Por Ivanyr Nayara Mascena Veras* e Reginaldo Pereira de França Júnior**
A classe trabalhadora está determinada aos processos de exploração advindos do sistema capitalista juntamente com as expressões do neoliberalismo, sendo eles o aumento do ritmo de produção, a retração de direitos trabalhistas, os acréscimos na jornada de trabalho e o sistema de metas que acabaram por suceder o surgimento de problemas físicos e mentais sobre os(as) trabalhadores(as).
Assim, a sua mercadoria (sua força de trabalho) é extraída do proletariado, sendo que tudo o que é produzido é apropriado pelos detentores dos meios de produção. Nesta relação entre capital e trabalho, conforma-se uma lógica desigual, vale dizer: “Primeiro: o trabalhador trabalha sob o controle do capitalista a quem pertence seu trabalho. […] segundo: o produto, porém, é propriedade do capitalista, e não do produtor direto, do trabalhador” (ANTUNES, 2004, p. 39). Nesse contexto, o(a) trabalhador(a) não se reconhece como produtor da mercadoria, tendo apenas sua força de trabalho utilizada para compor a taxa de lucro.
Assim, de acordo com Antunes (2004), é por meio do trabalho explorado que o capitalismo se sustenta, sendo mediado pela divisão das classes sociais, na qual uma é detentora dos meios de produção, enquanto a outra classe é responsável por produzir riquezas por meio da exploração da sua força de trabalho.
Ademais, a partir da crise do fordismo, o capital vem expondo os problemas existentes no modelo de produção, o que ocasiona, estoques cheios e padronizados, encarecimento da produção e bens duráveis. Diante destes problemas, passa a vigorar o modelo de produção toyotista, que trouxe consigo novas formas de produzir, reduzindo os estoques, produzindo mediante a demanda, nesse processo de transição, o(a) trabalhador(a) são impactados pelos efeitos do capital, sendo utilizados somente quando necessário, contribuindo para a maximização dos lucros. Esta nova realidade impactou diretamente os(a) trabalhadores(as), já que impôs alterações no processo produtivo, acentuando superexploração da força de trabalho, fragmentando cada vez mais a relação entre o homem e o objeto por ele produzido.
Outrossim, a acumulação flexível, segundo Harvey (1992, p. 140), “caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”. Dessa forma, o modelo tradicional abre espaço para a flexibilização da produção, que atende as demandas do mercado e deixa de lado os grandes estoques de produtos. Existe também o desenvolvimento da “Lean Production” e as formas de horizontalização do trabalho, assim intituladas por Antunes (2004), que propiciam a desconcentração do espaço físico e inserção das máquinas informatizadas, reduzindo cada vez mais o proletariado estável, de modo que, assim como o trabalho sofre modificações, os(as) trabalhadores(as) também se transformam para se adequar a essas mudanças, além de ocorrer uma complexificação nos desafios sócio-políticos.
Neste sentido, a necessidade de sobrevivência em meio ao exército industrial de reserva, leva esses(as) trabalhadores(as) a aceitar essas condições extenuantes de trabalho, buscando assegurar os mínimos sociais, além de se submeterem a condições propícias ao adoecimento mental e físico.
O perfil do(a) trabalhador(a) também passa por processos de modificação, o operariado fabril que antes baseava-se no modelo taylorista/fordista é levado a não se adequar aos avanços tecnológicos e a reestruturação produtiva, que de um lado superqualifica uns e desqualifica outros, bem como constrói o modelo de trabalhador polivalente capaz de realizar diversas atividades, reduzindo as vagas de emprego e consequentemente aumentando o número de indivíduos no exército industrial de reserva, assim, segundo Sennett (1999), a natureza flexível do capitalismo também gera processos de ansiedade nos indivíduos, visto que eles encontram-se alienados perante essas mudanças.
Assim, inicia-se novas formas de cultura e ações políticas de cunho neoliberal no mundo do trabalho, flexibilizando as estratégias de produção através das novas tecnologias e modificações nas condições e relações de trabalho, além de uma profunda reconfiguração relação do Estado/sociedade (França Junior, 2021).
Para Lessa (2012), a alienação e o trabalho se interpõem a partir de uma densa malha de mediações sociais que desempenham um papel decisivo em sua consubstanciação a cada momento histórico, sendo o ponto médio entre a alienação e o trabalho a categoria valorativa, oriunda da precarização de trabalho e geradora da alienação, que torna alheia a coisa ao produtor. Não obstante, destaca Lessa (2012) que a condição de alienação e trabalho possuem relação íntima, não sendo, sob circunstância alguma, separada tampouco eliminada.
Ademais, embora o discurso neoliberal tenha difundido que “estamos todos juntos”, o caos pandêmico expôs rapidamente a divisão de classes perante a assistência e direitos básicos. Aqueles que dispunham de bons planos de saúde e que tinham a opção de se resguardar em suas residências, encontravam-se seguros diante das ameaças, enquanto trabalhadores(as) informais, de baixa renda e desempregados tinham que escolher entre tentar assegurar a renda mensal ou se proteger da doença, e quando eram infectados submetiam-se ao sistema de saúde pública que se encontrava em colapso, com filas enormes, falta de insumos e profissionais à beira da exaustão.
Para (Harvey, 2021), a associação da aguda crise econômica no interior do capitalismo associada com a então crise sanitária provocaram efeitos catastróficos nas esferas sociais da vida, uma vez que o próprio capital não foi suficiente para conter os violentos rebatimentos da paralisação da produção em escala global, afetando a produção de bens e serviços, agudizando a crise. Ademais, neste imbricado complexo de economia e crise sanitária, o Estado emerge, mais uma vez, para mitigar a crise, muito embora os reflexos na vida social já demonstravam um importante espraiamento, em que pese a retração das políticas sociais, a agudização do desemprego estrutural (Harvey, 2021) etc.
Neste sentido, os profundos rebatimentos nas condições de vida e existência dos(as) trabalhadores sofrem profundas reconfigurações, uma vez que a resposta à crise do capital está na flexibilização dos direitos, na minimização do Estado, na retração dos direitos sociais e trabalhistas, mas acossado por uma crise sanitária igualmente colossal, o Estado buscou intervir na direção de minimização dos antagonismos de classe, mas mesmo assim não supera este profundo declínio civilizatório causado pelas crises cíclicas.
* Graduanda em Serviço Social pela UFCG membra do LPCCJS.
** Doutor em Serviço Social pela UFSC e coordenador do LPCCJS.
Referências
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