Por Júlia Taquary¹
O debate é praticado em todas as culturas como meio de encontrar soluções para os diversos conflitos sociais, mas foi estruturado como uma prática acadêmica em Londres no início do século XVIII e inaugurou competições mundiais em meados de XIX.
Documentos indicam que a ideia se iniciou no século XVII com o clérigo John Henley que visava criar um espaço mais adequado para as discussões políticas que assolavam as ruas de Londres. Assim, elaborou um local com dois palcos e um espaço para plateia, onde duas pessoas com concepções políticas opostas poderiam expor suas ideias de maneira organizada para o público.
Esse espaço foi um sucesso, contou com a participação de centenas de pessoas e logo foi notado pelas universidades de Cambridge e Oxford, instituições que no início de 1800 decidiram implementar o mesmo espaço dentro da faculdade estruturando o ambiente de uma forma mais detalhada, mas mantendo o enfoque em temas sociais relevantes. Nasce o debate universitário como prática acadêmica, nascem as sociedades de debate.
Esse debate agora vai além de dois palcos, ele se assemelha à configuração do parlamento britânico e estipula o tema, o tempo de fala e a posição do debate que cada orador. Além disso, preza pela compreensão popular dos discursos feitos inclusive estabelecendo pontuação para a qualidade do discurso privilegiando os argumentos trazidos.
A atual estrutura do debate conta com oito oradores e uma mesa de adjudicação formada tipicamente por três juízes. Antes de sequer ser dado o tema do debate, isto é, a moção, os oradores são distribuídos em quatro duplas e já se estabelece o posicionamento que os oradores deverão defender a respeito do tema, formando duas duplas a favor do tema e duas duplas contra, a fim de discursarem independentemente de suas convicções pessoais.
Ainda no momento de preparação do debate, é definido a ordem de fala dessas duplas de modo que sempre haja uma alternância de posicionamentos sobre a moção, a favor e contra, alternando entre os oradores de cada dupla. Para facilitar a identificação da ordem de fala, cada dupla e cada orador recebe o nome de um cargo que simula o parlamento britânico e organiza o debate.
Organizadas as posições, a mesa de adjudicação libera a moção a ser debatida, um tema político-jurídico-social relevante que embora tenha diversos pontos de vista polêmicos, respeita os Direitos Humanos a fim de ter uma base digna para o debate. Após a ciência do tema, as duplas terão quinze minutos para formular todos os argumentos que possam defender o posicionamento que lhes incumbe e para delimitar a estratégia da dupla a fim de superar os argumentos contrários.
Encerrado os quinze minutos, cada orador terá sete minutos de fala podendo ser interrompido por um orador de posicionamento contrário apenas se ele permitir algum esclarecimento rápido.
O objetivo das duplas é convencer a mesa de adjudicação que o seu caso foi o melhor do debate.
A mesa de juízes exercerá o papel do eleitor médio, isto é, deverá refletir o conhecimento médio da população, alheia a suas predisposições pessoais, a fim de julgar se o caso apresentado por cada dupla é capaz de ser compreensível e convincente. Após a deliberação, a mesa deverá exercer o dever de fundamentação e apresentar os resultados com as devidas justificativas.
Felizmente, diversos estudos de argumentação e oratória já foram realizados e compilados em tabelas de pontuação e julgamento que auxiliam os juízes a reconhecerem os pontos fortes e fracos em cada fala. Porém, ao final do debate o resultado é sempre o mesmo: acadêmicos surpresos com o grau de reflexões que foram capazes de fazer sobre temas que antes sequer tiveram a oportunidade de debate com tamanha harmonia e acima de tudo, estudantes entusiasmados com o futuro que os aguarda.
Outras universidades perceberam o potencial educativo da prática e a implementaram em seus espaços também conquistando toda a Europa em pouco tempo e se alastrando para outros continentes. Em 1981 é possível realizar o World Universities Debating Championship – WUDC, um campeonato mundial de debate universitário que suscita a reflexão sobre questões político-jurídico-sociais de todas as nações.
Atualmente, diversas universidades investem em suas sociedades de debates, por exemplo Harvard (EUA), Universidade de Coimbra (Portugal), Universidade de Sydney (Austrália), Universidade Humboldt de Berlim (Alemanha), Universidade de Zagreb (Croácia). E diversas figuras de destaque tiveram sua educação pautada em debate universitário, entre elas Nelson Mandela, Oprah e Margaret Thatcher.
No Brasil, o debate universitário foi inaugurado em 2010 na Universidade Federal do Ceará e se tornou um fenômeno desde então, alcançando a Universidade de Brasília em 2021 com a criação da Hermenêutica. Embora os debatedores brasileiros tenham entrado em cena há pouco tempo, diversas sociedades brasileiras já conquistaram prestígio no cenário internacional do debate carregando inclusive títulos de finalistas do WUDC e de melhores debatedores de língua portuguesa.
O debate e todo seu contexto internacional está de portas abertas e os brasileiros estão preparados para dominá-lo.
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[1] Graduanda em Direito pela UnB, Fundadora da Hermenêutica – Sociedade de Debates da Universidade de Brasília, Coordenadora de Produção de Conteúdo da UnB 2030 e vencedora de duas edições consecutivas do Prêmio Destaque na premiação ESDRAS em Ensino Jurídico.
[2] A imagem é destaque é uma reprodução da obra Debate between Martin Luther and Johann Eck, de autoria do pintor alemão Julius Hübner.