Crise da Viação Itapemirim

Como ficam os clientes que adquiriram passagens áreas da companhia?

Amanda Pereira de Melo Silva[1] e Yasmin Rodrigues Caldas[2]

Relembrando o caso

Cerca de uma semana antes do Natal de 2021, a Ita Transportes Aéreos, integrante do Grupo Itapemirim, anunciou uma paralisação “temporária” de todas as suas atividades. Nos principais aeroportos brasileiros — Guarulhos (SP), Galeão (RJ), Brasília (DF), Recife (PE), Salvador (BA), entre outros — passageiros foram surpreendidos ao serem informados sobre a suspensão dos serviços instantes antes dos embarques programados pela companhia.

À época, a empresa aérea justificou que essa medida estaria vinculada a uma “reestruturação interna”.

De acordo com registros da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Ita Transportes Aéreos tinha 513 voos agendados entre sexta-feira e 31 de dezembro. Esses voos estavam programados para partir de aeroportos como Guarulhos (SP), Galeão (RJ), Brasília (DF), Recife (PE), Salvador (BA), entre outros. A empresa comunicou que a decisão foi tomada em virtude de “necessidades de ajustes operacionais” e que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) foi devidamente informada.

Enquanto isso, passageiros portando bilhetes da companhia aérea foram pegos de surpresa quando se preparavam para embarcar em voos da ITA (Itapemirim).

Ocorre que, diante desse caos vivenciado pelos clientes da então recém inaugurada — e já quase falida — companhia aérea, surge o legítimo questionamento sobre como esses clientes podem reaver, utilizando os instrumentos legais aplicáveis, os valores das passagens aéreas cuja causa de inutilização foi gerada pela própria ITA.

Viação Itapemirim: do nascimento ao colapso

A Viação Itapemirim foi uma das empresas mais emblemáticas no cenário do transporte rodoviário brasileiro. Após a fundação em 1953 por Camilo Cola, um visionário empreendedor, a empresa se expandiu, tornando-se uma referência nacional no transporte de passageiros. Sua frota colorida e reconhecível ganhou destaque nas estradas brasileiras, transportando milhões de passageiros por todo o país.

Em 2016, a empresa entrou com um pedido de recuperação judicial. O pedido foi aceito judicialmente, o que significa que, durante o processo de recuperação, ela obteve um “respiro” temporário em que o pagamento das dívidas foi suspenso em uma tentativa de que o grupo pudesse resolver os problemas financeiros.

A situação se complicou ainda mais quando, durante a pandemia de Covid-19, a Viação Itapemirim obteve autorização para criar uma nova empresa no setor aéreo, chamada ITA. Essa decisão foi tomada em um momento crítico para a indústria de transporte, com muitas empresas do setor lutando para sobreviver devido às restrições de viagens e queda na demanda por transporte público. A criação da ITA gerou controvérsia, pois ocorreu enquanto a Viação Itapemirim ainda estava em processo de recuperação judicial, levantando questões sobre a viabilidade e a ética do empreendimento.

Apesar das expectativas e da esperança em torno da ITA, a empresa não demonstrou êxito em se recuperar, permanecendo com atrasos no pagamento de salários e outros direitos trabalhistas. Após apenas cinco meses de operação, a ITA surpreendeu o mercado ao cancelar subitamente seus voos pouco antes do Natal de 2021, deixando milhares de passageiros desamparados e gerando uma onda de críticas e indignação.

Esse episódio marcou o fim abrupto de um projeto que despertou grandes expectativas no setor de transporte brasileiro. As falhas na gestão e as controvérsias em torno da Viação Itapemirim e suas subsidiárias levaram à decretação judicial de falência da empresa, em decisão da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que atendeu a um pedido do banco Bradesco, um dos credores da companhia.

Mas afinal, qual a situação dos consumidores que adquiriram passagens aéreas da ITA?

A ITA, como exposto anteriormente, já enfrentava percalços financeiros quando apresentou e deu o pontapé inicial no setor aéreo. À época em que obteve a autorização para expandir suas atividades, que antes se limitavam ao transporte terrestre, a empresa já se encontrava em processo de recuperação judicial, que é um mecanismo legal para ajudar as empresas a superarem dificuldades financeiras e evitarem a falência. É como uma “segunda chance” para a empresa se reorganizar e pagar suas dívidas de uma maneira mais organizada.

Pode-se dizer que, na prática, a ITA já enfrentava problemas financeiros sérios e não possuía condições de arcar com as dívidas quando operava apenas no setor terrestre, razão pela qual solicitou a instauração do processo de recuperação judicial, que em suma, consiste em um processo especial na justiça, onde um juiz deve auxiliar a empresa a encontrar uma solução para seus problemas financeiros.

Durante esse processo, a empresa precisa apresentar um plano de recuperação, que é um plano detalhado de como ela vai pagar suas dívidas ao longo do tempo. Esse plano precisa ser aprovado pelos credores (as pessoas ou empresas para quem a empresa deve dinheiro) e pelo juiz.

Uma vez aprovado, o plano de recuperação é colocado em prática. Isso pode envolver coisas como renegociar dívidas, vender ativos ou até mesmo reduzir despesas. O objetivo é ajudar a empresa a se tornar financeiramente saudável novamente.

Esse procedimento, contudo, suspende temporariamente o direito de cobrança dos credores da empresa, visando proteger o empreendimento no período em que a “segunda chance” é concedida judicialmente. A ITA passava exatamente por esse período quando houve a expansão da empresa para o setor aéreo e, que resultou no inadimplemento com os clientes que adquiriram serviços da ITA.

Essa imunidade temporária às cobranças acendeu críticas sobre a boa-fé da empresa em relação aos credores, em especial os novos consumidores que se viram prejudicados pela empresa.

Em setembro de 2022, foi declarada a falência da empresa, o que significa, em suma, que ela não conseguiu se recuperar e que não há dinheiro suficiente para continuar funcionando, e que seus ativos podem ser vendidos para pagar o máximo possível das suas dívidas. Nesse caso, os credores são pagos com uma ordem de prioridade estabelecida pela Lei n.º 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falências), mas nem sempre a integralidade dos credores consegue receber o dinheiro que lhes é devido.

Ocorre que, nessa ordem de prioridade, o consumidor entra no fim da fila. Ela consiste em:

  • Dívidas trabalhistas
  • Créditos garantidos por direitos reais, como imóveis
  • Créditos tributários
  • Demais créditos – aqui entram os consumidores

Para tentar reaver seu dinheiro, o consumidor precisa 1) entrar com um processo para que o juiz faça habilitação do crédito; 2) entrar em contato com a administradora da falência para informar que precisa ser incluído no quadro de credores.

A realidade é que não existe um prazo para receber esse reembolso, justamente pela ordem de prioridade.

Fato é que a situação, para esses consumidores, não é nada animadora. Além do mais, a decretação de falência do grupo Itapemirim foi suspensa em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Isso significa que a suspensão do direito de cobrança dos credores pode ser estendida, caso sejam cumpridas exigências adicionais pela empresa e o juiz competente decida pela manutenção do período de proteção judicial do grupo Itapemirim.

A suspensão do processo de falência significa, em suma, que temporariamente não haverá a venda de ativos da empresa para quitar as dívidas pendentes. Nesse caso, os consumidores ficam em uma situação de insegurança ainda maior, pois aí é que não há jeito de pleitear judicial e extrajudicialmente os valores devidos.

Em resumo, a saga da ITA reflete um lado de insegurança jurídica causada pelo prolongamento e ampliação demasiada do escopo de proteção conferido às empresas em recuperação judicial, e, principalmente, as consequências para os consumidores que são prejudicados nesse período.


[1] Aluna da graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Estagiária na Procter&Gamble Brasil.

[2] Aluna da graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Estagiária do Núcleo de Assistência Jurídica do Segundo Grau e Tribunais Superiores (Defensoria Pública do Distrito Federal).


Referências:

[3] BASÌLIO, Patrícia. Itapemirim suspende operações: saiba seus direitos, segundo o Procon.

Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/12/17/itapemirim-suspende-operacoes-saiba-seus-direitos-segundo-o-procon.ghtml>. Acesso em: 9/4/2024.

[4] BRASIL, Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF: Diário Oficial da União. 2005.

[5] GIL, Pedro. O novo capítulo da falência da Itapemirim

Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/o-novo-capitulo-da-falencia-da-itapemirim>. Acesso em: 9/4/2024.

[6] MENDES, Diego. Itapemirim Transportes Aéreos tem falência suspensa pela Justiça de São Paulo.

Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/itapemirim-transportes-aereos-tem-falencia-suspensa-pela-justica-de-sao-paulo/>. Acesso em: 9/4/2024.

[7] Tribunal de Justiça de São Paulo. Justiça decreta falência de empresas da Itapemirim. Disponível em: <https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=85705&pagina=1>. Acesso em: 10/4/2024.

[8] TV Globo; G1 SP. Justiça de SP suspende falência da Itapemirim Transportes Aéreos. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/08/22/justica-de-sp-suspende-falencia-da-itapemirim-transportes-aereos.ghtml>. Acesso em: 10/4/2024.

[9] SARINGER, Giuliana. Itapemirim faliu, e clientes ficam em último lugar para receber indenização. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/09/23/reembolso-consumidor-falencia-itapemirim.htm?cmpid=copiaecola>.

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