Escrito por Anthony Mendes Martins [*]
RESUMO
A atual constituição brasileira é a segunda maior em extensão do mundo, perdendo apenas para a Índia. Com duzentos e cinquenta artigos e seis tratados internacionais com força de emenda constitucional, este documento rege os conflitos de interesse dos grupos que integram uma sociedade. Nesse sentido, é relevante analisar sua construção, evolução, os principais dispositivos e algumas informações da sua história. De forma simples e numa linguagem para que todos entendam, o presente artigo busca apresentar os principais pontos, esclarecer sua estrutura, desenvolvimento, disposições-chave, visando uma compreensão ampla e acessível da Magna Carta.
CONTEXTO HISTÓRICO POLÍTICO
O regime ditatorial militar começou no Brasil em 1964. Entretanto, buscando manter a sensação de normalidade, os representantes do Governo Militar redigiram o texto da Constituição Federal de 1967, aprovado pelo Congresso Nacional e Senado Federal sem alterações substanciais[1]. Assim, o regime fabricou a imagem de proteção aos direitos e a representação da população, mas, ao mesmo tempo, estabeleceu uma nova ordem onde o poder Executivo tinha prioridade sobre os outros dois poderes, provocando uma clara centralização no Presidente da República, que poderia criar os Atos Institucionais (AI), mediante aprovação das forças armadas. Essas normas estavam acima da Constituição Federal e legitimaram as ações políticas do governo militar, conferindo-lhe poderes além dos constitucionais. Ademais, as eleições para presidente, governador e prefeitos passam a ser indiretas, com escolha feita por um Colégio Eleitoral, diminuindo a participação do povo.
Após o aumento da insatisfação popular, motivada pela longa permanência dos militares no poder e o início da crise econômica, o então presidente Ernesto Geisel (1974-1979) promoveu a abertura política. Processo que seria, segundo ele, “lento, gradual e seguro”. Assim, em 15 de janeiro de 1985, o regime militar chega ao fim com a eleição do presidente Tancredo Neves e em 27 de novembro de 1985, por meio da emenda constitucional 26, foi convocada a Assembleia Nacional Constituinte para elaborar o novo texto constitucional.[2]
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Após longos 21 anos do regime militar (1964-1985), uma nova Constituição Federal era necessária para proteger os direitos civis, políticos e sociais, além de atender às necessidades da realidade material do povo. Desta forma, em 1986 aconteceram eleições para deputados e senadores que iriam compor o Congresso Nacional. Na época, foram eleitos 559 parlamentares que participaram da Assembleia Constituinte nos dois anos seguintes, contando com oito comissões e vinte e quatro subcomissões. O Congresso Constituinte teve, de fato, início em 1º de fevereiro de 1987, presidido por Ulisses Guimarães.
As propostas discutidas eram elaboradas tanto por grupos de cidadãos do país quanto por setores já previamente organizados, como empresários e latifundiários. Esses grupos, por meio de lobbies (mecanismo de pressão econômica e política), polarizaram o debate sobre temas cruciais e controversos, como a reforma agrária, a duração dos mandatos eletivos, a estrutura do Estado, os poderes atribuídos às forças armadas, bem como o acesso à educação e à saúde. Ao todo, foram 72.719 propostas de cidadãos de todo o país e outras 12 mil sugestões dos constituintes e dos setores organizados.
Após meses de trabalho, a Assembleia Constituinte aprovou o texto final da Constituição em 22 de setembro de 1988 e em 5 de outubro Ulysses Guimarães bradou “Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia e da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra!”[3]. A partir desse momento a Constituição Cidadã passou a valer e o retorno da democracia iniciou-se, marcando um novo período histórico longe da ditadura.
IMPORTÂNCIA E AVANÇOS DA NOSSA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Embora a nossa Constituição seja criticada por atribuir ao Estado muitas responsabilidades nos eixos econômicos e assistenciais, é inegável o significativo avanço para a democracia e o exercício da cidadania no país, direitos negados durante vinte e um anos da ditadura militar. Esse novo arcabouço jurídico-institucional estabelece normas que asseguram o sufrágio universal, concedendo o direito de voto a analfabetos e jovens entre 16 e 17 anos, e introduzindo o sistema de eleições majoritárias em dois turnos para cargos executivos de relevância. Essas disposições refletem o compromisso do Estado brasileiro com a promoção da justiça social e a proteção dos interesses democráticos da população.
Entretanto, segundo José Murilo de Carvalho (2009), as liberdades formalmente garantidas nas democracias contemporâneas, embora importantes, não servem se não observadas na prática. Para ele, significativo número de indivíduos são sistematicamente impedidos de exercer a cidadania, por conta das assimetrias de poder e condições materiais (sexo, raça e classe). Assim, no Brasil, a má qualidade da educação, a oferta inadequada do serviço de saúde e saneamento, e as grandes desigualdades sociais e econômicas não permitem que todos os cidadãos exerçam plenamente a cidadania.
A correção dessas imperfeições pode, para muitos, consistir em realizar reformas políticas ou implementar todos os dispositivos sociais previstos na Constituição. Independentemente do caminho adotado, o fortalecimento da democracia no Brasil exige não apenas tempo, mas também compromisso contínuo com a inclusão, a equidade e a efetivação dos direitos garantidos em lei.
DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS
- Da Iniciativa popular
A inclusão desse dispositivo na Constituição de 1988 ocorreu como resposta às demandas da sociedade por maior envolvimento nos processos decisórios. Para que um projeto de lei de iniciativa popular seja considerado pelo Legislativo, é necessário o apoio de, no mínimo, um por cento do eleitorado brasileiro distribuídos em, pelo menos, cinco unidades federativas (artigo 61, §2 º da Constituição Federal de 1988).
- Da Separação dos poderes
O artigo 02 da Constituição Federal estabelece que os poderes da União são independentes e harmônicos entre si. Onde o poder Executivo é responsável por administrar os dispositivos públicos, podendo em determinados casos executar e fiscalizar as leis (artigos 76 a 91), o poder Legislativo deve elaborar leis e fiscalizar o Executivo (artigos 44 a 75) e o poder Judiciário deve aplicar as leis e resolver conflitos, conforme a Constituição Federal (artigos 92 a 126).
- Das Emendas constitucionais
As emendas constitucionais são procedimentos formais que possibilitam alterações na Constituição Federal, visando sua atualização com os novos paradigmas sociais. Elas começam como Propostas de Emenda à Constituição (PEC), tramitam nas respectivas comissões e nas duas casas legislativas. Se aprovada, torna-se parte da legislação. Entretanto, as Cláusulas Pétreas, elementos fundamentais da Constituição, são inalteráveis por essas emendas.
CONCLUSÃO
Entendendo a extensa trajetória e os obstáculos superados para moldar o Estado brasileiro como o conhecemos hoje, torna-se essencial enaltecer a democracia e rejeitar qualquer tentativa de retorno a regimes ditatoriais ou autoritários. É evidente que a Constituição Federal desempenha um papel crucial na manutenção de uma sociedade pacífica, organizada e equitativa, garantindo direitos e impondo deveres. Ela deve ser rigorosamente observada tanto pelos governantes quanto pela população. Os direitos que hoje temos assegurados são frutos de intensas batalhas e longos períodos de repressão, fatos que jamais devem ser negligenciados ou esquecidos.
[1] SITE DO SENADO FEDERAL. “Uma breve história das Constituições do Brasil”. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/noticias/especiais/constituicao25anos/historia-das-constituicoes.htm>. Acesso em: 18/03/2024.
[2] “O Fim da Ditadura Militar – Repensando a História” – Bernardo Kucinski. Editora Contexto. Ano: 2001
[3] Fonte: Arquivo do Congresso Nacional.
[*] Estudante de Ciências Sociais na Universidade de Brasília, com atuação em relações governamentais e comunicação política. Possui experiência em órgãos públicos e consultorias, com ênfase no acompanhamento do processo legislativo, elaboração de conteúdos técnicos e articulação institucional. É responsável pela Coordenadoria de Comunicação do Projeto Politeia, iniciativa de extensão universitária voltada à formação política e à simulação parlamentar. Tem interesse em políticas públicas, representação de interesses e regulação.

