Por Gabriel Cardoso Cândido
O instituto da remição penal reflete em um abatimento dos dias de aprisionamento da pessoa condenada à pena privativa de liberdade por conta de atividades realizadas que contribuem para a melhor reintegração do apenado ao convívio social. A Lei de Execução Penal regula as modalidades de remição da pena pelo trabalho e pelo estudo, mas os Tribunais Superiores vêm reconhecendo diversas outras possibilidades de se remir a pena, tendo sempre como horizonte a ressocialização do apenado1.
A proposta da presente reflexão consiste em destacar pontos fundamentais para se compreender a remição penal pelo estudo e a remição penal pelo trabalho.
A remição da pena pelo estudo
1. A remição pelo estudo é computada na proporção de a cada 12 horas de atividade educacional fragmentadas em 3 dias, 1 dia de pena é remido, nos termos do art. 126, parágrafo 1°, inciso I, da LEP.
2. Aceita-se, para fins de remição penal, o estudo em todos os níveis escolares, seja ensino fundamental, ensino médio, ensino profissionalizante, seja o ensino superior e até mesmo cursos posteriores à graduação, não existindo óbice das atividades serem realizadas por meio do ensino a distância2.
3. O enunciado n° 341 da súmula do STJ3 nos revela que o apenado deve estar em regime fechado ou semiaberto de cumprimento de pena para poder usufruir da garantia da remição penal pelo estudo.
4. A jurisprudência vem admitindo a remição nos casos de aprovações em exames de caráter nacional, como o ENEM e o Encceja.
5. Nas hipóteses em que o apenado conclui uma etapa educacional com aproveitamento satisfatório, há um acréscimo de um terço das horas de estudo já cumpridas, conforme a redação do art. 126, p.5°, da LEP: “O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação”.
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. REMIÇÃO DE PENAS. APROVAÇÃO PARCIAL NO ENCCEJA. POSSIBILIDADE. ART. 126 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. RECOMENDAÇÃO N. 44/2013 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CÁLCULO. ADEQUAÇÃO. NECESSIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
I – A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II – O Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação n. 44 de 26/11/2013, que, em seu art. 1º, inc. IV, regulamentando o § 5º do art. 126 da Lei de Execução Penal, dispõe sobre a possibilidade de remição por aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão de ensino fundamental (ENCCEJA).
III – A Lei n. 9.394/1996, em seu art. 24, I, estabelece que a carga horária mínima anual para o ensino fundamental corresponde a 800 (oitocentas) horas, cuja duração para os anos finais é de quatro anos; conclui-se, assim, que o total da carga horária mínima para todo o ensino fundamental será de 3.200 (três mil e duzentas) horas.
IV – Destarte, considerando como base de cálculo 50% da carga horária definida legalmente para o ensino médio, 3.200 (três mil e duzentas) horas, ou seja, 1.600 (um mil e seiscentas) horas, divide-se o total de horas por 12, encontrando-se o resultado de 133 dias para a aprovação no ENCCEJA, desprezando-se a fração.
V – In casu, como a paciente obteve aprovação em apenas 1 (uma) das 5 (cinco) áreas de conhecimento, deve-se dividir os 133 (cento e trinta e três) dias por 5 (cinco) áreas, o que corresponde, desprezando-se a fração, a 26 (vinte e seis) dias de remição por cada uma delas, no caso apenas uma, o que dá direito aos 26 (vinte e seis) dias a serem remidos.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reconhecer o direito da paciente à remição de 26 (vinte e seis) dias, em razão de sua aprovação em 1 (uma) área de conhecimento do ENCCEJA.4
A remição da pena pelo trabalho
6. A pena é remida pelo trabalho do seguinte modo: a cada 3 dias trabalhados, 1 dia de pena é remido (art. 126, parágrafo 1°, inciso II, LEP).
7. A condição posta para ensejar a referida modalidade de remição penal é a de que o apenado esteja em regime de cumprimento de pena fechado ou semiaberto.
8. O local do exercício do trabalho é indiferente para fins de remição. O STJ pacificou este entendimento no verbete n° 562 da Súmula do Tribunal, em que afirma que “é possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa, ainda que extramuros”, vejamos o seguinte acórdão:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) REMISSÃO. REGIME SEMI-ABERTO. TRABALHO EXTERNO. POSSIBILIDADE. ILEGALIDADE MANIFESTA. (3) WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário.
2. O enfrentamento de teses jurídicas na via restrita pressupõe que haja ilegalidade manifesta, relativa a matéria de direito, cuja constatação seja evidente e independa de qualquer análise probatória.
3. Hipótese em que há flagrante ilegalidade a ser reconhecida. O artigo 126 da Lei de Execuções apenas exige que o condenado esteja cumprindo a pena em regime fechado ou semiaberto, mas não determina o local em que o apenado deverá exercer a atividade laborativa. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para, afastado o entendimento de que não se aplica a remição ao trabalho realizado fora do estabelecimento prisional, determinar que o juízo da execução reaprecie o pedido do paciente de remição da pena, ajuizado enquanto ele se encontrava no regime semiaberto.5
9. Devem ser admitidas, para fins de remição, todas as formas de trabalho, não necessitando de remuneração e nem de periodicidade, sendo suficiente o controle em documento do período trabalhado6, sob os fundamentos do art. 3° da LEP: “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”, visto que a Lei de Execução Penal é silente em relação às formas admitidas, logo, a interpretação que deve ser realizada é a que mais beneficia a condição do apenado:
Considerando também que a LEP não exige que o trabalho realizado seja contínuo, duradouro ou organizado, deve ser admitida a remição mesmo pela prestação de trabalho esporádico ou ocasional, ainda que voluntário e não remunerado. Basta que haja o registro, em planilha, dos dias trabalhados. De fato, a lei não faz restrições quanto à forma, à natureza ou à duração da prestação laborativa, não podendo o intérprete limitá-la em desfavor do indivíduo.7
10. Tem-se por dispensável quaisquer formalidades da relação de trabalho para ensejar a remição da pena privativa de liberdade, tendo em vista a reintegração ao convívio social do indivíduo apenado.
Advogado criminalista. Formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Discente do programa de pós-graduação em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Referências Bibliográficas:
[1] STJ, HC n° 312486/SP, Sexta Turma, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, j. 09/06/2015, DJe 22/06/2015.
[2] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: Teoria Crítica. 5.ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.
[3] Enunciado n° 341 da súmula do STJ: “A frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semi-aberto”.
[4] STJ, HC n° 541321/SC, Quinta Turma, Relator: Leopoldo de Arruda Raposo, j. 10-12-2019, DJe 17-12-2019.
[5] STJ, HC nº 219772/RJ, Sexta Turma, Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 15-08-2013, DJe 26-08-2013.
[6] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: Teoria Crítica. 5.ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.
[7] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: Teoria Crítica. 5.ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.