Escrita por Matias Scolaro[1]
Há certo tempo, o sistema Judiciário é recorrentemente veiculado aos canais de imprensa de forma midiática e intensa. A questão, contudo, não se trata da publicização realizada pelos canais de comunicação, presentes diariamente nos noticiários e revistas. Tal publicidade, inclusive, é fundamentada no artigo 220 da Constituição Federal, além de constituir base no princípio da publicidade dos atos da administração pública (art. 37) e do Judiciário (art. 93, IX). Essa reflexão se trata, portanto, da discussão que envolve a divulgação ou não de processos e elementos judiciais, mas sim a novela pela qual o Judiciário, em especial o STF, tem passado ao longo dos últimos anos.
Desde o julgamento do mensalão (AP 470/DF), o Supremo Tribunal Federal tem sido exposto (e se expondo) a uma série de críticas que pouco ajudam a imagem do Judiciário perante a opinião popular. Há juristas que defendem a ideia de que pouco ou nada importa o que a população pensa acerca do Judiciário, e faz parte do jogo democrático. Mas, sobre isso, o ex-ministro da Suprema Corte Marco Aurélio de Mello discorda. Nas palavras do juiz, quando decano da corte em 2020: “acho que o tribunal precisa se recolher, sair da vitrine” (Brígido, 2020).
Nos últimos anos, especialmente em 2025, a Suprema Corte tem estado presente diariamente nos veículos de mídia, o que desperta um sintoma preocupante. Em avaliação recente pelo Instituto Datafolha, 36% dos entrevistados definem o trabalho do STF como ruim/péssimo (FOLHA, 2025). Nesse viés, nos cabe entender o cenário de um ponto de vista mais profundo, e tentar encontrar um sentido que indique uma justificativa sobre a valoração negativa com a qual o STF se encontra perante a opinião pública.
Julgamentos de grande apreço popular estão cada vez mais constantes no STF, o que justifica a atuação midiática em cima da Suprema Corte. Sobre isso, Novelino destaca:
Julgamentos de grande repercussão que despertam o interesse do público e da mídia costumam estampar manchetes de jornais e revistas, ser objeto de editoriais, de debates no rádio e na televisão, além de intensamente comentados nas redes sociais. É natural que esses casos de alta saliência social e/ou midiática despertem algum tipo de receio quanto à reação da sociedade e criem um ambiente inóspito para a atuação judicial (2014, p. 172).
Os casos de grande repercussão normalmente estão ligados a agentes políticos do Executivo e Legislativo, ou a pautas que atingem a religiosidade e a moralidade de grande parte da população. Em casos como o do mensalão, por exemplo, a Corte julgou o processo, de acordo com alguns juristas, de forma célere, sem o respeito ao devido processo legal. Em uma reportagem de 2007 da Folha de São Paulo, publicada pela jornalista Vera Magalhães, tratava de um telefonema do então Ministro Ricardo Lewandowski sobre sua atuação na ação penal do mensalão. No telefonema com um interlocutor, Lewandowski reclamou de suposta interferência da imprensa no resultado do julgamento que decidiu pela abertura de ação penal 470. De acordo com o Ministro, “a imprensa acuou o Supremo” e “todo mundo votou com a faca no pescoço” (Magalhães, F. de São Paulo, 2007).
A fala do Ministro indica um impacto relevante do cenário público sobre temas de grande repercussão julgados no STF. Tamanho foi a repercussão do Mensalão acerca da atuação midiática sobre a Corte que o próprio Ministro Celso de Mello destacou, em seu voto de minerva sobre a admissibilidade dos embargos infringentes, especial atenção:
[…] os julgamentos do Supremo Tribunal Federal, para que sejam imparciais, isentos e independentes, não podem expor‐se a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e da pressão das multidões, sob pena de completa subversão do regime constitucional dos direitos e garantias individuais e de aniquilação de inestimáveis prerrogativas essenciais que a ordem jurídica assegura a qualquer réu mediante instauração, em juízo, do devido processo penal (Brasil, 2013).
O destaque do voto do Ministro Celso de Mello, somado ao noticiário envolvendo toda a Suprema Corte, aproximou o público do poder Judiciário e afetou o comportamento dos ministros perante a opinião popular. Conforme destaca Borges e Romanelli, os conflitos jurídicos e políticos possuem forte influência da mídia. Com isso, o STF passou a ter uma maior visibilidade no cotidiano das pessoas, provocando assim diferentes desdobramentos em relação à imagem e percepção do Judiciário (Borges; Romanelli, 2016).
Contudo, a superexposição não ocorreu apenas no caso do Mensalão. Mais recentemente, a Lava Jato foi o foco dos jornais. Primeiro com o então Juiz Sérgio Moro, em instância inferior e a novelização acerca das prisões diárias que ocorriam dos investigados. Posteriormente, as condenações bateram à porta do STF, que concluiu suspeita a atuação do Juiz Sérgio Moro por meio do HC/PR 164.493 (2021), anulando, portanto, todos os atos decisórios praticados pelo magistrado no âmbito da Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, incluindo os atos praticados na fase pré-processual.
Os respingos da Lava Jato ainda seguem. Com o recente anúncio de aposentadoria do Ministro Roberto Barroso, o tema voltou à tona nos jornais: “Sucessor de Barroso, que será indicado por Lula ao STF, deve herdar casos da Lava-Jato” (O Globo, 2025), “Lava Jato e ADPF das Favelas: os processos que o substituto de Barroso herdará no STF” (Carta Capital, 2025), dentre outros.
Mais recente ainda, o mundo fixou a atenção no julgamento e condenação dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado por meio da Ação Penal (AP) 2668, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Desde o início da investigação até a condenação, houve uma extensa e midiática atuação com, inclusive, transmissão do julgamento e comentários por parte dos meios de comunicação e especialistas do ramo jurídico, como no caso da CNN Brasil, UOL e vários outros, tratando o julgamento como um verdadeiro evento.
Mas toda essa exposição deve nos fazer refletir sobre uma questão: O STF virou uma vitrine do espetáculo?
A verdade é que é difícil definir se essa superexposição do Supremo Tribunal Federal é positiva ou negativa. Por um lado, as exibições e a publicidade das atividades do STF e do judiciário em geral ficaram mais acessíveis ao público, firmando um compromisso fundamental com a transparência, mas por outro lado, os holofotes e a exposição exagerada dos ministros podem gerar conflitos que originariamente não existiriam (Borges; Romanelli, 2016).
De acordo com Lunardi, o cumprimento de uma decisão está intimamente ligada ao fato de como a sociedade reagirá. Isso porque, segundo ele, se a opinião popular entender que a Corte está aquém ou se está decidindo de maneira contrária aos preceitos populares, ocorrerá uma descredibilização do Judiciário e do STF por parte da sociedade, o que implicaria em graves consequências para a democracia e para o próprio Estado de Direito (Lunardi, 2021).
É, portanto, fundamental entender que a opinião popular tem influência na atuação dos ministros da corte, maximizada pela mídia, seja de maneira direta ou indireta, e muitas vezes espetacularizada. Isso é um sintoma da forte atuação midiática, mas também faz parte de uma tendência deste século das Cortes Internacionais, que cada vez mais estão presentes nas mídias e nos canais de comunicação. É necessário que o Supremo aja com cautela nesses novos tempos, para que a Corte não se confunda com uma vitrine que se molda aos gostos e desgostos do público.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORGES, Fernanda da Silva; ROMANELLI, Sandro Ballande. Supremo espetáculo: aproximações sobre as imagens públicas do STF. Mediações: Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 21, n. 1, p. 199–235, 2016. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/24619. Acesso em: 15 out. 2025. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2016v21n1p199
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. “AP 470: ministro Celso de Mello vota pelo cabimento de embargos infringentes”. Notícias STF. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/ap-470-ministro-celso-de-mello-vota-pelo-cabimento-de-embargos-infringentes/. Acesso em:14 de outubro de 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 164.493, Paraná. Relator: Min. Edson Fachin. Redator do acórdão: Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 09 mar. 2021. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5581966>. Acesso em:14 de outubro de 2025
BRÍGIDO, Carolina. STF precisa se recolher, sair da vitrine, defende Marco Aurélio Mello. Época / O Globo, 21 jul. 2020. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/epoca/carolina-brigido/coluna-stf-precisa-se-recolher-sair-da-vitrine-defende-marco-aurelio-mello-24590784>. Acesso em: 14 out. 2025.
CARMO, Wendal. Lava Jato e ADPF das Favelas: os processos que o substituto de Barroso herdará no STF. CartaCapital, São Paulo, 11 out. 2025. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/justica/lava-jato-e-adpf-das-favelas-os-processos-que-o-substituto-de-barroso-herdara-no-stf/ >. Acesso em: 15 out. 2025.
FOLHA. Piora a avaliação do Congresso Nacional e do STF. Datafolha / Folha, 15 ago. 2025. Disponível em:<https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniao-e-sociedade/2025/08/piora-a-avaliacao-do-congresso-nacional-e-do-stf.shtml>.Acesso em: 14 out. 2025.
LUNARDI, Fabrício Castagna. Comportamento estratégico do STF nas questões de interesse governista: ativismo judicial ou prudência?. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 123, p. 177–210, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.9732/2021.v123.734. Acesso em: 15 out. 2025.
MAGALHÃES, Vera. “Tendência era amaciar para Dirceu”, diz ministro do STF. Folha de S. Paulo, São Paulo, quinta-feira, 30 ago. 2007. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc3008200702.htm. Acesso em 15 de outubro de 2025.
NOVELINO, Marcelo. O STF e a opinião pública. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n. 54, p. 155-170, out./dez. 2014.
SOUZA, Mariana. Sucessor de Barroso, que será indicado por Lula ao STF, deve herdar casos da Lava Jato. O Globo, Rio de Janeiro, 10 out. 2025. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/10/10/sucessor-de-barroso-que-sera-indicado-por-lula-ao-stf-deve-herdar-casos-da-lava-jato.ghtml>. Acesso em: 15 out. 2025.
[1] Graduando do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Membro do corpo editorial da Revista Avant. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9368786366159579 . E-mail: artigosmatias@gmail.com

