Escrito por Gabriel Cardoso Cândido
Em tempos de encarceramento em massa, políticas públicas sucateadas e naturalização da exclusão, precisamos nos perguntar o que o Estado tem feito com aqueles cuja dor e sofrimento psíquico escapa às normas e às leis.
Como o sistema de justiça trata os corpos e mentes que fogem da normalidade dominante? Até que ponto nossas práticas jurídicas deixam de cuidar para punir?
Essas perguntas não são retóricas. Elas atravessam a vida de milhares de pessoas que vivem no caldo social de sofrimento mental, pobreza e criminalização. Nesse ponto de colisão entre vulnerabilidade e controle, que a saúde mental deixa de ser uma questão de cuidado para se tornar um instrumento de controle social.
É cada vez mais urgente refletir sobre a maneira como o sistema jurídico lida com a diferença, sobretudo quando ela se expressa sob a forma de sofrimento psíquico. A perspectiva manicomial, que muitos creem que esteja superada, permanece viva, ainda que sob novas roupagens. O manicômio pode não ter mais muros altos, mas ainda existe, seja em alas prisionais, seja na invisibilidade forçada dos que não cabem nos modelos normativos.
O Brasil carrega feridas profundas, não cicatrizadas, de institucionalizações desumanizadoras. O chamado Holocausto Brasileiro, nome dado à tragédia ocorrida no Hospital Colônia de Barbacena, não é um fato isolado do passado, mas a ponta do iceberg de uma estrutura que normalizou o descarte humanos. O sistema penal, ao invés de romper com essa lógica, muitas vezes a perpetua de maneira sádica e cruel.
Enquanto advogado criminalista e pesquisador do sistema de justiça, vejo de perto como a legalidade pode ser usada para legitimar exclusões históricas.
A técnica, quando desprendida dos direitos humanos se torna um instrumento de barbárie. É preciso construir outra abordagem, que una rigor técnico e sensibilidade humana. Figuras como Nise da Silveira nos mostra que é possível romper paradigmas e propor práticas inclusivas e respeitosas de cuidado.
Falar de saúde mental no cárcere, de loucura e desvio, de exclusão e punição, é falar de nós mesmos: 1) do que aceitamos; 2) do que negamos; 3) do que punimos; 4) do que acolhemos.