Você Está Prestando Atenção?

Por Igor Caldas*

“O Jogo da Imitação”[1] foi um filme lançado em 2014 que conta a história de Alan Turing, um matemático e cientista da computação inglês, considerado o pai da computação moderna. O filme mostra o trabalho de Turing e sua equipe na Segunda Guerra Mundial para quebrar o código da máquina Enigma, usada pelos nazistas para enviar mensagens criptografadas. O filme também aborda aspectos pessoais de Turing, como seus problemas de relacionamento, sua fidelidade, seu afeto e seu conflito de gênero.

 

O filme retrata, logo no início, o jogo que o protagonista inventou, o qual chamou de “Jogo da Imitação”. O protagonista requer a atenção do ouvinte e, em seguida, explica o teor do jogo. A ideia é simples: você terá de determinar se aquilo que você está conversando é uma máquina ou um ser humano. 

 

As regras do jogo são: há um juiz e um outro indivíduo. O juiz faz um conjunto de perguntas e, a depender das respostas deste indivíduo, o juiz determina se ele está falando com um humano ou não.

 

Alan Turing estava inserido em um contexto de transição entre o mundo analógico e o mundo digital. A máquina que ele criou foi capaz de alterar completamente o rumo da humanidade, dado que foi fundamental para a derrota do exército de Hitler e, além disso, criou o primeiro computador, o qual era utilizado para decifrar mensagens trocadas entre os membros do exército alemão, conferindo uma vantagem estratégica para os aliados. 

 

Mas afinal, o que a história de Alan Turing e o que o Jogo da Imitação tem a ver com o Direito? 

 

Bom, vivemos uma “nova realidade”, decorrente do avanço no desenvolvimento de modelos de programação baseados em inteligência artificial. À medida em que Turing estava propondo um jogo para determinar se o juiz é capaz de determinar se ele está conversando com humano ou um robô, propõe-se neste artigo um novo (e rápido) jogo: você foi capaz de perceber que o primeiro parágrafo deste artigo foi escrito por uma inteligência artificial?

 

É evidente que, atualmente, verificar se algo foi escrito por meio de uma inteligência artificial é algo razoavelmente fácil e rápido: basta que você pergunte e ela te dirá. Ao mesmo tempo, estamos em um momento muito prematuro do desenvolvimento de tais inteligências. Afinal, há um ano, seria muito difícil que as pessoas estivessem falando sobre o uso de inteligências artificiais em tarefas corriqueiras do dia a dia, tais como, escrever o início de um artigo.

 

O ponto é que o jogo de Turing, mesmo tendo sido criado há muitas décadas, representa um problema real: estamos a poucos passos de inviabilizar o reconhecimento da imitação das inteligências artificiais.

 

Ora, evidente que isso não é algo negativo, pois o avanço tecnológico e científico deve ser visto com bons olhos. Com efeito, não devemos ter medo do novo, mas, ao mesmo tempo, a cautela é bem-vinda, posto que esta é capaz a assegurar que tais avanços disruptivos sejam pautados em valores individuais e sociais constitucionalmente reconhecidos. 

 

Não por menos, a Itália baniu o Chat GPT do país em virtude de possíveis ameaças à privacidade[2]. Na ocasião, restou entendido que não há clareza sobre a forma de coleta, armazenamento e gestão de tais dados, de modo a expor a comunidade a possíveis erros que estariam sendo cometidos pela inteligência artificial.

 

Mas não é só. Não deve se culpar apenas a tecnologia, pois, obviamente, a tecnologia só é eficiente caso alguém a use. Assim sendo, as pessoas que utilizam tais modelos de inteligência artificial devem, necessariamente, estar atentas para as formas seguras, éticas e precisas do uso de tais ferramentas. 

 

Veja-se, por exemplo, os casos (repetidos) de advogados que utilizaram a ferramenta de forma inadequada, apresentando ao juízo um conjunto de informações verdadeiramente fabricadas [3] [4]. Em ambos os casos, os modelos de inteligência artificial não apenas coletaram e forneceram informações, mas inventaram. Como já era de se esperar, estes indivíduos foram pecuniariamente punidos, sem prejuízo de outras possíveis sanções decorrentes de tais informações falsas. Tais casos, apesar de emblemáticos, não causam espanto em virtude da punição que os indivíduos receberam, mas sim por representarem um universo novo de consequências jurídicas decorrentes do uso irresponsável de tais tecnologias. De fato, esse é só o começo.

 

Vivemos em um mundo, agora, sem fronteiras, dominado por mercados digitais, interações diretas e informações instantâneas. Assim, os dados são recursos de infraestrutura [5], pois são capazes de afetar todas as esferas da vida em sociedade, perpassando por indústrias tradicionais ou contemporâneas. 

 

Diferentemente do jogo de Turing, neste jogo de agentes econômicos, consumidores e reguladores, baseado na nova realidade de inteligências artificiais, não há vencedores. É necessário que tais atores, conjuntamente, criem um espaço virtual limitado pelas disposições constitucionais, sob pena de afetar os direitos constitucionais dos consumidores, os negócios das empresas e o dever de cuidado do Estado. 

 

É esse o contexto que requer a nossa atenção. Você está prestando atenção?

 

*Graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Editor de Artigos da Revista de Estudantes de Direito da UnB (RED|UnB), estagiário da prática de Direito Concorrencial no escritório Pinheiro Neto Advogados, pesquisador na área Direito Administrativo, Regulatório e Energia pelo CNPq, pesquisador na área de Direito Constitucional e Proteção de Dados pela FAPDF e fundador e gerente do Sinc, grupo acadêmico de simulação em Direito Internacional.

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[1] O Jogo da Imitação. Produção de Nora Grossman, Ido Ostrowsky e Teddy Schwarzman. Netflix. Acesso em: 28 jun. 2023.

[2] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/03/31/italia-bane-chatgpt-por-possiveis-ameacas-a-privacidade.ghtml. Acesso em: 28 jun. 2023.

[3] https://www.folhape.com.br/noticias/advogado-pede-desculpas-nos-eua-apos-chatgpt-criar-casos-falsos/274592/. Acesso em: 28 jun. 2023.

[4] https://www.jornaljurid.com.br/noticias/advogado-e-multado-pelo-tse-por-usar-chat-gpt-em-peticao. Acesso em: 28 jun. 2023.

[5] OCDE. (2014). Data-driven Innovation for Growth and Well-Being: Interim Synthesis Report. Acesso em: 28 jun. 2023.

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