Arbitragem em dissídios trabalhistas individuais

por Submissões Independentes

Escrito por Luís Eduardo Barreto Fonseca Tostes Ribeiro [*]

 

1. DO ARTIGO 407-A DA CLT

A arbitragem é uma forma heterocompositiva de resolução de conflitos na qual, de modo similar à jurisdição estatal, as partes voluntariamente outorgam a um terceiro o poder de decidir um litígio. A arbitragem se funda na autonomia da vontade das partes e na sua capacidade de consentir em atribuir poderes a um terceiro para decidir uma controvérsia (LAMAS, 2021).

A aplicação da arbitragem na esfera trabalhista já se encontrava prevista no artigo 114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: […] § 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente (Brasil, 1988).

O fato de a Constituição prever expressamente a possibilidade de aplicação da arbitragem para as relações coletivas gerou a interpretação de que a arbitragem apenas poderia ser admitida nos dissídios coletivos do trabalho (GEMIGNANI, 2024).Entretanto, com a reforma trabalhista promovida pela Lei 13.467/2017, foi inserido o artigo 507-A na Consolidação das Leis do Trabalho, o qual dispõe que:

Art. 507-A.  Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Brasil, 1943).

Portanto, com a reforma trabalhista, passou a ser admitido o uso da arbitragem para a solução de conflitos individuais de trabalho nos casos em que cumulativamente: (1) seja de iniciativa do empregado ou possua sua expressa concordância; (2) o salário seja superior a duas vezes o limite máximo para os benefícios do RGPS; e (3) a arbitragem seja pactuada via cláusula compromissória.

Cláusula compromissória é uma espécie de convenção de arbitragem, ou seja, é um acordo de vontades por meio do qual as partes vinculam a solução de um litígio ao juízo arbitral, renunciando a possibilidade de solução via jurisdição estatal. A cláusula compromissória é celebrada antes da existência de litígio, prevendo questões que serão solucionadas por meio da arbitragem (GUERRERO, 2022). Como o artigo 507-A da CLT determina que, para utilizar do instituto da arbitragem, o empregado deve pactuar cláusula compromissória, isso significa que, antes de qualquer conflito, possivelmente no momento de sua contratação, o empregado deve abrir mão da jurisdição estatal como solução para futuros conflitos trabalhistas.

2. CRÍTICAS AO ARTIGO 507-A DA CLT

2. 1. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA INDISPONIBILIDADE E IRRENUNCIABILIDADE

Os direitos individuais trabalhistas são indisponíveis e irrenunciáveis, ou seja, não podem ser dispostos pelo empregado ou por ele renunciados. Isso é o que se extrai da leitura do artigo 7º da Constituição Federal, o qual define os direitos trabalhistas, em conjunto com o caput do artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho (Meleiro. et al, 2018):

Art. 444 – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes (Brasil, 1943).

Esse é um mecanismo do Direito do Trabalho que visa retomar o equilíbrio na relação entre o empregador e o empregado, pois há desigualdade na relação advinda da própria subordinação, a qual não desaparece com o aumento da remuneração do empregado. Deste modo, muitos argumentam que o artigo 507-A da Consolidação das Leis do Trabalho é inconstitucional, pois autoriza a renúncia de direitos trabalhistas apesar de o caráter de desequilíbrio na relação trabalhista se manter (Meleiro. et al, 2018).

2.2. INCOMPATIBILIDADE COM O ARTIGO 1º DA LEI DE ARBITRAGEM

Outra crítica feita a esse artigo é que ele viola o previsto no artigo 1º da Lei de Arbitragem: “Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.” (BRASIL, 1996).

Como anteriormente destacado (ver o item 2.1.), os direitos trabalhistas individuais são indisponíveis, estando, assim, o artigo 507-A da CLT em contradição com a base da Lei de Arbitragem.

2.3. INEXISTÊNCIA DE AUTONOMIA DA VONTADE PLENA

Ao escolher o valor do salário como requisito para possibilitar a arbitragem em dissídios individuais trabalhistas, a norma presume que o empregado com salário superior a duas vezes o limite máximo para os benefícios do RGPS se encontra livre de pressões econômicas e, desse modo, pode exercer completa autonomia de vontade no momento de formação de seu contrato de emprego. Porém, essa presunção de autonomia de vontade não se sustenta (Amorim, 2018).

A Constituição Federal adota o conceito de relação de emprego universalizado pelo direito do trabalho (artigo 7º, inciso I). Essa relação se configura sempre que presente trabalho (1) subordinado, (2) pessoal e (3) assalariado, o que se encontra expresso nos artigos 1º e 2º da CLT. Isso é o reconhecimento da desigualdade material entre as partes contratantes na relação de emprego, da hipossuficiência do empregado, para, assim, conferir o mínimo de segurança em seu contrato de emprego (Amorim, 2018).

Existe amplo reconhecimento na doutrina de que no momento da celebração do contrato de emprego certa pressão é exercida na vontade do trabalhador, não sendo essa uma situação de equilíbrio de vontades (Delgado, 2016). O aumento do valor salarial não altera o estado de subordinação inerente à procura pelo emprego e à necessidade de sua manutenção, pois esse é a única ou principal fonte de subsistência do empregado. Isso mitiga a autonomia da vontade na estipulação de cláusulas no momento de firmar o contrato empregatício, o que, indubitavelmente, atinge eventual cláusula compromissória (Fernandes, 2018). Assim, como o trabalhador não tem autonomia da vontade plena no momento da contratação, e também durante a sua manutenção, não se pode afirmar que houve a sua iniciativa ou concordância à cláusula compromissória.

2.4. AFRONTA AO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Outra crítica feita ao artigo 507-A da CLT é de que não possui base constitucional, ao contrário, ele contraria o disposto no artigo 114 da Constituição Federal. Como anteriormente mencionado (ver o item 1.), a Constituição prevê o uso do instituto da arbitragem na seara trabalhista em seu artigo 114, §§ 1º e 2º, porém, o dispositivo é expresso no sentido de que a arbitragem é possível para dissídios trabalhistas coletivos.

A Constituição, ao destacar a possibilidade da aplicação do instituto aos conflitos trabalhistas coletivos, intencionalmente omitiu a menção aos conflitos trabalhistas individuais. Assim, permitiu o uso da arbitragem apenas para a solução de conflitos trabalhistas coletivos e proibiu, por exclusão ou implicitamente, o uso da arbitragem para a solução de conflitos trabalhistas individuais (Rodrigues, 2021).

3. DEFESAS À CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 507-A DA CLT

3.1. EXISTÊNCIA DE AUTONOMIA DA VONTADE PLENA

Martins e Ferreira (2019) destacam que, conforme o entendimento do próprio Conselho Nacional de Mediação e Arbitragem, deve se aplicar ao artigo 507-A da Consolidação das Leis do Trabalho a mesma lógica instituída pelo Código de Defesa do Consumidor para as convenções de arbitragem, ou seja, a manifestação de vontade presente na cláusula compromissória não possui validade, mas não se afasta a possibilidade de se optar pela arbitragem se o consumidor (no caso o trabalhador) entender que essa é a melhor opção para ele.

Em outras palavras, apesar de o empregado pactuar uma cláusula compromissória, no momento em que um conflito emergir, ele não está vinculado à resolução do conflito por meio da via arbitral, podendo optar pela via judicial. Nesse caso, a cláusula compromissória nada mais faz do que abrir a possibilidade de, caso assim o empregado entenda, resolver o conflito que já ocorreu utilizando do instituto da arbitragem.

Com a possibilidade de o trabalhador optar pela via arbitral após o conflito, ele, que se encontrará geralmente com seu vínculo empregatício rompido, poderá tomar tal decisão com plena autonomia de vontade.

3.2. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Apesar de muitos apontarem o artigo 507-A da CLT como inconstitucional, por aparentemente violar o artigo 114 da Constituição Federal (ver o item 2.4), outros defendem que não existe tal violação. O entendimento de que a Constituição, ao expressamente permitir o uso da arbitragem na solução de conflitos coletivos trabalhistas, veda o uso da arbitragem em dissídios individuais trabalhistas devido ao silêncio é uma violação direta ao princípio da legalidade (Filho, 2019).

Previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, in verbis: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988), o princípio da legalidade estabelece a máxima de que é permitido tudo o que a lei não veda expressamente. Por essa razão, o fato de a Constituição não dispor sobre a aplicação da arbitragem na solução de dissídios individuais trabalhistas não pode ser compreendido como uma vedação ao instituto.

4. CONCLUSÃO

Em suma, a arbitragem já possuía previsão expressa para a sua aplicação na solução de dissídios trabalhistas, porém, isso se encontrava limitado, ao menos era a interpretação, aos dissídios de natureza coletiva. Com a inserção do artigo 507-A na Consolidação das Leis do Trabalho, por meio da reforma trabalhista, a arbitragem como meio de solução de dissídios individuais trabalhistas se tornou uma possibilidade.

Como anteriormente apresentado, muito ainda se discute sobre a constitucionalidade e modo de aplicação do instituto da arbitragem para esses conflitos individuais. Aqueles que entendem pela incompatibilidade do instituto da arbitragem se apoiam na hipossuficiência do empregado, no vínculo de subordinação e nos princípios da indisponibilidade e irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Por outro lado, aqueles que defendem a compatibilidade do instituto expressam que não existe vedação constitucional à sua utilização e que, com a possibilidade de o empregado optar pela via arbitral após o conflito, o que geralmente ocorre após o rompimento do vínculo empregatício, sua autonomia de vontade é plena.

Por fim, além dos aspectos jurídicos, levanto nessa conclusão uma última reflexão. Certa cautela deve ser tomada ao defender a aplicação da arbitragem na solução dos dissídios individuais trabalhistas, o motivo para tal afirmação é, principalmente, lógico-econômico, pois, apesar de a arbitragem ser um meio muito mais rápido para solucionar litígios comparados ao judiciário, ela também é muito mais cara do que ele. Enquanto ela pode ser o meio ideal para solucionar conflitos entre empresas, para as quais o tempo de solução do conflito vale muito mais do que o dinheiro gasto no processo, o mesmo possivelmente não pode ser aplicado aos trabalhadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIM, Helder Santos. Temas processuais na reforma trabalhista. In: HONÓRIO, Claudia; VIEIRA, Paulo Joarês. Em defesa da Constituição: primeiras impressões do MPT sobre a “reforma trabalhista”. Brasília: Gráfica Movimento, 2018.

BRASIL. 1988. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 jun. 2024.

BRASIL. 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm >. Acesso em: 12 jun. 2024.

BRASIL. 1996. Lei de Arbitragem. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103445/lei-de-arbitragem-lei-9307-96 >. Acesso em: 12 jun. 2024.

DELEGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. Ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 574.

FERNANDES, J. A Arbitragem em Conflitos Individuais Trabalhistas: uma interpretação constitucional e lógico-sistemática do art. 507-A da CLT. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia, v. 7, n. 10, 2018. Disponível em: < https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/147813/2018_fernandes_joao_arbitragem_conflitos.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 13 jun. 2024.

FILHO, Geraldo Korpaliski. Compatibilidade do artigo 507-A da CLT com os direitos fundamentais trabalhistas: uma análise da arbitragem na relação de emprego. 2019. Disponível em: <https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/8591 >. Acesso em: 16 jun. 2024.

GEMIGNANI, Daniel; GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta. A ARBITRAGEM NO DIREITO TRABALHISTA: um desafio a ser enfrentadoRevista CEJ, v. 22, n. 75, 2018. Disponível em: <https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Rev-CEJ_n.75.01.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2024.

GUERRERO, Luis Fernando. Convenção de arbitragem e processo arbitral. 4 Ed. São Paulo: Almedina, 2022, p. 25 – 26.

LAMAS, Natália Mizrahi. Introdução e princípios aplicáveis à arbitragem. In. Curso de Arbitragem. Coord. Daniel Levy. Guilherme Setogutti J. Pereira. 2ª Ed., São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 23 – 55.

MARTINS, Danilo Ribeiro Miranda. FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Avanços e perspectivas para a arbitragem em demandas trabalhistas. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-mai-07/opiniao-avancos-perspectivas-arbitragem-trabalhista/>. Acesso em: 16 jun. 2024.

MELEIRO, Ana Beatriz et al. A arbitragem à luz da reforma trabalhista no Brasil. Diálogos Interdisciplinares, v. 7, n. 1, p. 32-54, 2018. Disponível em: <https://revistas.brazcubas.br/index.php/dialogos/article/view/414/507>. Acesso em: 12 jun. 2024.,

RODRIGUES, Stefany Fernandes et al. (In) aplicabilidade da arbitragem nos conflitos individuais trabalhistas. 2021. Disponível em: <http://191.252.194.60:8080/handle/fdv/1210>. Acesso em: 13 jun. 2024.

[*] Aluno da graduação em direito da UnB. Pesquisador do Grupo de Estudos em Direito das Telecomunicações -GETEL/UnB.

você pode gostar

Deixe um comentário

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Vamos supor que você está de acordo com isso, mas você pode optar por não participar, se desejar. Aceitar

Privacy & Cookies Policy