A remição de pena constitui um instrumento jurídico crucial para a redução do tempo de encarceramento de indivíduos condenados à pena privativa de liberdade, fundamentado na realização de atividades laborais e educacionais que colaboram com a reinserção social do apenado. Regulada pela Lei de Execução Penal (LEP), essa prática reflete os princípios de ressocialização e dignidade humana, sendo frequentemente ampliada por interpretações jurisprudenciais dos tribunais superiores.[1]
Mais do que um simples instituto de redução de pena, a remição é uma manifestação concreta de direitos fundamentais, conjugando a própria justiça punitiva e direitos humanos em um contexto marcado por desafios no sistema carcerário brasileiro.
A seguir, passaremos a trabalhar aspectos indispensáveis para a compreensão das modalidades de remição de pena pelo estudo e pelo trabalho.
REMIÇÃO DA PENA PELO ESTUDO
- Cálculo da Redução: O artigo 126, § 1º, inciso I, da LEP estabelece que a cada 12 horas de atividades educacionais, distribuídas em no mínimo três dias, reduz-se um dia da pena.
- Abrangência de Níveis Educacionais: A remição aplica-se a todos os níveis de ensino, incluindo fundamental, médio, superior, cursos profissionalizantes e até pós-graduações. Atividades na modalidade a distância são aceitas, desde que comprovadas por documentação oficial. A expansão do ensino a distância abriu novas possibilidades para que mais apenados se beneficiem desse mecanismo, possibilitando um maior acesso à educação no cárcere.[2]
- Reconhecimento de Exames Nacionais: Aprovações em exames como o ENEM ou Encceja podem gerar remição. Esses exames são uma porta de entrada para estudos superiores, incentivando a continuidade do aprendizado após o encarceramento.
- Benefício Adicional por Conclusão de Etapa Educacional: O artigo 126, § 5º, da LEP estabelece que a conclusão de uma etapa educacional, como ensino médio ou superior, aumenta o tempo remido em um terço. Por exemplo, a conclusão do ensino médio pode implicar uma redução adicional de dias proporcional ao tempo já remido. Essa previsão reflete o reconhecimento do esforço de superação de barreiras educacionais no contexto prisional, muitas vezes marcado por limitações estruturais.[3]
REMIÇÃO DA PENA PELO TRABALHO
- Cálculo da Redução: Nos termos do artigo 126, § 1º, inciso II, da LEP, a cada três dias trabalhados, reduz-se um dia de pena.
- Compatibilidade com o Regime Prisional:A modalidade de remição laboral é aplicável a apenados em regimes fechado e semiaberto.
- Local de Realização do Trabalho: A Súmula nº 562 do STJ dispõe que trabalhos realizados intramuros ou extramuros são válidos para fins de remição. Essa flexibilidade é importante para incentivar parcerias entre o sistema prisional e empresas ou organizações externas.[4]
- Diversidade de Atividades Laborais: Todas as formas de trabalho, remuneradas ou voluntárias, são válidas, desde que documentadas.[5]
- Finalidade Ressocializadora: Diferentemente das relações trabalhistas formais, a remição pelo trabalho foca na ressocialização, dispensando formalidades contratuais e priorizando a capacitação do apenado para reinserção social. O objetivo maior é preparar o indivíduo para o convívio social, reduzindo, consequentemente, os índices de reincidência criminal.
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Os mecanismos de remição pelo estudo e pelo trabalho são ferramentas imprescindíveis para a ressocialização de pessoas em cumprimento de pena, possibilitando a redução da população carcerária, tendo em vista a humanização do sistema prisional brasileiro. A aplicação efetiva desses mecanismos, fundamentada nos preceitos legais e na interpretação mais favorável ao apenado, reforça o compromisso do Estado com uma política criminal orientada pela educação, pelo trabalho e pela dignidade da pessoa humana.
Coluna “Direitos Humanos no Cárcere”: Texto 10
Autor: Professor na pós-graduação em Ciências Criminais na Universidade Candido Mendes. Autor da coluna Direitos Humanos no Cárcere – Portal Jurídico dos Estudantes de Direito (UnB). Especialista em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS. Graduado em Direito pela PUC-Rio.
[1] STJ, HC n° 312486/SP, Sexta Turma, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, j. 09/06/2015, DJe 22/06/2015.
[2] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: Teoria Crítica. 5.ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.
[3] EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. REMIÇÃO DE PENAS. APROVAÇÃO PARCIAL NO ENCCEJA. POSSIBILIDADE. ART. 126 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. RECOMENDAÇÃO N. 44/2013 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CÁLCULO. ADEQUAÇÃO. NECESSIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. I – A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II – O Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação n. 44 de 26/11/2013, que, em seu art. 1º, inc. IV, regulamentando o § 5º do art. 126 da Lei de Execução Penal, dispõe sobre a possibilidade de remição por aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão de ensino fundamental (ENCCEJA). III – A Lei n. 9.394/1996, em seu art. 24, I, estabelece que a carga horária mínima anual para o ensino fundamental corresponde a 800 horas, cuja duração para os anos finais é de quatro anos; conclui-se, assim, que o total da carga horária mínima para todo o ensino fundamental será de 3.200 horas. IV – Destarte, considerando como base de cálculo 50% da carga horária definida legalmente para o ensino médio, 3.200 horas, ou seja, 1.600 horas, divide-se o total de horas por 12, encontrando-se o resultado de 133 dias para a aprovação no ENCCEJA, desprezando-se a fração. V – In casu, como a paciente obteve aprovação em apenas 1 das 5 áreas de conhecimento, deve-se dividir os 133 dias por 5 áreas, o que corresponde, desprezando-se a fração, a 26 dias de remição por cada uma delas, no caso apenas uma, o que dá direito aos 26 dias a serem remidos. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reconhecer o direito da paciente à remição de 26 dias, em razão de sua aprovação em 1 área de conhecimento do ENCCEJA. (STJ, HC n°541321/SC, Quinta Turma, Relator: Leopoldo de Arruda Raposo, j. 10-12-2019, DJe 17-12-2019)
[4] EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) REMISSÃO. REGIME SEMI-ABERTO. TRABALHO EXTERNO. POSSIBILIDADE. ILEGALIDADE MANIFESTA. (3) WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário. 2. O enfrentamento de teses jurídicas na via restrita pressupõe que haja ilegalidade manifesta, relativa a matéria de direito, cuja constatação seja evidente e independa de qualquer análise probatória. 3. Hipótese em que há flagrante ilegalidade a ser reconhecida. O artigo 126 da Lei de Execuções apenas exige que o condenado esteja cumprindo a pena em regime fechado ou semiaberto, mas não determina o local em que o apenado deverá exercer a atividade laborativa. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para, afastado o entendimento de que não se aplica a remição ao trabalho realizado fora do estabelecimento prisional, determinar que o juízo da execução reaprecie o pedido do paciente de remição da pena, ajuizado enquanto ele se encontrava no regime semiaberto. (STJ, HC nº 219772/RJ, Sexta Turma, Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 15-08-2013, DJe 26-08-2013.)
[5] Considerando também que a LEP não exige que o trabalho realizado seja contínuo, duradouro ou organizado, deve ser admitida a remição mesmo pela prestação de trabalho esporádico ou ocasional, ainda que voluntário e não remunerado. Basta que haja o registro, em planilha, dos dias trabalhados. De fato, a lei não faz restrições quanto à forma, à natureza ou à duração da prestação laborativa, não podendo o intérprete limitá-la em desfavor do indivíduo. (ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: Teoria Crítica. 5.ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021)