Olá! Nesta série, apresentamos debates no modelo parlamento britânico de que
participamos na Hermenêutica – Sociedade de Debates da UnB. Nesse formato há duas duplas de
Governo, que devem apresentar argumentos para apoiar a moção (proposição tema do debate), e
duas duplas de oposição, que argumentam em sentido contrário. Aqui apresentamos as teses e os
argumentos de cada lado.
Antes de expormos os argumentos, é necessário se entender o que estamos debatendo.
Quando o verbo principal de uma moção é o “lamenta”, que significa que não gostamos que tal
coisa venha ocorrendo, precisamos pensar em dois cenários: o em que tenha existido o que está
descrito na moção, e o em que não tenha existido. Além disso, é preciso atentar que não foi a
única corrente, mas predominou, bem como que essa predominância se deu na construção do
pensamento ocidental . Ou seja, estamos tratando da influência dessa corrente no decorrer da
história ocidental e que persistem até hoje. Para nós, neste debate, o que importa é quem mostra
uma diferença positiva de impactos maior em relação à diferença de impactos trazida pelo lado
adversário.
Perfeição e absoluto. Platão e seus seguidores acreditavam na existência deles. Existiria
um mundo das ideias, que seria o verdadeiro mundo (impossível de ser percebido por completo),
e o mundo percebido, aquilo que se limita ao que conseguimos apreender com os sentidos. Para
eles, devemos fugir desse mundo dos sentidos, nos desprendermos dessas correntes e conhecer o
mundo lá fora, ou seja, sermos o mais racionais possível (“glorificação da razão”). Existiram
diversas correntes filosóficas que se opuseram a essa ideia, como os Sofistas, os Céticos, e os
Existencialistas, que tinham em comum a ideia de ser impossível alcançar conhecimento seguro e
absoluto ou de sequer existirem “ideias inatas”. Para elas, é o velho caso de “a verdade é
relativa”.
Em suma, então, o novo cenário, proposto pela moção e defendido pelo Governo, é
composto por uma maior predominância da compreensão (no pensamento Ocidental) de que a
verdade é relativa ou impossível de alcançar. É importante esclarecer adiantadamente que não é
estrategicamente interessante, para nenhum lado, discutir se, de fato, existe uma verdade una ou
se ela é relativa, dado que é uma discussão profunda que exige mais espaço de debate do que o
disponível nestas linhas.
Fato é que, uma vez que existem mais pessoas acreditando que existe uma verdade
absoluta, mais pessoas buscarão essa verdade e existirão aqueles que entendem que a sua
conclusão é a única válida. Não à toa, a título de exemplo, muitas religiões ou Igrejas dependem
de invalidar as demais, defendendo com convicção de que são “a verdade”, enquanto as outras
estão erradas. Isso não ocorre só no âmbito das religiões, mas de ideologias, política, culturas,
ciências, e muitos outros. Em todos esses âmbitos sempre existem líderes, que propagam que a
sua concepção é a melhor dentre todas as existentes (afinal, do contrário, eles não defenderiam
isso caso assim pensassem, e sim iriam seguir outro líder).
Dentre esses indivíduos com poder perante outros e que acreditavam defender a (única)
verdade estão Pôncio Pilatos, Benito Mussolini, Joseph Stalin, Augusto Pinochet, Saddam
Hussein, etc. Esses líderes só chegaram na posição de liderança porque possuem atributos
incomuns de retórica e propaganda que os levam a angariar muitos seguidores (que vão dos
moderados aos radicais – o que é o caso de muitos). Ou seja, esses nomes acabam influenciando
outros a compartilharem das suas ideias. O problema disso é que, se entendem que a sua ideia é a
única válida, se distanciam dos grupos que chegam a outras conclusões, gerando preconceitos e
acontecimentos muitas vezes trágicos, como foi o caso da Santa Inquisição, da colonização
europeia, do nazismo, da Primeira Guerra Mundial, etc. Dessa forma, a cultura e o estilo de vida
dos “tadinhos” dos indígenas não importava aos jesuítas, porque Deus havia dito que eles
estavam vivendo errado, e que assim só viviam por serem ignorantes, menos evoluídos.
Obviamente, isso ainda ocorre no cenário de governo, uma vez que ainda haverá pessoas
acreditando na verdade absoluta, mas haverá muito menos pessoas concordando, ratificando e
incentivando tal entendimento, gerando menos preconceito entre os grupos. É dizer que, do lado
contrário (o de Governo), sem a corrente platônica, teríamos menos visões preconceituosas e
menos arrogância intelectual e cultural, pois teríamos uma tendência maior a ver a perspectiva do
próximo como igualmente válida já que não estamos buscando o que é mais correto, mas só como
conseguimos viver uma vida mais feliz ao nosso próprio modo.
Por outro lado, a partir do momento que escolhemos a existência de uma verdade absoluta
a partir da glorificação da razão e passamos a buscá-la (cenário de Oposição), concorda-se que o
método que utilizamos para tal é a reflexão profunda e a crítica mais radical. Quando temos uma
posição mais crítica sobre os fatos e refletimos mais sobre o que está posto na nossa frente,
conseguimos selecionar com mais eficácia o que nos vale o que não nos vale. Embora o senso
crítico e a reflexão ainda existam no cenário de governo, serão menos incentivados, pois as
pessoas terão menos disposição em criticar algo, tendo em vista que partem do pressuposto de
que “a verdade é relativa, então aquela compreensão é igualmente válida à minha”.
Esse efeito será encontrado principalmente na filosofia, nas religiões, etc., mas também
acontecerá por exemplo na política. Existe uma célebre frase que é a de que “intolerância se
combate com intolerância”, o que serve justamente para combater ideias ruins. O contrário disso,
o que seria o cenário de Governo e de certa forma razoável, pois até atualmente muitas pessoas
acreditam nisto, seria um posicionamento liberal das pessoas, aceitando de forma absoluta (ou
mais próxima do absoluto do que Oposição) ideias bastante duvidosas, como foi o caso do
Monark defendendo o direito dos nazistas exporem suas ideias, independentemente de serem
repudiáveis.
Portanto, quando cremos existir uma verdade absoluta e temos mais reflexão e senso
crítico ativamente cultivados por uma gama maior de pessoas, haverá menos espaço para a
tolerância de políticas imorais e preconceituosas. E é por esse principal motivo que a Oposição
agradece a influência da corrente platônica na construção do pensamento Ocidental.
Perceba-se que tanto governo quanto oposição tentaram provar o mesmo ponto: que em
seu cenário haveria menos lesão aos direitos humanos por motivos de preconceito ou
semelhantes. Isso é algo corriqueiro nos debates, e cabe ao auditório decidir qual explicação é
mais provável de acontecer na realidade, ou, se ambas acontecerem, qual acontece em maior
grau, ou seja, é melhor em alcançar os efeitos prometidos ao se adotar sua proposta.
Bruno da Silveira Alves é graduando em Direito no 8º semestre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Com forte interesse em argumentação e retórica, integra a Diretoria de Módulos da Hermenêutica. Dedicado ao pensamento crítico, busca promover ideias que contribuam para a evolução da sociedade.