A INOBSERVÂNCIA DO PREÇO ABUSIVO

Por Pedro Farias


O desenvolvimento histórico é um fenômeno extremamente complexo e multifacetado. Diante disso, podemos analisar a história e seus adventos por meio dos diversos sistemas econômicos que surgiram e fixaram-se. Um grande exemplo de um fenômeno que perdura até hoje é o do Estado capitalista, fortemente analisado pela “ótica da dominação” que se impõem através do aparelho burocrático com a troca da força de trabalho por salários.

Assim, o capitalismo, por meio do paradigma liberal, traz consigo diversos princípios, como por exemplo o livre mercado e a livre concorrência. Sendo essa, a principal a ser tratada neste escrito.

A livre concorrência é a expectativa dos players disputarem entre si os mercados por meio da venda de serviços ou produtos, porém essa disputa deve ser feita de forma saudável e, por isso, ela é regulamentada pela Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011 no Brasil. Dentro desse dispositivo normativo, algumas condutas são repudiadas e são objetos de deliberação, mas, nem sempre há consenso, como poderemos ver na análise de preço abusivo.

Primeiramente, o preço abusivo terá enfoque caso ocorra o aumento arbitrário dos lucros, como data o art. 173 da Constituição Federal de 1988 ou no art. 36, inciso III da lei nº 12.529, 2011. Dessa forma, surge uma grande problemática: o que seria o aumento arbitrário dos lucros?

O aumento consistiria no preço excessivo, sendo o preço acima daquele do mercado. À vista disso, o preço abusivo se desmembra em duas vertentes: excludentes e exploratórios. Aqueles denominados excludentes têm o objetivo de retirar concorrentes do mercado e essa prática normalmente acontece junto a outras condutas, como a discriminação ou açambarcamento. Nesse tópico, a jurisprudência traz um consenso, pois outras condutas anticompetitivas são analisadas idem.

Já os preços exploratórios consistem em alta de preços para lucrar cada vez mais em cima dos consumidores. Essa prática é consequência de diversas ações, como o investimento feito no passado ou barreiras que acarretam em um poder de monopólio, neste caso é uma medida restritiva da concorrência e pode ensejar em envolvimento da agência antitruste. Entretanto, o preço exploratório como conduta autônoma é de difícil análise, pois defini-lo é extremamente complexo.

Em vista disso, a OCDE1 acredita que julgar essa conduta é cheia de atribulações. Como podemos ver abaixo:

[…] the effectiveness of the prohibition of “excessive price” is extremely limited, since: (i) there are several difficulties in measuring the competitive price and identifying what excessive price really is; (ii) there is a high risk of discouraging innovation by punishing excessive prices, and (iii) there is a mistaken belief in self-correction of the excessive price after its punishment. Ragazzo pointed out that there is no profit margin that surely represents an unlawful practice.

Diante do exposto, intervir em preços abusivos exploratórios é custoso, porque é árduo definir o que seria um preço acima daquele competitivo, além de que muitas vezes um preço acima é consequência de um investimento anterior e a iminência de intervenção pode desencorajar os empresários.

Destarte, diversos métodos são necessários para definir um preço abusivo, isto é, acima do preço de mercado. Logo, é necessário um estudo minucioso e comparações adequadas para que erros não sejam recorrentes. Assim, o Bruno Braz traz em sua dissertação de mestrado algumas pontuações para definir um preço excessivo e é perceptível a dificuldade de tal definição.

[…] não devem se limitar a uma mera comparação entre preços, ou preços e custos, mas, ao invés disso, devem complementá-la com uma investigação profunda do mercado e das razões pelas quais os preços podem divergir ou estarem consideravelmente acima do nível competitivo. Em qualquer caso, as autoridades devem abandonar o caso se testes diferentes fornecem resultados diferentes, ou se o preço não desvia significativamente dos diferentes preços de referência utilizados 2

 Portanto, apesar de ser uma conduta unilateral que infringe o ordenamento jurídico, é preciso saber se o CADE possui competência para agir. Destarte, a partir do texto da OCDE vemos que o Brasil não possui um consenso da tratativa:

Should excessive prices be dealt with by competition authorities or rather by regulators?

As described above, this issue is still very controversial in Brazil. Recently (Preliminary Investigation 08012.000295/1998-92), the majority of CADE’s commissioners took the view that there are certain circumstances in which competition authorities should deal with excessive prices. However, most commissioners understood that BCPS should avoid investigating this conduct in regulated markets.3

Mesmo que não haja um dogma em relação à competência, o CADE já se manifestou afastando sua intervenção em casos que ocorram falhas de mercado.

Em caso, contudo, de mercados cujas falhas ou externalidades sociais impeçam a livre formação de preços, a intervenção deve dar-se no plano regulatório, dado que a imposição e a fiscalização de preços e tarifas extrapolam as atribuições legais conferidas ao CADE. Interferir nesse processo de formação de preço foge ao escopo do Conselho. 4

Entretanto, existem casos que somente medidas concorrenciais podem sanar a falha. Logo, quando o preço abusivo surge sem outra conduta anticompetitiva, é possível dizer que ele ocorreu devido uma falha de mercado e um possível remédio para resolver o problema é estrutural, ideia trazida pelo MOTTA e STREEL.

On the other hand, excessive price reflect more a problem in the structure of the market than in the behaviour of the firm, hence the appropriate remedy should change the market structure for the future and not punish the firm for the past [5]

Contudo, a doutrina atual defende que as agências antitruste devem atuar quando “a empresa goze de uma posição de (quase) monopólio no mercado, […] que é protegida por insuperáveis barreiras legais à entrada” 6.  Essa visão nos dá um caráter de intervenção bastante restritivo, porém esse é o melhor caminho a ser adotado.

A princípio, toda a ação é suscetível a erro e, por isso, devemos ponderar todos os aspectos.  Evans e Padilla trazem os dois tipos de erros que podem ocorrer, sendo eles:

Any legal standard for excessive pricing will therefore result in “false convictions”— or “type I errors” in the standard terminology of decision theory—and/or “false acquittals”— or “type II” errors. To use the criminal justice system as an example, a type I error would be the equivalent of jailing an innocent person, whereas a type II error would be allowing a guilty party to go unpunished 7

Assim, o erro do tipo I trata da acusação de pessoas inocentes, o que causaria uma descrença na lei antitruste, já o erro do tipo II consiste em falsas absolvições, que seria o erro menos “maléfico” dada a crença da auto regulação do mercado, porém, isso nem sempre acontece. Isto posto, Motta e Streel (2007) trazem o ambiente necessário para que os riscos de erros sejam mínimos.

The strictest test has been proposed by Evans and Padilla (2005:119) who suggest that three conditions should be met for the antitrust authority to intervene (1) the firm enjoys a (near) monopoly position in the market, which is not the result of past investments or innovations and which is protected by insurmountable legal barriers to entry; (2) the prices charged by the firm widely exceed its average total costs; and (3) there is a risk that those prices may prevent the emergence of new goods and services in adjacent markets. (p.21)

Portanto, mesmo que as ações estejam suscetíveis a erro e a competência para agir seja um pouco nebulosa, é preciso que haja uma intervenção. Ademais, há um dispositivo normativo condenando tal atitude e muitas vezes as agências reguladoras não possuem o remédio necessário para sanar a doença. Dessa forma, o CADE se torna um player imprescindível nesse cenário, porque, se condutas exploratórias forem legitimadas ao bel prazer, o aparato burocrático estatal estará sendo conivente com a dominação praticada pelos empresários sob os consumidores.


Graduando em Direito pela Universidade de Brasília. Atualmente, atua como editor-assistente na editoria executiva da RED|UnB. Interessa-se por Direito Comercial, Direito Concorrencial e Econômico.


Referências Bibliográficas:

[1] OECD, Contribution by Brazil. (2011). Excessive prices. DAF/COMP(2011)18. p.324.

[2] CASTRO, Bruno Braz De. Preços Exploratórios: mera “ficção científica” ou desafio real ao direito concorrencial brasileiro? (Dissertação de Mestrado). 2012. Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. p.84.

[3] OECD, Contribution by Brazil. Excessive prices. DAF/COMP(2011)18.

[4] CASTRO, Bruno Braz De. Preços Exploratórios: mera “ficção científica” ou desafio real ao direito concorrencial brasileiro? (Dissertação de Mestrado). 2012. Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. p.13

[5] MOTTA,  Massimo;  STREEL,  Alexandre  de.  Excessive  pricing  in  competition  law:  never  say  never?  In:  KONKURRENSVERKET  SWEDISH  COMPETITION  AUTHORITY The  Pros  and  Cons  of  High  Prices.  Kalmar:  Lenanders Grafiska, 2007. p.40

[6] PADILLA, A. Jorge. & EVANS, David. S. Excessive Prices: Using Economics to Define Administrable Legal Rules. CEPR Discussion Paper n. 4626. September 2004. p.30

[7] PADILLA, A. Jorge. & EVANS, David. S. Excessive Prices: Using Economics to Define Administrable Legal Rules. CEPR Discussion Paper n. 4626. September 2004. p.17

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