Arbitragem e Anatel

A aplicação do método no setor público de telecomunicações no Brasil

por Submissões Independentes

Escrito por Beatriz Carvalho Wolski [*] 

 

As telecomunicações desempenham papel crucial na era da informação e, por conseguinte, no dia a dia da sociedade. No Brasil, o setor é marcado por diversas fases de transição que acompanham as mudanças tecnológicas emergidas nos últimos anos, resultando em uma sociedade interconectada. O Estado exerceu parte fundamental nesse decurso, influenciando a regulamentação e as negociações próprias ao setor.  

Foram reavaliados os conceitos e princípios de Direito Administrativo, segundo Lemes (2007), “com o objetivo de democratizar a Administração Pública, com a participação dos cidadãos nos órgãos de deliberação e de consulta e pela colaboração entre ente público e privado na realização das atividades administrativas do Estado” (Lemes, 2007, p. 51). Tal mudança ampliou o processo de privatização e diminuiu a atuação do Estado, possibilitando uma atuação mais eficiente da Administração.  

Nesse cenário surgiu a Lei nº 9.472, de 1997, nominada de Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Tal norma foi responsável pela quebra de paradigma do monopólio estatal nas Telecomunicações, liberação do mercado, e, sobretudo, a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A agência regulatória norteia como as empresas devem agir no ramo de Telecomunicações, atuando como órgão conceitualmente independente nas negociações, nos conflitos entre as operadoras de telefonia e destas com os usuários (Franco, 2017).  

Assim, na virada do século XXI, conformou-se no Brasil a participação do setor privado no âmbito de telecomunicações e delineou-se às concessionárias os regimes de concessão, permissão e autorização. Quanto ao regime jurídico de sua prestação, os serviços de telecomunicações classificam-se em públicos e privados. O controle estatal nas atividades deu-se pelo exercício do poder de polícia, característicos do Estado Gerencial (Franco, 2017, apud Fiorati, 2004). 

Para contextualizar, o regime privado está sujeito a regras mais flexíveis e com menor interferência da União na sua regulação, não havendo controle de tarifas (pratica-se preço). O serviço prestado no regime privado é outorgado mediante autorização, ato administrativo vinculado que faculta a livre exploração dos serviços e por prazo indeterminado, não havendo direito a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.  

Já o serviço de telecomunicações em regime público é sempre de interesse coletivo, com atribuição a sua prestadora de obrigações de universalização e de continuidade. Em princípio, é sempre objeto de um contrato de concessão, por prazo determinado, sujeitando-se a concessionária aos riscos empresariais, remunerando-se pela cobrança de tarifas dos usuários ou por outras receitas alternativas e respondendo diretamente pelas suas obrigações e pelos prejuízos que causar.  

Sob essa perspectiva, as únicas modalidades ainda incluídas no rol de concessão de serviço são as de telefonia fixa, denominada como serviço telefônico fixo comutado (STFC), destinado ao uso do público em geral. É no Contrato de Concessão que vamos encontrar a arbitragem nos termos de que dispõe a Lei n. 9.307/96 – Lei de Arbitragem Brasileira, alterada pela Lei nº 13.129/2015, que passou a autorizar expressamente a possibilidade de utilização da Arbitragem pela Administração Pública. 

A PROBLEMÁTICA NA CONCESSÃO DE TELEFONIA FIXA 

Atualmente, as concessões de STFC são detidas pelas operadoras Algar Telecom S.A. (“Algar”), Claro S.A. (“Claro”), Oi S.A. (“Oi”), Sercomtel S.A. (“Sercomtel”) e Telefônica Brasil S.A. (“Telefônica/Vivo”), sob regime de contratos que tem prazo de validade até 2025. 

Ocorre que, desde a assinatura dos contratos, as concessionárias vêm apresentando uma lista de eventos que teriam, em tese, desequilibrado as concessões nos últimos anos, podendo gerar saldos bilionários. 

Segundo relatam, são episódios que vão desde a troca do índice de reajuste do STFC em 2003, quando saiu-se do IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna) para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) e depois para o IST (Índice de Serviços de Telecomunicações); passando por aspectos da metodologia de cálculo do fator X; atrasos na liberação dos reajustes tarifários; até obrigações trazidas pelo Regulamento Geral do Consumidor1. 

Além disso, do ponto de vista firmado pelas operadoras, há um consenso de que os Contratos de Concessões estão se tornando economicamente insustáveis em razão do declínio do uso da telefonia fixa no Brasil. Devido a essa instabilidade, vem sendo requeridas medidas de rescisão contratual. 

De fato, com a ampla variedade de modernas opções de comunicação digital atualmente disponíveis, a telefonia fixa está perdendo popularidade no Brasil, tendência que segue o ritmo global.  

Foi determinado uma previsão contratual de um instrumento de arbitragem para resolver as divergências no caso da análise do equilíbrio econômico-financeiro. A Anatel informou que esperava, antes de entrar nos cálculos, “ter um sólido entendimento jurídico sobre o tema, já que esta seria uma questão fatalmente discutida em arbitragem, já que dificilmente a agência reconhecerá algum equívoco” (Possebon, 2019). 

Com o debate sobre futuro das concessões, também entra em pauta a relevante temática dos chamados “bens reversíveis”. São itens associados à execução dos serviços, tais como elementos de infraestrutura e aparelhagens, englobando torres, redes, dutos e antenas, entre outros recursos. Esses bens possivelmente foram repassados às empresas ou por elas adquiridos ao longo do período de concessão. 

Ao finalizar os contratos, há duas possibilidades quanto aos bens reversíveis. Na primeira situação, é necessário proceder com a devolução dos itens ao poder público. Já na segunda, os bens devem ser ressarcidos de acordo com as disposições contratuais correspondentes, desde que sua amortização ainda não tenha sido efetuada.  

O PROCESSO ARBITRAL DENTRO DO RAMO PÚBLICO DE TELECOMUNICAÇÕES 

O primeiro Termo de Compromisso Arbitral foi assinado entre a Anatel e a Telefônica/Vivo em junho de 2021.  Teve como finalidade análise da sustentabilidade da concessão, o equilíbrio econômico-financeiro, eventuais indenizações relativas a bens reversíveis não amortizados e outros itens, conforme informado pela Anatel2 

Em seguida, a Claro também aderiu um processo arbitral com a Anatel envolvendo concessão de STFC e o seu desequilíbrio econômico3. A Oi também teve proposta de compromisso arbitral aprovado pelo Conselho Diretor da Anatel4 

Nos processos arbitrais, os valores pleiteados em 2022 seriam de R$ 16 bilhões no caso da Oi; R$ 10 bilhões no caso da Telefônica/Vivo; e R$ 6,6 bilhões no caso da Claro (Silva; Roberto, 2023). 

Como se observa, o método da arbitragem tem sido aplicado pela Agência Reguladora como um instrumento fundamental para assegurar uma ampla, livre e justa concorrência entre as empresas que oferecem serviços de telecomunicações. 

Ao refletir sobre os motivos que encorajaram a busca pelo processo arbitral, podemos depreender que foi levado em consideração a defesa do interesse público. Consiste no alcance de uma solução amigável e eficaz, dotada de maior legitimidade, apta a ser cumprida, de pronto, pelas partes envolvidas.  

A celeridade e a objetividade no processo arbitral fazem com que seu emprego seja cada vez mais apropriado em contratos da Administração Pública. Segundo Morolla (2016, p. 22), da leitura do art. 8º, inciso II do Decreto 10.025, que dispões sobre a arbitragem na administração pública: 

Não resta dúvidas a respeito da preocupação em assegurar que o processo arbitral dentro de um período de dois a quatro anos, evitando, assim, que procedimentos arbitrais se prolonguem por tempo exagerado, em prejuízo do interesse público, tampouco sendo possível ser vislumbrada alguma prerrogativa para administração. 

Nesse sentido, ressalta-se que o compromisso arbitral celebrado com a administração pode limitar a capacidade das partes em optar livremente pelo sigilo nos procedimentos, em razão da sujeição ao princípio da publicidade5. Nesse ponto também se evidencia o princípio da transparência, ou seja, a divulgação de informações de interesse público independentemente de solicitações.  

As partes, além de se submeterem consensualmente ao juízo arbitral, tem a possibilidade de escolher previamente o terceiro árbitro que irá deliberar sobre o conflito. Essa medida promove maior participação no processo decisório, podendo o tribunal arbitral aceitar a submissão de manifestações de entidades públicas ou da sociedade civil organizada (desde que de forma objetiva e oportuna, por entidade com representatividade comprovada). 

Também, ressalta-se que o dever de revelação rege a indicação do árbitro, devendo ser ampla a apuração sobre sua independência e imparcialidade diante dos fatos.  

O CENÁRIO ATUAL 

Apesar dos esforços para se solucionar a questão da concessão de telefonia fixa através do procedimento arbitral, recentemente a empresa Vivo anunciou que iria desistir da arbitragem em curso, uma vez que teria chegado em um acordo com a Anatel perante o TCU (Tribunal de Contas da União)6. No caso da operadora de telefonia Oi, foi alcançado um acordo preliminar no âmbito do TCU, que prevê, entre outros pontos, a continuidade do processo arbitral, com o prazo estipulado de dois anos para uma sentença arbitral7 

Em ralação a fornecedora Claro, o processo arbitral original, que corria na Câmara de Comércio Internacional (CCI), foi suspenso temporariamente, em setembro de 2023, tendo em vista um possível processo de pactuação por consenso no TCU. Contudo, em abril de 2024, foi autorizado pelo Conselho Diretor da Anatel a abertura de um novo procedimento, junto à Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Federal (CCAF), em busca de consenso com a operadora para a resolução de contendas sobre o fim da concessão de telefonia fixa8. 

Dessa forma, a arbitragem no cenário das telecomunicações brasileiras continuará e poderá ser determinante para uma possível mudança de paradigma. A negociação de todas as questões que envolvem o serviço de telefonia fixa indica a provável migração das atuais concessões em outorgas de serviços privados, com um encontro de contas para direcionar recursos para investimentos em redes.  

O FUTURO DA ARBITRAGEM NO SETOR DE REGULAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES 

A utilização da arbitragem nos contratos administrativos com o setor privado é um fato e uma disposição que tende a crescer ainda mais. Com o fim do STFC em regime público, a questão que fica em aberto é onde mais se apresentará o método de resolução de conflitos no setor de telecomunicações. 

Um dos domínios da Anatel que atualmente tem sido bastante debatido no âmbito nacional é o espectro de radiofrequência, que possibilita o estabelecimento de comunicação sem fios, caracterizado pela LGT como um bem público limitado e cuja administração compete à Agência.  

Acerca das responsabilidades próprias da Anatel, está a de outorgar o uso de radiofrequência, representada por atos administrativos que concedem autorização por tempo determinado.  

Nesse contexto, as soluções de arbitragem podem ser incorporadas visando à harmonização dos interesses públicos e privados em assuntos como a precificação das radiofrequências, a administração eficaz do recurso e a relação com os usuários dos serviços. 

Assim, o tema é de grande relevância para o cenário das telecomunicações brasileiras e os próximos passos dessa trajetória devem ser acompanhados. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BRASIL. Lei n. 9.307, de 23 set 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Diário Oficial da União, Brasília, 24 set 1996. 

BRASIL. Lei nº. 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº. 8, de 1995. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 de julho de 1997. 

FRANCO, C. R. Resolução de Conflitos ANATEL: A Problemática da Interconexão de Redes. Revista de Direito Brasileira, v. 17, p. 203-220, 2017. 

FREITAS, L. C.; PRADO, T. S.; SOUZA FILHO, A. L. de; MORAES, L. E. de; MOURA FILHO, R. N. de; STANZANI, J.; LIMA, R. C.; LÓPEZ. L. G. A.; BAIGORRI, C. M. Fundamentos para Desenho de Mecanismo de Fomento à Liquidez do Mercado Secundário de Espectro no Brasil. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações. Brasília, v. 12, nº 1, p. 187-204, maio 2020. 

LEMES, S. M. F. Arbitragem na Administração Pública: Fundamentos Jurídicos e Eficiência Econômica. 1 ed. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2007. 

MAROLLA, E. A arbitragem e os contratos da administração pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. 

OLIVEIRA, G. J. Especificidades do processo arbitral envolvendo a Administração Pública. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.  

POSSEBON, S. Desequilibrada e Insustentável, dizem as teles sobre concessão de STFC, 2019. Disponível em: < https://teletime.com.br/11/01/2019/desequilibrado-e-insustentavel-dizem-as-teles-sobre-o-stfc/>. Acesso em: 1/7/2024 

SANTIAGO, R. S. Arbitragem e Regulação: Uma Análise da Aplicação do Juízo Arbitral no Setor das Telecomunicações. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 6, p. 177-230, 2014. 

SILVA, R. B. F.; ROBERTO, S. W. E. Concessões de Telefonia Fixa e Arbitragem. São Paulo: Azevedo Sette Advogados, Telecom Series, 2023.  

[*] Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília.  

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