Marchando com as Margaridas

por AJUP Roberto Lyra Filho

*Por Elma de Oliveira Araujo, Matheus Zchrotke da Silva e Pâmella Ponte Santana

1 MARCHA DAS MARGARIDAS DESDE O INÍCIO 

Para conhecer o movimento da Marcha das Margaridas é importante começar a entender qual a sua história, desde a escolha do nome que carrega até a organização do primeiro ato no ano 2000. 

A Marcha das Margaridas é um grande marco de referência acerca do protagonismo feminino presente nas mais diversas lutas políticas em variados momentos históricos do Brasil. Sendo uma ação estratégica das mulheres do campo e da floresta e integrando a agenda permanente do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR), a Marcha é realizada desde 2000 e possui relevante caráter formativo, de denúncia e pressão juntamente de proposição e diálogo. Coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), pelas 27 Federações de Trabalhadores na Agricultura (FETAGs) e pelos mais de 4 mil Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs), e por várias organizações de mulheres parceiras, a Marcha se consolidou como a maior e mais efetiva ação das mulheres da América Latina.

Primeiramente, o nome “Marcha das Margaridas” é escolhido em homenagem a Margarida Maria Alves, uma dirigente sindical que ocupou por 12 anos a presidência do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alagoa Grande, no Estado da Paraíba, rompendo com o sistema tradicional de poder ao ocupar um espaço predominantemente masculino. No período que na presidência do sindicato foram movidas mais de 600 ações trabalhistas contra usineiros e donos de engenhos na região da Paraíba, o que resultaria em ameaças e atentatos contra à sua vida, e infelizmente, no seu assassinato em 12 de Agosto de 1983, na frente de sua casa, de seu marido e de seu filho. De maneira que, como consta no portal do Transformatório das Margaridas, Margarida é uma lembrança viva de coragem e dedicação à luta das mulheres por terra, trabalho, igualdade, justiça e dignidade, e a escolha de seu nome para o movimento é tanto uma homenagem quanto uma denúncia. 

Assim, o primeiro ato do movimento que carrega o nome de um símbolo da luta  dos movimentos sociais do campo e, principalmente, da força das mulheres, acontece no ano de 2000, no mês de Agosto para lembrar o mês em que Margarida Alves foi assassinada. A primeira marcha, que acontece em um contexto de adoção do modelo neoliberal pelo Governo Brasileiro, leva como lema “2000 razões para marchar contra a fome, a pobreza e a violência sexista” e seus eixos de discussão incluíram os temas afirmados na Carta da Marcha Mundial (Gomes da Silva, 2008). Importante ressaltar que a Marcha das Margaridas inspira-se na Marcha Pão e Rosas que aconteceu no Quebec, Canadá, repercutiu nos movimentos de mulheres por diversos lugares ao redor do globo, como por exemplo na Marcha Mundial de Mulheres. A marcha inicia-se buscando denunciar e criticar o neoliberalismo e seu impacto nas trabalhadoras rurais. 

A primeira Marcha das Margaridas contou com 20 mil trabalhadoras rurais reunidas em Brasília, e desde então o movimento se consolidou com sucesso e em 2023 irá para sua 7ª edição, acontecendo a cada quatro anos desde sua formação. A cada edição um documento político, que contém sua plataforma política e pauta de reivindicações,  é entregue ao governo federal para ser objeto de apreciação e resposta, juntamente do acontecimento de reuniões e negociações da pauta que compõem a agenda da Marcha das Margaridas em Brasília.  Desde 2007 a Marcha também realiza encontros anuais para atualizar a pauta e acompanhar os pontos negociados, chamados de Jornadas das Margaridas. Além disso, a Marcha das Margaridas produz uma pauta interna que é dirigida ao Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR), contendo pontos importantes e necessários para consolidação de relações justas e igualitárias dentro do movimento. 

A pauta da Marcha das Margaridas tem se articulado desde sua formação com plataformas políticas do movimento feminista e com o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSSCONTAG) (Gomes da Silva, 2008), sendo a plataforma política da Marcha formada por sete grandes eixos, desde 2011, quando a Marcha contou com um grande diferencial político, como apontado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, devido a interlocução com a primeira presidente mulher eleita no país, Dilma Rousseff. 

 

2 MARCHA EM MOVIMENTO: AS CONQUISTAS DAS MARGARIDAS

         Desde sua primeira marcha, o movimento possuía objetivos fundamentais, que se alteraram a partir das conquistas realizadas e da amplitude alcançada pela marcha. Ainda assim, seus objetivos políticos e eixos temáticos sempre estiveram concentrados, de maneira geral, no fortalecimento da mobilização sindical feminina de trabalhadoras rurais, na visibilização da contribuição econômica e social das mulheres do campo, na democratização das relações socias nos movimentos sobre a terra e nos espaços públicos, na denúncia da violência contra mulheres, no aperfeiçoamento das políticas públicas voltadas às trabalhadoras rurais a nível nacional e na construção de perspectiva crítica feminista ao desenvolvimento capitalista atual. (BARRETO; et al, 2019).  É, então, a partir desse rol de objetivos e intenções que a Marcha das Margaridas contabiliza suas conquistas, dividido-as nos seguintes critérios: documentação, acesso à terra, produção e agroecologia; educação; enfrentamento a violência; saúde; trabalho e previdência social. (REDAÇÃO MARCHA DAS MARGARIDAS, 2023)

Nas conquistas envolvendo a documentação, acesso à terra, produção e agroecologia, que abrangem a maior parte das conquistas institucionais, é possível verificar a criação, impulsionada pela marcha, de diversas políticas nacionais voltadas para efetivação da reforma agrária e registro civil de mulheres trabalhadoras no campo. A criação, em 2004, do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, com unidades móveis em todos os estados, pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário é um grande exemplo de uma conquista gerada a partir do início da marcha. Ademais, diversas portarias e instruções normativas foram emitidas pelo governo a fim de formalizar a relação de trabalho das mulheres no campo e garantir seus direitos como trabalhadoras. Exemplos que devem ser citados são: a criação, em 2008, do Programa de Apoio à Organização Produtiva de Mulheres Rurais; a criação, em 2013, da Política Nacional de Agroecologia Orgânica; a inclusão da abordagem de gênero na Política Nacional de Ater e da Ater para Mulheres; e a priorização às mulheres chefes de família no PNRA.

No âmbito da educação, a marcha foi frutífera em articular com o Ministério da Educação a construção de uma Coordenadoria de Educação do Campo, que organiza não apenas a educação feminina campestre, mas também todo a questão educacional em zona rural. Similarmente, também protagonizou a articulação do Grupo de Trabalho para a educação Infantil no Campo, que visa a construção de uma política de creches no campo.

No enfrentamento a violência, em resposta a demanda específica da Marcha, o Governo Federal, em 2007, instalou o Fórum Nacional de Elaboração de Políticas para o Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta, que atua continuamente até hoje. A Marcha também conquistou a especificação de políticas públicas de segurança para questões do campo, como a construção de diretrizes da Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres para a defesa de mulheres rurais e a entrega de Unidades móveis de atendimento às mulheres em situação de violência em zonas rurais e florestais.

Na saúde, a luta das margaridas resultou numa parceria com o Ministério da Saúde na criação do Projeto de Formação de Multiplicadoras(es) em Gênero, Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos, com foco na saúde reprodutiva e sexual da mulher do campo. Adicionalmente, o movimento foi responsável por reestruturar o Grupo Terra, cujo foco é construir a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta. Em relação ao trabalho e previdência, além das conquistas na questão documental, a marcha lutou e conquistou a manutenção da aposentadoria das mulheres do campo aos 55 anos e a representação do grupo na Comissão Tripartite de Igualdade de Oportunidades do Ministério do Trabalho. Numa ótica geral, o grupo impacta de maneira estratégica os setores sociais que buscam mudança, conseguindo, como explicitado, alterações legais, institucionais, sociais e econômicas relevantes para a vida e trabalho das mulheres do campo.

 

3 MARGARIDAS EM MARCHA: PELA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL E PELO BEM VIVER

A marcha deste ano, 2023, terá como lema “Margaridas em marcha pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver” como resposta ao retorno do cenário democrático no Brasil com a vitória do Presidente Lula. As ações ocorrerão no dia 15 e 16 de agosto e serão ações voltadas para a retomada da construção e efetivação de um projeto para o Brasil. Projeto este que desde há muito tempo vem sendo pensado pelas Margaridas, um projeto que legitima a democracia participativa, a pluralidade e a presença feminina nos espaços de grande importância política e social.

A maior marcha até então realizada foi a de 2019, que anunciava as “Margaridas na luta por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência”, com a presença de mais de 100 mil mulheres vindas de todos os lugares do país. A Marcha de 2019 foi organizada como resposta ao governo que se iniciava, governo que legitimou o neoliberalismo, o conservadorismo e o bolsonarismo, resultando em desmontes e inseguranças para todos, seja no campo, seja na cidade. Dessa maneira, as perspectivas para a Marcha de 2023 estão centradas na efetivação de um cenário democrático e justo, que mesmo com a presença do Presidente atual continua enfrentando problemas para a articulação e efetivação de políticas públicas.

Por esse motivo, a Marcha apresenta papel central na elaboração de políticas públicas voltadas às mulheres que sempre estiveram invisibilizadas. Mulheres de todos os estados, biomas e culturas do Brasil que ao se reunirem possibilitam o compartilhamento de experiências e resistências para a elaboração de um projeto que simbolize os anseios e os desejos daquelas que estão no campo, nas florestas e nas águas. Nessa perspectiva, a mobilização deste ano é construída sobre 12 eixos que dialogam entre si:

  1. Democracia participativa e soberania popular;
  2. Poder e participação política das mulheres;
  3. Autodeterminação dos povos, com soberania alimentar, hídrica e energética;
  4. Democratização do acesso à terra e garantia dos direitos territoriais e dos maretórios;
  5. Vida saudável com agroecologia e segurança alimentar e nutricional;
  6. Direito de acesso e uso da biodiversidade, defesa dos bens comuns e proteção da natureza com justiça ambiental e climática;
  7. Autonomia econômica, inclusão produtiva, trabalho e renda;
  8. Educação pública não sexista e antirracista e direito à educação do e no campo;
  9. Saúde, previdência e assistência social pública, universal e solidária; 
  10. Universalização do acesso à internet e inclusão digital;
  11. Vida livre de todas as formas de violência, sem racismo e sem sexismo;
  12. Autonomia e liberdade das mulheres sobre o seu corpo e sua sexualidade.

Através destes eixos é possível perceber o que já foi mencionado, a Marcha das Margaridas é uma luta coletiva e está articulada além das mulheres dos campos, das florestas e das águas, mas também com outros movimentos que defendem a justiça, a igualdade e a paz. Vale destacar, que mesmo com as ações centradas em dois dias a cada 4 anos, as práticas são constantes e a mobilização ocorre em todo o Brasil. O dia da Marcha, que neste ano ocorrerá no dia 16 de agosto, possibilita a visualização concreta da presença das mulheres nos espaços de contestação social, econômica e política, símbolos de resistência e de defesa da agroecologia, dos territórios, dos bens comuns e da soberania e autodeterminação dos povos. Por esse motivo, a mobilização e a presença na Marcha das Margaridas, seja de forma presencial, em Brasília, seja de forma virtual, com o impulsionamento das redes oficiais, doações e/ou quaisquer outro tipo de ajuda (podem ser encontrados nos canais de comunicação oficial), são imperiosas e necessárias, para a reconstrução do Brasil e pelo bem viver.

Assim, fica evidente que “Margarida não morreu, ela está brotando sementes cada dia mais “. Posto isso, que “Sejamos todas sementes de Margarida Alves”.

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Elma de Oliveira Araujo: Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Membra do projeto de extensão AJUP Roberto Lyra Filho (Assessoria Jurídica Universitária Popular) e membra do projeto Cravinas ambos da Faculdade de Direito da UnB.  Editora assistente da Revista dos estudantes de Direito da Universidade de Brasília (RED| UnB). Membra do Conselho de Representantes da Faculdade de Direito. 

Matheus Zchrotke da Silva: Graduando em Direito pela Universidade de Brasília. Membro do projeto de extensão AJUP Roberto Lyra Filho (Assessoria Jurídica Universitária Popular) e membro do projeto de extensão Hermenêutica (Sociedade de Debates da UnB) ambos da Faculdade de Direito da UnB. Ex-Assessor de Negócios na AdvocattA, Empresa Júnior de Direito na UnB. Ex-membro do Conselho de Representantes da Faculdade de Direito durante 2021 e 2022. Ex-membro voluntário do Projeto Tutouros, projeto de tutoria voluntária gratuita para alunos do Ensino Fundamental da rede pública do DF.

Pâmella Ponte Santana: Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília. Membra do projeto de extensão AJUP Roberto Lyra Filho (Assessoria Jurídica Universitária Popular), membra do projeto de extensão JUSDIV (Escritório Jurídico para Diversidade Étnica e Cultural), sediados na Faculdade de Direito da UnB. Assessora de Gestão de Pessoas na AdvocattA, Empresa Júnior de Direito da UnB. Membra do Grupo de Estudos Candango de Criminologia (GCCRIM). Já foi monitora de História do Direito Brasileiro, com a professora Bistra Stefanova Apostolova,  monitora de Teoria Geral do Direito Privado com a professora Ana de Oliveira Frazão, e atualmente monitora de Direito dos Contratos com o professor Angelo Gamba Prata. Ex- Primeira Secretária do Conselho de Representantes e Ex-membra da Comissão Eleitoral do CADir em 2022.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, Vilênia Venâncio Porto; TEIXEIRA, Anna Carolina Carvalho Batista; GUEDES, Camila Guimarães. MARCHA DAS MARGARIDAS 2023: Pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver. Brasília: SECRETARIA DE MULHERES TRABALHADORAS RURAIS, 2023. Disponível em: https://cfemea.org.br/images/PDF/Marcha_das_Margaridas2023.pdf. Acesso em: 8 ago. 2023.

BERRETO, Lívia; TOZZI, Verônica; AGUIAR, Vilênia Venâncio Porto; FERNANDES, Barack. REVISTA DA MARCHA DAS MARGARIDAS 2019. Brasília, Novembro 2019. Disponível em: https://ww2.contag.org.br/documentos/pdf/ctg_file_1482403031_28112019110949.pdf. Acesso em: 8 ago. 2023.

REDAÇÃO MARCHA DAS MARGARIDAS. O que é a Marcha das Margaridas. Brasília: Marcha das Margaridas, 2023. Disponível em: https://transformatoriomargaridas.org.br/?page_id=139. Acesso em: 8 ago. 2023. 

SILVA, Berenice Gomes da. A MARCHA DAS MARGARIDAS: resistências e permanências. Orientador: Profa. Dra. Berenice Alves de Melo Bento. 2008. 172 p. TCC (Mestrado em Sociologia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: http://transformatoriomargaridas.org.br/sistema/wp-content/uploads/2015/02/Disserta%C3%A7ao_Berenice_jul20081-1.pdf. Acesso em: 8 ago. 2023.

SILVA, Maria Cláudia Ferreira da. Marcha das margaridas. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2014. Disponível em: http://www.memoriaemovimentossociais.com.br/sites/default/files/publicacao/marchamargaridas_versao_completa_para_web.pdf. Acesso em: 8 ago. 2023.

RAMOS, Cesar. Margaridas seguem marchando em preparação à Marcha das Margaridas 2023. Brasília: CONTAG, 10 fev. 2022. Disponível em: https://ww2.contag.org.br/margaridas-seguem-marchando-em-preparacao-a-marcha-das-margaridas-2023-20220210. Acesso em: 8 ago. 2023.

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