Em uma das aulas de Processo Penal na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, matéria ministrada no IDP pelo Professor Rogério Schietti Cruz, houve a discussão sobre alguns julgados da Corte da Cidadania que cuidam do reconhecimento de pessoas sistematizado no verbete legal do art. 226 do Código de Processo Penal. Um dos casos abordados em sala foi de relatoria na Sexta Turma do professor Schietti, que avocou para a Corte Superior a oportunidade de filtrar as etapas do procedimento como cogentes, destituindo o caráter de mera recomendação que era interpretado pelos Tribunais a quo, em sede do HC n. 598.886/SC.
O caso tratava de Habeas Corpus impetrado pelos pacientes V. da S. G. e I. T. F., condenados a pena de cinco anos e quatro meses de reclusão, em regime inicial semiaberto cumulado com multa, por terem estado incursos no art. 157, § 2º, inc. II, do Código Penal. Para ambos, o reconhecimento fotográfico foi alicerce probante para a condenação; para um deles havia a prova do reconhecimento como único elemento capaz de relacioná-lo ao delito em tela, sendo que durante a circunstância do crime o infrator estava encapuzado e a vítima tinha baixa visibilidade de sua fisionomia, o que Em uma das aulas de Processo Penal na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, matéria ministrada no IDP pelo Professor Rogério Schietti Cruz, houve a discussão sobre alguns julgados da Corte da Cidadania que cuidam do reconhecimento de pessoas sistematizado no verbete legal do art. 226 do Código de Processo Penal. Um dos casos abordados em sala foi de relatoria na Sexta ensejou a sua absolvição no STJ.
Durante a aula, o professor provocou-nos a questionar a incidência do art. 226 do CPP e o valor do reconhecimento enquanto elemento de prova hábil para a condenação criminal de uma pessoa que, como único artefato probatório, repousa contra si um reconhecimento feito sem apego às diretrizes ora veiculadas pela Resolução n.º 484/CNJ e sob a circunstância de um delito que é cometido à clandestinidade e em lapso temporal geralmente curto e de difícil identificação[1].
A redação do artigo prevê:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
O artigo em questão trata sobre o procedimento de forma clara e unívoca. Para que o reconhecimento de pessoas atinja o resultado almejado sem prejuízo à higidez do procedimento, qual seja, prover elemento probatório de identificação da autoria que permita ao julgador estabelecer em livre convencimento motivado relação quanto à pessoa do infrator e o fato criminoso[2], é indispensável que se proceda à integral aderência ao roteiro normativo exposto.
O reconhecimento, como muito bem lembrado em sede doutrinária e jurisprudencial da Corte, precisa obedecer o figurino estabelecido pela norma processual, sob pena de vulnerar o estado de liberdade do acusado/indiciado/réu/condenado sem que o lastro probatório esteja em conformidade com a gravidade da pretensão punitiva do Estado que há de ser definida pelo contexto probante.
Na condição de ato probatório exercido no âmbito processual e pré-processual, lembra Aury Lopes Jr. que o reconhecimento “[T]rata-se de uma prova cuja forma de produção está estritamente definida e, partindo da premissa de que – em matéria processual penal – forma é garantia, não há espaço para informalidades judiciais.” (JR., Aury L. Direito Processual Penal – 22ª Edição 2025. 22. ed. Rio de Janeiro: SRV, 2025. E-book. p. 596.) Persistindo a necessidade de se estabelecer o ato como um sucedâneo processual que pode apenas suplementar a pretensão estatal de comprovar a autoria de fato delituoso, nunca reconstituí-la solitariamente como único elemento de prova[3], a questão que permanecia em aberto por interpretação equivocada, salvo melhor juízo, era sobre a hermenêutica que deve ser conferida ao art. 226.
Muitos Tribunais tinham o hábito de conferir à regra caráter meramente recomendatório. Ou seja, quando o ato de reconhecimento de pessoa, fotográfico ou presencial, fosse efetuado sem conformar o parâmetro da prova produzida ao itinerário do codex processual, isso não ensejaria a nulidade do ato por ser uma questão menor de aderência opcional do julgador ao quanto tabulado na lei processual.
No voto, em contrariedade a tal entendimento, o Ministro assentou as seguintes afirmativas sobre a natureza do procedimento e as circunstâncias que o circunda:
Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de “mera recomendação” do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório. (HC n. 598.886/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 27/10/2020, DJe de 18/12/2020).
A partir do julgamento deste Habeas Corpus pela Sexta Turma e do RHC n. 206.846/SP pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, o parâmetro legal fixado passou a ser o de previsão cogente do procedimento do art. 226, sendo o ato de reconhecimento de pessoas balizado pela adesão às etapas procedimentais vinculativas do CPP e, quando não garantida a sua observância estrita, a nulidade resta evidenciada, conservando eventual condenação somente se esta estiver calcada em outros meios de prova sobre a autoria do delito (HC n. 712.781/RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti). Isso alterou o cenário que estava posto de insegurança jurídica quanto à viabilidade processual da prova que aduzia a autoria delituosa sem ser limitada a um caminho metodológico fiscalizável em um dos quatros momentos elementares da prova (postulação, (in)admissão, produção e valoração). Se a prova tem uma falha metodológica no momento de sua produção, logo ela não pode constituir fundamento idôneo para subsidiar édito condenatório que exige um grau de certeza maior sobre a comissão de delito punível pelo Estado (princípio do in dubio pro reo).
A despeito da evolução jurisprudencial encabeçada pelo STJ e disciplinada pela Resolução n.º 484/CNJ, é notória a situação de que o procedimento de reconhecimento de pessoas e fotográfico pode enveredar, e muitas vezes envereda, uma problemática com contornos raciais.
O racismo perpassa todos os variados tipos de circunstâncias afeitas à ordem social[4], inclusive a circunstância do processo penal. O processo de criminalização protagonizado pelo paradigma do labeling approach reputa ao indivíduo etiquetado a insígnia de perigoso, desviante e criminoso[5], ou seja, aquele corpo estratificado que é tido como um risco à coesão social sofre as consequências de um Estado Penal que vindica a sua existência como uma fonte de conflito às bases epistêmicas de uma sociedade que não amadureceu a abolição da escravidão enquanto ruptura ao paradigma desigual estabelecido pelo sistema escravista[6].
No âmbito do reconhecimento fotográfico, em que pessoas negras são submetidas ao crivo de um etiquetamento daquele arquétipo considerado perigoso[7], a possibilidade das memórias falsas adentra em combinação com a predisposição social de se assimilar a cor de pele como um elemento de suspeita que paira sobre a cabeça de boa parte da sociedade[8].
Como lembra Daniely Reis e Verônica Vasconcelos sobre o fenômeno do racismo sistêmico:
Segundo Magalhães (2020), está presente no inconsciente coletivo o etiquetamento daqueles considerados “marginalizados”. Preconceitos e estigmas exercem forte influência no momento do reconhecimento pessoal e tendem a ser potencializados quando não observados os procedimentos adequados, o que resulta em verdadeira afronta ao in dubio pro reo, uma vez que serão mais facilmente identificados aqueles que “tem cara de bandido”. (REIS, Daniely Soares dos; VASCONCELOS, Verônica Acioly de. O REFLEXO DO RACISMO SISTÊMICO NO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, [S. l.], v. 9, n. 10, p. 5980–5993, 2023. DOI: 10.51891/rease.v9i10.11880. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/11880. Acesso em: 17 jun. 2025).
Ao analisarmos os predicados do art. 226 do CPP, reparamos um recuo da jurisprudência anterior ao entendimento consolidado do STJ em admitir que o reconhecimento de pessoas, fotográfico ou presencial, está sujeito às mesmas problemáticas inerentes a todo e qualquer aparato social que se vê informado pelo racismo estrutural.
Ao facultar ao magistrado e à polícia o cumprimento do art. 226, olvidando-se o termo do caput “proceder-se-á pela seguinte forma” e emprestando-lhe um sentido que não tinha qualquer coerência com o texto legal, o que se teve, por bastante tempo, foi o direcionamento de um fenômeno de seletividade criminal que criava novas injustiças e erros judiciários que jamais poderiam ser reparados de forma efetiva.
O reconhecimento de pessoas, aliado ao uso de tecnologias que subsidiam o processo penal (in)formalmente como imagens de mídias sociais e fotos em fóruns públicos da internet[9], corrobora um problema já há muito previsto: o subjetivismo da atuação do Poder Público em incidir na prospecção de crimes aos quais não existia um esforço de sindicabilidade mínima do julgador em adstringir o reconhecimento realizado à hipótese legal.
Quando sujeitos ao controle da judicatura, os atos da polícia, infelizmente, são impassíveis de reprimenda nas instâncias ordinárias. Seja o Ministério Público como custos legis, seja a própria judicatura como garantidora de direitos do cidadão, o subterfúgio da política criminal como sucedâneo para a interpretação do art. 226 do CPP como “mera recomendação” cerceava a análise crítica das instituições sobre os procedimentos adotados na aferição da autoria delitiva.
A hermenêutica a ser aplicada ao artigo redunda não só um dever intransponível de se respeitar os direitos e garantias individuais, conforme aludido pelo Ministro Schietti que as provas com observância obrigatória do procedimento “[c]onstituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de “mera recomendação” do legislador”, como também de se garantir um processo penal minimamente democrático, que transmite àqueles que se veem sob seu jugo uma rota possível para o exercício de fiscalização de atos que não coadunam plenamente com a instrumentalização definida em lei.
Nas palavras do advogado e professor Aury Lopes Jr., o processo penal deve estar regrado a partir de uma legalidade estrita e objetiva, que não admite casuísmos e interpretações estigmatizantes que afrouxem as garantias previstas em lei ao acusado de um crime. Havendo a caracterização de um rol procedimental que demarca o rito de um reconhecimento de pessoas, não cabe ao intérprete da norma a classificação dos requisitos para eficácia do ato como mera recomendação do legislador, sob pena de asfixiar o caráter obrigatório que a própria lei impõe para os agentes que se prestam a sua aplicação. Acertou o Superior Tribunal de Justiça ao garantir a higidez dessa fase de produção probatória e mitigar, consequentemente, que o procedimento de reconhecimento fosse legado de uma tradição calcada na seleção racial de indivíduos a serem censurados pela força estatal sem que a sua culpa restasse provada com amplo grau de certeza.
[1] “Partindo dos estudos realizados por Real Martinez, Fariña Rivera e Arce Fernandez, Aury Lopes Júnior observa que há diversos fatores que modulam a qualidade da identificação, os quais não podem ser desconsiderados. O resultado do reconhecimento depende, pois, tanto da capacidade de memorização do reconhecedor quanto de diversos aspectos externos que podem influenciá-lo. Exemplificativamente: o tempo em que a vítima esteve exposta ao delito e ao agressor (tempo de duração do evento criminoso); a gravidade do fato; o tempo decorrido entre o contato com o autor do delito e a realização do reconhecimento; as condições ambientais (tais como visibilidade do local no momento dos fatos, aspectos geográficos etc.); a natureza do crime (com ou sem violência física, grau de violência psicológica etc.) (Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 493).” (HC n. 598.886/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 27/10/2020, DJe de 18/12/2020.)
[2] Na dicção de Aury Lopes Jr., o reconhecimento “[É] ato formal que visa a confirmar a identidade de uma pessoa ou coisa.” (JR., Aury L. Direito Processual Penal – 22ª Edição 2025. 22. ed. Rio de Janeiro: SRV, 2025. E-book. p. 596.)
[3] “O reconhecimento de pessoas tem uma fragilidade insuperável, inerente à falibilidade dos sentidos e da memória e ainda, da forma como é produzido (disciplina jurídica e práticas) no Brasil. Mas é preciso que se advirta: por mais qualificado que seja um eventual ‘protocolo’ de redução de danos, que incorpore as recomendações trazidas pela psicologia cognitiva, sempre haverá uma fragilidade inerente e insuperável no reconhecimento pessoal. Daí a cautela com que deve ser valorado, exigindo elementos externos de corroboração e jamais sendo a única (ou mesmo decisiva) prova usada para condenação. Também não é suficiente a rotineira fórmula empregada em muitos julgados: palavra da vítima + reconhecimento pessoal feito pela vítima = (in)suficiência probatória. Sublinhe-se: não há suficiência probatória para um juízo condenatório porque não se rompe com a circularidade ‘palavra da vítima’. É preciso outros elementos probatórios que corroborem a palavra da vítima (= reconhecimento feito pela vítima), para que se tenha uma qualidade epistêmica da prova com suficiência para sustentar um juízo condenatório racional e com um mínimo de confiabilidade. Portanto, mesmo melhorando muito a “forma” (e isso é imprescindível), o ponto-chave está na valoração: não se pode atribuir ao reconhecimento pessoal um valor decisivo, jamais. A fragilidade e a falibilidade da memória e dos sentidos humanos sempre estarão presentes.” (JR., Aury L. Direito Processual Penal – 22ª Edição 2025. 22. ed. Rio de Janeiro: SRV, 2025. E-book. p. 611.)
[4] Sobre o racismo estrutural, recorda Silvio Almeida que é “[…] uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’ com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional” (ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural?, Belo Horizonte: Letramento, 2018, p. 38-39).
[5] “A Criminologia crítica aponta para o labeling approach (FIGUEIREDO DIAS, Jorge; COSTA ANDRADE, Manuel. Criminologia – o homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra, 1992. p. 42) como essa atividade de etiquetamento que sofre a pessoa e tal fenômeno pode ser perfeitamente aplicado ao processo penal. O labeling approach, como perspectiva criminológica, entende que o self – a identidade – não é um dado, uma estrutura sobre a qual atuam as “causas” endógenas ou exógenas, mas algo que se vai adquirindo e modelando ao longo do processo de interação entre o sujeito e os demais. Nesse panorama, o processo penal assume a atividade de etiquetamento, retirando a identidade de uma pessoa, para outorgar-lhe outra, degradada, estigmatizada. É claro que essa estigmatização é relativa e não absoluta, na medida em que varia conforme a complexidade que envolve a situação do réu (o observador na visão da relatividade de EINSTEIN) e a própria duração do processo. Não há dúvida de que tanto maior será o estigma, quanto maior for a duração do processo penal, especialmente se o acusado estiver submetido a medidas cautelares. O processo penal constitui o mais grave status-degradation ceremony. Como explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade (Criminologia, cit., p. 350), o conceito de cerimônia degradante foi introduzido em 1956, por H. Garfinkel, como sendo os processos ritualizados em que uma pessoa é condenada e despojada de sua identidade e recebe outra, degradada. O processo penal é a mais expressiva de todas as cerimônias degradantes.” (JR., Aury L. Direito Processual Penal – 22ª Edição 2025. 22. ed. Rio de Janeiro: SRV, 2025. E-book. p. 97).
[6] “[…] O controle por parte das agências policiais estatais se desenvolveu como um prolongamento do controle senhorial e continuou a incidir, sobretudo, em face de escravos e ex-escravos, enxergados pelo aparato policial a partir do signo inafastável da suspeição” (WANDERLEY, Gisela Aguiar, Filtragem racial na abordagem policial: a “estratégia de suspeição generalizada” e o (des)controle judicial da busca pessoal no Brasil e nos Estados Unidos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 135, v. 25, 2017, p. 189-231
[7] “A ideia de identidade bandida tem a finalidade de definir a identidade social construída sobre a figura dos negros, a partir da difusão da criminologia no Brasil. A noção assinala uma identidade criada historicamente por um grupo que, a partir de supostas características biológicas, psicológicas e morais, apontadas pelos pressupostos da criminologia, designa outro grupo. Dessa forma, a identidade bandida é colocada para um grupo social (neste caso os negros) por outros agentes externos a esse mesmo grupo, sendo reconhecida por meio de caracteres físicos, em especial, pela cor da pele, designando, em consequência, aspectos de suspeição e periculosidade inatas.” (TERRA, Livia Maria. Negro suspeito, negro bandido: um estudo sobre o discurso policial. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2010, p. 79 e 128, grifos próprios)
[8] ABADE, Laerth de Jesus; MORAES, Sarah Pinheiro; LEONEL, Juliano de Oliveira. RACISMO ESTRUTURAL NA ÓTICA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA: UMA ANÁLISE SOBRE O RECONHECIMENTO DE PESSOAS. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, [S. l.], v. 9, n. 5, p. 4510–4530, 2023. DOI: 10.51891/rease.v9i5.10296. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/10296. Acesso em: 17 jun. 2025.
Também é importante mencionar que o exercício do controle social também encontra um lastreamento multifacetado não só no reconhecimento pessoal realizado em sede policial e judicial, que elege o corpo racializado como o suspeito ideal em um procedimento desraigado até recentemente, como também no dia a dia do policiamento ostensivo. É comum nas regiões periféricas do Distrito Federal, a título de exemplo empírico, que policiais militares em ronda ostensiva tirem fotos de suspeitos de crimes que supostamente praticam delitos na região e mostrem a outras vítimas, acumulando deste modo um banco de dados para conferência informal de uma nova prova contra determinado indivíduo, com o objetivo expresso de “tirá-lo de circulação”, alimentando um ciclo vicioso de reconhecimentos falhos sem idoneidade procedimental mínima.
[9] Sobre o tema do emprego de dados de mídias sociais, o professor Rafael de Deus Garcia explorou tangencialmente em sua tese de doutorado a problemática inerente ao uso de informações disponíveis às autoridades para fins aos quais não estavam previstos anteriormente. Aduz na tese: “A relação do dado com o seu contexto permite um controle melhor do uso que se faz de dados sensíveis, vindo a impedir, ou pelo menos minimizar, o mau uso ou abuso do dado no futuro. O contexto em que o dado foi produzido ou coletado está intimamente relacionado ao consentimento dado pelo titular do dado. O próprio consentimento dado para exposição de imagens em mídias sociais, por exemplo, não pode ser interpretado fora de contexto, como se a possibilidade de utilização por terceiros, para qualquer finalidade, de imagens pessoais em modo público e expostas nas mídias sociais fosse irrestrita.” (GARCIA, Rafael de Deus. Processo penal e algoritmos: o Direito à privacidade aplicável ao uso de algoritmos no policiamento. 2022. 270 f., il. Tese (Doutorado em Direito) — Universidade de Brasília, Brasília, 2022.)

