Projeto Cravinas: estratégias de uma clínica jurídica para a garantia de direitos sexuais e reprodutivos

Por: Cravinas

Em 28 de setembro, é celebrado o Dia Latinoamericano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto. A data, instituída em 1990, é um marco para a mobilização feminista em defesa do direito das mulheres e das meninas de tomar decisões sobre seus próprios corpos e de receber atenção digna nos serviços de saúde. 

Mais do que um dia específico, porém, a luta por direitos sexuais e reprodutivos demanda uma movimentação diuturna. Este trabalho, cotidiano e incansável, pode se dar de muitas formas, a exemplo de manifestações de rua; de pressões políticas sobre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; de campanhas de mobilização em redes sociais; e do litígio judicial estratégico. A essas diferentes formas de exercer pressão a partir da articulação de demandas da sociedade civil, costuma-se chamar incidência política.

De modo a tentar absorver demandas públicas de reivindicação de direitos dentro das práticas de ensino em direito, começaram a ganhar força, nos anos 1960 e 1970, as clínicas de direitos humanos [1]. Longe de se limitar ao litígio, incidental ou estratégico, e aos papéis tradicionalmente associados à advocacia, tais clínicas têm o intuito de ampliar os horizontes de reflexão e de atuação dos acadêmicos e demais profissionais do campo jurídico a partir da experiência dos movimentos sociais.  Mais recentemente, foi observada a necessidade de construção de um trabalho interdisciplinar, com a participação de estudantes de diferentes áreas.

Dessa forma, o trabalho de uma clínica jurídica de direitos humanos vai muito além do Poder Judiciário, procurando atender da melhor maneira possível as demandas da comunidade por meio de diversas formas de incidência. Neste sentido, se as constantes mudanças nos campos social e político suscitam novas problemáticas a cada dia, as estratégias adotadas pelas clínicas para lidar com essas questões devem também estar em adaptação. 

É o caso do projeto de extensão e clínica jurídica Cravinas – Prática em Direitos Humanos e Direitos Sexuais e Reprodutivos, da Universidade de Brasília (UnB). Fundado em 2019, sob orientação dos professores Debora Diniz e Juliano Zaiden e coordenação de estudantes da graduação e da pós, o Cravinas nasceu como resposta à constatação de que o Brasil tem sido cenário de sistemáticas violações associadas ao gênero e aos corpos de meninas e mulheres. Seguindo uma metodologia interdisciplinar de atuação, atualmente o Cravinas reúne estudantes de direito, sociologia, antropologia, filosofia, serviço social e ciência política, além de advogadas e antropólogas.

Sendo, portanto, projeto de extensão, o Cravinas procura tecer uma relação direta entre a universidade e a comunidade em que se insere. Na tentativa constante de garantir o acesso à informação acerca dos direitos sexuais e reprodutivos por parte das populações vitimadas pela violência de gênero, o projeto busca ampará-las, individual ou coletivamente, na luta para obter os direitos que lhes são negados em razão de políticas que perpetuam desigualdades e violações nos mais diversos aspectos.

Essas violações não dizem respeito apenas ao direito ao aborto seguro, pelo qual batalhamos neste dia 28, mas compreendem um amplo conjunto de violências, que passam pela ausência ou negação de serviços básicos de saúde, pela dificuldade de acesso à informação e ao sistema de justiça e pela perpetuação de desigualdades de gênero.

Em uma situação de pandemia, esse quadro tende a se agravar. Desde que foi declarada emergência em saúde pública por Covid-19 no Brasil, em fevereiro de 2020, cresceram os relatos de dificuldade de acesso a contraceptivos [2], a consultas e exames de pré-natal [3] e a serviços de aborto legal [4]. A obtenção de informações atualizadas e seguras também se mostrou um desafio, o que pode afastar mulheres e meninas dos sistemas de saúde e de proteção de direitos. 

Enquanto clínica de direitos humanos, e, sobretudo, clínica de direitos sexuais e reprodutivos, o Cravinas tem atuado na busca de soluções para esse tipo de problema, comprometido com uma perspectiva de justiça social e de justiça reprodutiva. No âmbito judicial, destaca-se o trabalho junto a famílias afetadas pela a síndrome congênita do vírus zika — tanto por meio da propositura de ações individuais quanto por meio do ingresso em ações que tramitam no STF enquanto amicus curiae — e a intervenção em casos de ataques a direitos sexuais e reprodutivos, exemplificada pela representação proposta ao Ministério Público em face de atos criminosos cometidos por extremistas contra uma menina de 10 anos, vítima de abuso sexual, e contra a equipe médica que a assistiu durante o procedimento de aborto legal [5]. 

Fora da esfera judicial, também foi iniciativa da clínica o “Eu Cuido, Eu Decido”, canal de Whatsapp que, além de funcionar como observatório de políticas públicas em direitos sexuais e reprodutivos, é uma central de informações simples e acessíveis sobre prevenção de gravidez e métodos contraceptivos; orientações para gestantes em tempos de Covid-19; formas de denunciar violência obstétrica, sexual e doméstica; e acesso ao aborto legal [6].

Por fim, o Cravinas também tem buscado instigar os debates acadêmicos a respeito dos direitos sexuais e reprodutivos através de seus Encontros de Estudos, que, desde setembro de 2020, têm acontecido de forma aberta e remota, mobilizando estudantes e profissionais de diferentes instituições do Brasil e da América Latina.

Embora a justiça reprodutiva ainda seja um horizonte distante, é através destes pequenos passos que escolhemos caminhar. E não estamos sozinhas.


Para conhecer mais sobre o trabalho do projeto, acesse nossas redes sociais:

  • Instagram: @projetocravinas
  • Twitter: @projetocravinas

Projeto Cravinas – Prática em direitos humanos e direitos sexuais e reprodutivos – Projeto de extensão e clínica jurídica da FD/UnB, cujo objetivo principal é formar estudantes para a defesa de direitos humanos, em especial dos direitos sexuais e reprodutivos. O Cravinas atua com estratégias afirmativas e responsivas, contenciosas e não-contenciosas, em face de práticas, leis e políticas que negam ou restringem o exercício desses direitos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

[1] CAVALLARO, James L.; ELIZONDO GARCÍA, Fernando. ¿Cómo establecer una Clínica de Derechos Humanos? Lecciones de los prejuicios y errores colectivos en las Américas. Justicia Constitucional, v. 6, 2011. Disponível em: https://law.stanford.edu/publications/como-establecer-una-clinica-de-derechos-humanos-lecciones-de-los-prejuicios-y-errores-colectivos-en-las-americas/. Acesso em: 02 set. 2020.

[2] SILVA, Vitória Régia; FERREIRA, Letícia; LARA, Bruna de. Pandemia dificulta acesso a contraceptivos no sistema de saúde. Gênero e Número. 20 abr. 2020. Disponível em:  http://www.generonumero.media/pandemia-dificulta-acesso-contraceptivos-no-sistema-de-saude/. Acesso em: 10 set. 2020. 

[3] RIBEIRO, Tayguara. Mulheres grávidas encontram dificuldades para realizar pré-natal em SP. Folha de São Paulo. 8 abr. 2020. Disponível em: https://agora.folha.uol.com.br/sao-paulo/2020/04/mulheres-gravidas-encontram-dificuldades-para-realizar-pre-natal-em-sp.shtml. Acesso em: 10 set. 2020.

[4] SILVA, Vitória Régia; FERREIRA, Letícia. Só 55% dos hospitais que faziam aborto legal seguem atentedendo na pandemia. Revista AzMina.2 jun. 2020. Disponível em: https://azmina.com.br/reportagens/so-55-dos-hospitais-que-faziam-aborto-legal-seguem-atendendo-na-pandemia/. Acesso em: 10 set. 2020

[5] Sobre a representação no Ministério Público contra os ataques de extremistas aos direitos sexuais e reprodutivos, ler: https://projetocravinas.wordpress.com/2020/08/19/nao-ao-ataque-contra-a-menina-de-10-anos-e-profissionais-de-saude/. Acesso em: 18 set. 2020.

[6] Para mais informações a respeito do Canal Eu Cuido, Eu Decido, vide: https://projetocravinas.wordpress.com/2020/07/01/lancamento-do-canal-informativo-eu-cuido-eu-decido/

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