Escrito por Valentina Neckel Schuelter [*]
Custas processuais são os valores que precisam ser pagos pelas partes envolvidas em um processo judicial a fim de custear os serviços prestados pelo Poder Judiciário, abrangendo despesas com atos processuais, desde citações e intimações até honorários periciais. O pagamento dessas taxas é requisito essencial à garantia indispensável à regularidade do processo, sendo necessário para que o mesmo tenha validade e possa seguir tramitando.
Os valores variam conforme a complexidade do processo e a tabela estabelecida por cada tribunal, não havendo um valor máximo fixo. No entanto, em Santa Catarina, o limite para custas iniciais é de aproximadamente R$ 6.740,22, com base na tabela de 2025. Assim, existem pessoas que não possuem condições de arcar com tais custos, e cujo acesso à justiça não deve ser comprometido por essa razão. É justamente para esses casos que pode ser concedida a Justiça Gratuita.
Justiça gratuita é um benefício que isenta pessoas de baixa renda do pagamento das custas e despesas processuais. A concessão da benesse se dá com base na insuficiência de recursos para arcar com os custos do processo sem prejuízo do sustento próprio e de sua família, conforme é previsto no Código de Processo Civil:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
Para obtê-la, a parte precisa apresentar uma declaração de hipossuficiência, que pode ser questionada pelo juiz caso existam elementos que comprovem a capacidade financeira de arcar com os custos. No entanto, é possível discorrer sobre a complexidade dessa situação, visto que o entendimento consolidado nos diferentes Tribunais quanto ao deferimento ou não do benefício difere entre si.
Para entrar na polêmica discussão sobre como definir quem ”merece” ou não a gratuidade de justiça, é interessante partir dos requisitos estabelecidos pela Defensoria Pública para comprovação da insuficiência de recursos para prestar assistência judicial de forma gratuita.
Conforme os parâmetros estabelecidos pela Defensoria, as pessoas consideradas necessitadas e que têm direito de receber a assistência do procurador dativo são aquelas que não têm condições de arcar com as despesas de um processo judicial sem que haja prejuízo ao sustento próprio ou de sua família.
Para isso, é preciso que o assistido atenda, sucintamente, às seguintes condições: renda familiar mensal não superior a 03 salários mínimos; não ser proprietária de bens cujos valores ultrapassem a quantia de 150 salários mínimos; não possua recursos financeiros em aplicações ou investimentos em valor superior a 12 salários mínimos.
Trata-se de um critério mais objetivo e direto para definir que a parte é hipossuficiente e, por isso, merece assistência judiciária de um advogado gratuitamente. Além disso, eles podem ser utilizados para dispensar a parte do pagamento das custas processuais também, visando a celeridade processual.
No entanto, o magistrado não está vinculado a esse critério no momento da decisão sobre o benefício. O Código de Processo Civil, no §3º de seu artigo 99, afirma que deve-se presumir verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. Ou seja, apenas uma declaração de hipossuficiência assinada pela parte seria suficiente para que ela não precisasse arcar com as custas, tendo a outra parte a possibilidade de recorrer, caso possua provas de que a situação financeira declarada não corresponda à realidade.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também compartilha desse entendimento, visto que em setembro deste ano decidiu no processo 0007079-20.2024.2.00.0000, por 8 votos a 6, com uma abstenção, que a declaração de hipossuficiência deve ser aceita como regra para a concessão da benesse em discussão, considerando que isso garantia uma maior efetividade ao direito de acesso à Justiça, em especial nas demandas envolvendo direito do consumidor.
Por outro lado, em um processo julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma decisão sob relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze no AgRg no AREsp 772.756 decidiu que a concessão da Justiça Gratuita não é presumida, mesmo na hipótese de a Defensoria Pública atuar como curadora especial, em caso de réu revel citado fictamente.
O ministro lembra, ainda, que a orientação jurisprudencial que define que “as guias de recolhimento e os respectivos comprovantes de pagamento do preparo são essenciais para a regularidade recursal, devendo ser comprovado o correto recolhimento no ato de interposição do recurso, sob pena de deserção”.
Ao analisar as decisões dos Tribunais de Justiça estaduais sobre o tema, fica claro como o entendimento não se torna em nada mais homogêneo. É o que é possível ver nos seguintes julgamentos de agravos de instrumentos relacionados à Justiça Gratuita:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. HIPOSSUFICIÊNCIA. COMPROVAÇÃO . AUSÊNCIA. INDEFERIMENTO. – O gozo do benefício da justiça gratuita deve ser concedido apenas àqueles que comprovem ser pobres, não sendo suficiente para tanto a simples declaração de pobreza de próprio punho – Não restando comprovada a hipossuficiência da parte infere-se que a manutenção da decisão que indeferiu o pedido de justiça gratuita é medida que se impõe – Recurso não provido. (TJ-MG – AI: XXXXX10666863001 MG, Relator.: Cabral da Silva, Data de Julgamento: 22/06/2021, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 01/07/2021) (grifo meu)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO INFIRMADA POR OUTROS ELEMENTOS. DIREITO AO BENEFÍCIO . DECISÃO DE INDEFERIMENTO INSUBSISTENTE. AGRAVO PROVIDO. O benefício da assistência judiciária não é concedido apenas aos miseráveis, mas também àqueles que estejam em situação econômica que não lhes permita pagar despesas processuais sem prejuízo de seu sustento ou do de sua família. Não havendo nos autos elementos que afastem a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência assinada pelo requerente (art . 99, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil), de rigor o deferimento do benefício. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: XXXXX20228260000 Piracicaba, Relator.: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 14/03/2022, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/03/2022) (grifo meu)
Ou seja, não há um entendimento consolidado entre os órgãos do Poder Judiciário quanto a qual critério utilizar para o deferimento do benefício. É possível partir do pressuposto de veracidade quando alguém afirma não possuir condições de arcar com os valores, ou é preciso um parâmetro de comprovação? Como equilibrar a necessidade de garantir o acesso à justiça e o dever de coibir pedidos fraudulentos?
Ainda mais polêmica foi a decisão da 7ª Turma do TRT da 2ª Região que negou a gratuidade de justiça à influenciadora por renda decorrente de publicações e visualizações em redes sociais. Para o juiz-relator do caso, Alex Moretto Venturin, a declaração de hipossuficiência juntada ao processo não traduz a real condição da trabalhadora. Com isso, condenou-a a pagar custas processuais no valor de R$7.905,04.
Assim, é possível sintetizar que a verdadeira discussão se dá em torno de até que ponto é possível presumir a veracidade de alguém que se declara hipossuficiente. É evidente que ninguém deseja despender de seus recursos, e é quase impossível definir o quanto a subtração de tal valor irá impactar a vida financeira de uma pessoa.
No entanto, a cobertura das custas, como visto anteriormente, é de extrema importância para o funcionamento do Poder Judiciário, e o deferimento do benefício para alguém que poderia arcar com o valor acaba prejudicando quem realmente terá que abrir mão de condições básicas para adimplir tais custas.
Ou ainda, mesmo que o benefício seja indeferido por não restar comprovada a hipossuficiência, a tramitação da análise do pedido também exige tempo e recursos, ambos valiosos para a celeridade processual e garantia da Justiça.
Portanto, é possível afirmar que se trata de uma questão polêmica e que seriam necessárias análises profundas para estabelecer padrões que não atrapalhassem o andamento dos processos e garantissem o benefício a quem realmente necessita.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AURUM. Custas processuais: o que são, como funcionam e como calcular. Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/custas-processuais/. Acesso em: 14 out. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 14 out. 2025.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). CNJ reconhece presunção de hipossuficiência e dispensa via administrativa prévia para propositura de demandas. Brasília, DF, 2024. Disponível em: http://www.oab.org.br/noticia/63414/cnj-reconhece-presuncao-de-hipossuficiencia-e-dispensa-via-administrativa-previa-para-propositura-de-demandas. Acesso em: 15 out. 2025.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Quem pode ser atendido. Florianópolis, 2025. Disponível em: https://defensoria.sc.def.br/quem-pode-ser-atendido. Acesso em: 14 out. 2025.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Acesso gratuito à Justiça: a vulnerabilidade econômica e a garantia do devido processo legal. Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/04102020-Acesso-gratuito-a-Justica-a-vulnerabilidade-economica-e-a-garantia-do-devido-processo-legal.aspx. Acesso em: 16 out. 2025.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS (TJMG). Agravo de Instrumento nº XXXXX10666863001. Relator: Cabral da Silva. Julgado em 22 jun. 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/1240175034. Acesso em: 18 out. 2025.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO (TJSP). Agravo de Instrumento nº XXXXX20228260000. Relator: Adilson de Araújo. Julgado em 14 mar. 2022. Disponível em: https://busca.tjsc.jus.br/buscatextual/integra.do?cdSistema=1&cdDocumento=185965&cdCategoria=1. Acesso em: 15 out. 2025.
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO (TRT-2). Justiça nega gratuidade a influencer por renda decorrente de publicações e visualizações em redes sociais. São Paulo, 2024. Disponível em: https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/justica-nega-gratuidade-a-influencer-por-renda-decorrente-de-publicacoes-e-visualizacoes-em-redes-sociais. Acesso em: 17 out. 2025
[*] Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Estagiária no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. E-mail: valentinaschuelter@hotmail.com.

