A ARBITRAGEM INTERNACIONAL E A AUTONOMIA JURÍDICA DAS TRANSNACIONAIS

PROCESSO ARBITRAL COMO BASE DA AUTONOMIA JURÍDICA DA COMUNIDADE MERCANTIL

por Submissões Independentes

Escrito por João Victor Caribé da Costa Carvalho [*]

I – INTRODUÇÃO

Na atualidade, vive-se um momento de intensa globalização, o que tornou o fluxo de informações e mercadorias extremamente rápido e flexível. Diante disso, relações entre Estados e entre empresas mostram-se cada vez mais complexas, porém não podem atrapalhar a transferência de dados e capital, portanto devem ser tratadas com absoluta celeridade, especialmente no que tange à solução de potenciais conflitos. Além disso, em um mundo interconectado, as consequências das decisões dos governos adquirem uma gravidade cada vez maior, podendo afetar o mercado a nível global (Oliveira Fornasier; Soares, 2020).

Nesse contexto, as empresas transnacionais buscam um modelo de resolução de conflitos que seja não só célere, mas também adaptável aos interesses dos agentes econômicos. A Justiça estatal, lenta e excessivamente burocrática, apesar de oferecer segurança e ser funcional, pode tornar-se empecilho para a fluidez das relações comerciais e produtivas, especialmente quando uma só empresa faz-se presente em múltiplos Estados, cada um com sua respectiva política e legislação econômicas. Por conseguinte, por ser um método desatrelado da tutela jurisdicional e baseado completamente na autonomia da vontade das partes, o instituto da arbitragem é o que mais tem agradado as multinacionais (Oliveira Fornasier; Soares, 2020).

A arbitragem faz-se útil a partir do momento em que as normas legais e doutrina jurisprudencial não conseguem acompanhar mais os institutos e regras comerciais. Deste modo, a arbitragem, como um meio de solução de conflitos arquitetado inteiramente pelas partes litigantes, justamente por não estar atrelada a ordens jurídicas defasadas, acaba sendo, na perspectiva do mercado, o modelo ideal de resolução de lides no meio internacional (FERNANDES; BORGES, 2018). Consequentemente, a evolução da arbitragem no meio internacional permitiu a criação de regras e doutrinas jurídicas inteiramente privadas, criadas pelas empresas e para elas, de forma que, pelo menos para as partes do processo arbitral transnacional, o acordado na convenção de arbitragem serve de lei suprema, superior até mesmo à dos Estados em que se situam (Oliveira Fornasier; Soares, 2020).

II – ARBITRAGEM NO CONTEXTO INTERNACIONAL

Primeiramente, é necessário conceituar a arbitragem e entendê-la em seus sentidos mais básicos, antes de aplicá-los no contexto internacional. Ela pode ser descrita como um método extrajudicial de solução de controvérsias, no qual, sem a intervenção do Estado, dá-se a alguém o poder de decidir um litígio, nos termos decididos pelas partes, que o fazem por via da convenção arbitral, um instrumento privado acordado que determina todo o processo da arbitragem (Carmona, 2003, apud Fernandes; Borges, 2018).

Desta forma, a arbitragem é um modo inteiramente privado de resolução de disputas, sendo construída com base na autonomia individual das partes e em seu consentimento. Em síntese, a arbitragem é um instrumento de resolução de lides inteiramente contratual, não podendo, contudo, ser aplicada em situações nas quais estejam envolvidos direitos indisponíveis (Campos, 2012, apud Fernandes; Borges, 2018).

No Brasil, a arbitragem é regida pela Lei 9.307/96, também conhecida como Lei da Arbitragem, a qual delimita a capacidade das partes (arbitrabilidade subjetiva) e litígio versando sobre direito patrimonial disponível (arbitrabilidade objetiva) como requisitos básicos para o estabelecimento de convenção arbitral (Brasil, 1996). A arbitragem possui várias classificações, porém, para os fins deste artigo, somente será trabalhada uma: a arbitragem internacional, que ocorre quando os elementos formadores da arbitragem estão localizados em Estados diferentes, isto é, mais de um país (Fernandes; Borges, 2018).

Conforme o Parágrafo único do art. 34 da Lei de Arbitragem, “Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.” (Brasil, 1996). Posto isso, segundo a mesma lei, o procedimento de homologação deve tramitar no STJ, que verificará a validade apenas de questões formais da arbitragem, como a capacidade das partes, a legitimidade da convenção e a adequação do processo e sentença arbitrais à convenção de arbitragem, jamais adentrando no mérito do litígio. Ademais, de acordo com o art. 39 da mesma norma, sentenças arbitrais podem ser denegadas por ofensa à ordem pública, ou falta da arbitrabilidade objetiva (Brasil, 1996).

III – VANTAGENS DA ARBITRAGEM

Explicadas as noções básicas sobre a arbitragem internacional, pode-se partir à análise de como esta afeta o cenário jurídico e socioeconômico transnacional. Nesse contexto, a arbitragem levou algumas décadas para ser plenamente reconhecida no Brasil, de modo que a aceitação de certos aspectos desta deu-se com atraso considerável, como se pode ver em:

“É possível verificar, portanto, que existe uma lacuna de tempo entre o planejamento, a aceitação e a prática desta e de outras convenções e tratados internacionais, principalmente no tocante ao comércio, provocando, em muitas situações, a promulgação de acordos ou normas internacionais já defasadas para o cenário atual.” (Oliveira Fornasier; Soares, 2020, p. 356)

Este atraso no reconhecimento da arbitragem não impediu, entretanto, sua popularização no meio comercial, já que apresenta uma série de características que a tornam mais conveniente, segura e satisfatória do que a Justiça Comum no que tange à resolução de disputas. No contexto arbitral, uma controvérsia não se prende ao ordenamento de um Estado, nem precisa sequer se fundamentar nas leis de algum país, podendo abandoná-las em favor da aplicação de regras costumeiras do direito comercial ou de quaisquer construções jurídicas que as partes acordarem entre si (Oliveira Fornasier; Soares, 2020).

Entre as vantagens da arbitragem sobre a Justiça Comum as quais se podem citar, para além da completa autonomia das partes, incluem-se a possibilidade de escolher árbitros altamente especializados no objeto da lide e a maior celeridade processual no geral. Deste modo, é possível escapar dos problemas que tipicamente assolam o Judiciário, como a lentidão e burocracia excessivas, em favor de um método que permita aos litigantes atingir mais rapidamente uma solução satisfatória e perfeitamente conformada aos seus interesses. Tudo isso pode ser notado em:

“Existem várias outras razões pelas quais se acaba recorrendo à arbitragem; dentre elas, por exemplo, evitar Judiciários estatais morosos, possibilidade de realização da arbitragem em um país neutro, optar por quem vai decidir a causa podendo inclusive ser um especialista da área, entre outros” (Oliveira Fornasier; Soares, 2020, p. 358).

Na realidade, pelo menos no contexto do comércio internacional, o Judiciário encontra-se em estado de crise, de forma que a arbitragem deixa de uma mera opção para resolução de conflitos e transforma-se em requisito implícito das relações mercantis, o que pode ser notado pelo fato de a grande maioria dos contratos internacionais serem acompanhados de cláusula compromissória arbitral (Fernandes; Borges, 2018).

Por fim, deve-se ressaltar também que a arbitragem, como instituto privado de resolução de conflitos, permite às partes escapar da pluralidade contraditória de ordenamentos ao redor do mundo. Diante do contexto atual de globalização, contratos comerciais têm adquirido um aspecto cada vez mais transnacional, afetando vários Estados simultaneamente. Deste modo, conflitos relativos a essas relações contratuais envolveriam várias legislações de países diferentes as quais podem discordar umas das outras, tumultuando e atrasando a resolução da controvérsia. Prolongar desta forma um litígio comercial pode resultar em consequências problemáticas para a economia e sociedade de várias nações, portanto a arbitragem, como meio privado de alcançar a Justiça, pode ajudar a evitar todas essas tribulações (Oliveira Fornasier; Soares, 2020).

IV – ARBITRAGEM E A NOVA LEX MERCATORIA

Delimitadas as vantagens e noções básicas da arbitragem internacional, é necessário explicar mais aprofundadamente de que maneira ela ajudaria a construir a autonomia jurídica dos entes comerciais e seria explorada por eles. Isso se dá principalmente pelo fato de os contratos comerciais internacionais desenvolverem-se, pelo próprio princípio da autonomia da vontade das partes, no sentido de fugir das normas estatais, recorrendo arbitragem como método de resolução de controvérsias (Leite, 2015).

A arbitragem pode ser vista como instrumento de autovalidação de contratos comerciais internacionais, na medida que reforça sua aplicabilidade e exequibilidade. Esses acordos seriam de natureza apátrida e tenderiam a não se submeter a ordenamentos estatais, de forma que sua legitimidade jurídica seria advinda dos costumes construídos cronicamente pela comunidade comercial internacional. Essas práticas e procedimentos do comércio internacional compõem a Nova Lex mercatoria e, por lhes faltar vinculação a um Estado, permanecem na periferia da aplicação do Direito (Leite, 2015).

É nesse contexto de marginalização jurídica das práticas comerciais que a arbitragem adquire sua importância, pois permite não só a aplicação prática de tais regras e costumes em um contexto juridicamente válido, mas também o desenvolvimento de uma doutrina e jurisprudência próprias da comunidade comercial. Deste modo, a Nova Lex mercatoria adquire maior profundidade e transforma-se em um verdadeiro ordenamento jurídico, o que se pode perceber pelo surgimento de instituições internacionais que a resguardam e pela criação de compêndios normativos que sistematizam. Tudo isso pode ser extraído de:

“À luz desse entendimento e da compreensão de Teubner, a arbitragem deveria ser considerada o centro da periferia no que diz respeito ao núcleo decisional dos contratos de comércio internacional. Ocorreria, então, um processo de re-entry, ou seja, de reimersão no próprio sistema jurídico, o que possibilitaria operar na periferia do sistema os códigos e programas integrantes do seu núcleo.” (Leite, 2015, p. 84).

As multinacionais, que realizam negócios a nível mundial, exploram essa aprofundada Nova Lex mercatoria, de modo que suas práticas comerciais naturalmente ultrapassam os limites e determinações estabelecidos por ordenamentos estatais. Nesse sentido, dá-se à arbitragem internacional, como meio de solução de conflitos alternativo à Justiça Comum, cada vez mais atenção, pois, como já foi dito, ela permite a concretização jurídica das regras que a comunidade comercial criou para si própria (Leite, 2015).

Em síntese, essas regras compõem o Direito Comercial Internacional, um ordenamento sem base estatal, feito pelas empresas e para elas. Os responsáveis por sua criação são os sujeitos típicos do comércio internacional, os quais, relacionando-se uns com os outros em um ambiente de igualdade e liberdade, constroem um sistema jurídico cuja fonte é a autonomia da vontade das partes. Neste caso, ainda que não possua Ius Imperium, já que não está vinculado a nenhum Estado, essa Nova Lex Mercatoria impacta significativamente a economia global, ditando a elaboração dos contratos comerciais que a regem (Sousa, 2013).

V – CONCLUSÃO

Diante do cenário de globalização, as relações não só entre Estados, mas principalmente entre os sujeitos privados do comércio internacional adquiriram uma complexidade crescente. Isso resultou no surgimento de novos desafios jurídicos, pois a legislação nacional nem sempre consegue acompanhar o desenvolvimento do mercado e o surgimento de novas práticas comerciais, ficando defasada, insegura, ineficiente, quase insustentável e inconveniente (Oliveira Fornasier; Soares, 2020).

A crise do sistema Judiciário, moroso e ineficiente, abriu caminho para que a arbitragem, mais célere e especializada, acabasse por se tornar o meio típico de solução de controvérsias no ambiente mercantil. Tal método adquire caráter internacional quando seus elementos estão em países diferentes, porém, por sua natureza privada, que permite às partes determinar todo o procedimento arbitral, inclusive a lei aplicável, a arbitragem pode esquivar-se de possíveis tribulações causadas pelo conflito entre as legislações de ambos Estados e entre estas e os interesses dos litigantes (Fernandes; Borges, 2018).

Utilizada autonomamente pelos sujeitos das relações mercantis, a arbitragem auxiliou na formação e aplicação da Nova Lex Mercatoria, uma espécie completamente autônoma e privada de direito, construída e sistematizada pelos próprios agentes do comércio internacional, sem fundamento estatal. Se não fosse pelo instituto arbitral, tal ordenamento permaneceria na periferia do mundo jurídico, sem qualquer legitimidade ou aplicabilidade prática (Leite, 2015).

Por conseguinte, a arbitragem, no contexto atual de globalização, permitiu aos grandes agentes do comércio internacional, isto é, as grandes empresas multinacionais adquirir maior autonomia jurídica em relação à Justiça Estatal. Por via da arbitragem internacional, pela livre escolha da legislação aplicável, é possível construir conceitos jurídicos próprios, os quais, entre as partes, servem de lei suprema, independente de qualquer Estado (Oliveira Fornasier; Soares, 2020). Em conclusão, surge uma ordem jurídica inteiramente privada, composta pelas empresas e para elas. Esse novo ordenamento, que só pode vir à tona por conta de sua aplicação no processo arbitral, é a máxima expressão da autonomia da vontade não só das partes dos litígios comerciais, como também de toda a comunidade mercantil transnacional (Leite, 2015)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASIL, Lei nº 9.307, de 23 de Setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Diário Oficial da União. Brasília, 23 de set. 1996.

FERNANDES, Almir Garcia; BORGES, Florença Drummond. A arbitragem internacional privada como método de resolução de disputas comerciais. Revista Jurídica, v. 21, n. 20, 2018.

LEITE, Guilherme Cardoso. Lex mercatoria, arbitragem internacional e democracia: reflexões acerca da utilização dos usos do comércio transnacional enquanto fundamento válido e democrático para a resolução de conflitos por meio da arbitragem internacional. Universitas Jus, v. 26, n. 2, 2015.

OLIVEIRA FORNASIER, Mateus de; SOARES, Fabricio Zambra. GLOBALIZAÇÃO E MEIOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: Da importância da arbitragem para as empresas transnacionais. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 21, n. 1, 2020.

SOUSA, Iñaki Carrera Paiva de. O Direito Comercial Internacional, a Arbitragem e a Lex Mercatoria. 2013. Dissertação de Mestrado. Universidade Catolica Portuguesa (Portugal).

[*] Estudante de Direito da UnB.

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