Por Ivanyr Nayara Mascena Veras* e Reginaldo Pereira de França Júnior**
Os(as) professores(as) inseridos na categoria de trabalhadores assalariados também sofreram diretamente com esses impactos, tendo sobrecarga de trabalho, processos de adaptação, além de se reinventar para manter o processo de ensino e aprendizagem, bem como a ligação entre professor e aluno.
Posto isso, a jornada de trabalho deixou de se restringir ao horário comercial e passou a se estender por longas horas, além de que o ambiente de trabalho e ambiente familiar passaram a coexistir, a sala de casa passou a ser sala de aula dando assim início ao home office e ao popularmente conhecido ensino remoto. Para isso, os(as) professores(as) passaram a realizar suas tarefas de forma até então inovadora, utilizando aparatos tecnológicos e plataformas digitais sem o devido preparo ou a disponibilização de condições materiais para esse fim. Neste caminho, os oportunistas de plantão – setores privatistas e eadistas, inclusive no interior das universidades públicas, têm aproveitado a conjuntura atual para arregimentar a educação aos ditames do mercado e da modalidade à distância, defendendo o que julgam como potencialidades do ensino remoto, de seu aspecto democrático e inclusivo, das ferramentas tecnológicas como facilitadoras do processo ensino-aprendizagem. Buscam uma sedução da sociedade em geral e o convencimento das comunidades acadêmicas de que é preciso se reorganizar, reinventar novas estratégias pedagógicas e se render ao “novo normal” ((PORTES; FERREIRA PORTES, SECCO FAQUIN, 2021).
Neste viés, o ensino remoto é apresentado pelo mercado como a uma dinâmica pedagógica, que nas palavras de (PORTES; FERREIRA PORTES, SECCO FAQUIN, 2021) induz o fetiche das ferramentas, das tecnologias e das plataformas digitais como a grande saída, desconsiderando a complexidade do cotidiano. Por este motivo, o modelo de ensino remoto não apresentou a eficácia esperada e por isso não foi aceito de forma positiva, visto que esse modelo de ensino apresenta fragilidades, o que propicia o enfraquecendo das formas de aprendizagem e a qualidade do ensino, assim, segundo a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), as propostas de Ensino Remoto Emergencial (ERE) apresentadas nas universidades do Brasil possuem visíveis fragilidades em suas bases legais e em seus pressupostos pedagógicos e de planejamento das atividades de ensino, acentuando as tendências à improvisação e à desqualificação do processo, responsabilizando individualmente a docentes e discentes por garantir o processo de aprendizagem (ABEPSS, 2021).
É necessário problematizar criticamente o ensino remoto, reconhecendo seu significado e suas implicações para o processo de formação profissional, além de considerar o conjunto de questões que impactam o processo de ensino e a aprendizagem, visto que esse modelo de ensino apresenta limites pedagógicos na interação entre os sujeitos, contribuindo para suas fragilidades e inconsistências. Tais limitações são induzidas pelo capital no processo de “plataformização da educação”, que ocorre pela intensificação e massificação das plataformas digitais na educação, sem evidenciar as limitações e riscos presentes (PORTES; FERREIRA PORTES, SECCO FAQUIN, 2021). É necessário destacar que essa plataformização é caracterizada, sobretudo, pela totalização da racionalidade neoliberal.
Ademais, a presença do modelo econômico neoliberal, favorece a dedicação exclusiva dos(as) trabalhadores(as), normatizando as horas excessivas de trabalho, a cobrança por conhecimento científico, além do desenvolvimento de funções administrativas, aumentando as demandas e corroborando para a precarização das condições de trabalho, bem como propicia o surgimento de problemas físicos e mentais relacionados ao trabalho, dentre as patologias que acometem os(as) trabalhadores(as), segundo Caldas et al. (2021) podemos destacar as mais comuns que são a síndrome de Burnout, estresse ocupacional e depressão, entre outras doenças mentais e comportamentais de um modo geral.
Também são comuns, ansiedade, depressão, doenças respiratórias, problemas musculares, dentre outras que podem ser desenvolvidas mediante as condições precárias de trabalho que impedem os(as) professores(as) de desempenhar seu trabalho com sua saúde assegurada.
É necessário levar em consideração um conjunto de fatores e condições de precarização do trabalho docente, além das responsabilidades e demandas. Acrescenta-se a isso o alto nível que o trabalho exige, as necessidades de estar sempre atualizado, bem como a carga emocional imposta. Essa categoria que já sofria com os processos de precarização passou por um processo de agudização desses problemas, de modo que a atuação profissional se tornou cada dia mais desafiadora, levando esses profissionais a entrarem em processo de adoecimento mental e exaustão.
Em pesquisa realizada por Lyra (2022) no instituto Nova Escola, juntamente com professores(as) da rede estadual, federal e municipal do país, aliado ao Instituto Ame sua Mente, constatou-se que 8.4% desses profissionais atestam estar com péssimas condições psíquicas, enquanto 13.0% atestam condições ruins de saúde mental. Ademais, a pesquisa também constatou que entre as regiões que apresentam maior incidência de casos considerados ruins ou péssimos, destaca-se o Centro-Oeste com 23.6%, Sudeste com 21.2% e Sul com 24.2% dos casos. Segundo a pesquisa, houve uma queda na proporção de educadores que consideraram a própria saúde mental como ruim ou péssima nos anos de 2020 e 2021, no entanto, o medo de retornar para a sala de aula triplicou no ano de 2022.
Para os entrevistados, a pandemia desencadeou problemas na rotina e no comportamento desses indivíduos, onde 48.1% alegaram baixo rendimento ou cansaço excessivo, 41.1% problemas com o sono, 60.1% sentimentos frequentes de ansiedade e 36.5% demonstraram sentimentos intensos de tristeza e fraqueza, além disso, 74% do(a)s professore(a)s entrevistados acreditavam que essas consequências permaneciam mesmo após a pandemia.
Isso indica um aumento significativo de problemas mentais durante a crise sanitária, esses(as) profissionais mesmo não se reconhecendo em processo de adoecimento, conseguiram identificar problemas de saúde que surgiram mediante o trabalho e sua precarização em meio à crise, assim como percebem que ainda carregam sequelas desse processo.
A precarização do trabalho docente nas universidades públicas é um fenômeno inerente ao sistema capitalista, sendo agravado pela pandemia da Sars-Cov-2. Através de uma ampla bibliografia e da utilização do método materialista dialético, esta pesquisa identificou os fatores que contribuem para a precarização do trabalho docente, bem como evidenciaram a acentuação do adoecimento mental dos docentes durante a pandemia.
Com efeito, os resultados apontam para a necessidade de políticas públicas que valorizem o trabalho docente e garantam condições adequadas de trabalho, bem como para a importância de se investir em estratégias de prevenção e tratamento do adoecimento mental dos docentes. Assim, é possível destacar as constantes transformações ocorridas nas instituições de ensino para atender as demandas governamentais que estavam associadas às alterações nas práticas pedagógicas que vieram com a transição do ensino presencial para o remoto.
É necessário pontuar que o cuidado com a saúde mental dos(as) educadores(as) precisa ser abordado como elemento crucial na elaboração de políticas públicas para modificar as condições de trabalho, traçando ações e estratégias que visem mitigar os impactos das modificações do mundo do trabalho e as possíveis implicações psicológicas provenientes da pandemia.
* Graduanda em Serviço Social pela UFCG, membra do LPCCJS.
** Doutor em Serviço Social pela UFSC e coordenador do LPCCJS.
Referências
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