidade do sofrimento mental, a Resolução orienta que o juiz acione serviços especializados para intervenção imediata.
Assim, uma pessoa em crise psicótica, por exemplo, é submetida a cuidados médicos antes do prosseguimento da audiência, garantindo a estabilidade necessária para o devido processo.
- Realização de Audiência no Local de Tratamento ou Após Restabelecimento
Na hipótese de a equipe médica não conceder alta para a realização da audiência de custódia, haverá duas possibilidades: i) o ato poderá ser realizado onde a pessoa estiver em tratamento; ii) quando houver a impossibilidade da alternativa anterior, a audiência de custódia será realizada logo após o reestabelecimento da saúde ou das condições para poder se apresentar.
- Medidas Cautelares Compatíveis com a Saúde Mental
Se a autoridade judicial optar por não relaxar a prisão, será considerada a necessidade de aplicação de uma possível medida cautelar, sempre tendo em vista a condição de saúde da pessoa apresentada.
Nos casos de imposição de medidas cautelares, estas devem ser adequadas às condições de saúde da pessoa. A utilização de mecanismos que possam agravar o quadro ou imponha obstáculos ao prosseguimento do tratamento de saúde da pessoa apresentada, como tornozeleiras eletrônicas, deve ser evitada.
- Consideração de Vulnerabilidades Interseccionais
A autoridade judicial deverá observar as condições de vulnerabilidades outras que não só o transtorno mental, considerando a interseccionalidade na imposição das medidas em conformidade com cada contexto social.
A Resolução enfatiza a análise de fatores de vulnerabilidade, como gênero, cor, orientação sexual, condição de rua ou situação migratória, para garantir um tratamento mais equânime e inclusivo.
- Direitos Vinculados à Prisão Domiciliar e Atendimento pela RAPS
Quando a prisão domiciliar é aplicada devido a condições graves de saúde (art. 318, II, CPP), o indivíduo tem direito ao acompanhamento pela RAPS e participação em programas que ampliem a sua autonomia.
Considerações Finais
A Resolução nº 487 do CNJ representa um marco na promoção de um sistema judicial inclusivo e comprometido com os princípios da dignidade humana e da saúde mental. Sua implementação efetiva exige não apenas a capacitação dos operadores do Direito, mas também o fortalecimento da RAPS e de políticas que assegurem os direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade.
Referências
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n. 487, de 15 de fevereiro de 2023. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/original2015232023022863fe60db44835.pdf>. Acesso em 13 dez 2024.
Coluna “Direitos Humanos no Cárcere”: Texto 9
Autor: Professor na pós-graduação em Ciências Criminais na Universidade Candido Mendes. Autor da coluna Direitos Humanos no Cárcere – Portal Jurídico dos Estudantes de Direito (UnB). Especialista em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS. Graduado em Direito pela PUC-Rio.