Mobilidade Urbana e Legislação

por Projeto Politeia

Escrito por Luiz Eduardo Nogueira dos Santos [*]

Resumo

O presente artigo analisa a mobilidade urbana como uma política organizacional essencial, com ênfase nos desafios enfrentados nas grandes capitais brasileiras, como congestionamentos e falhas no transporte público. A discussão se apoia na Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 12.587/2012, destacando a garantia do direito de ir e vir, sobretudo para populações periféricas. Examina-se o impacto do planejamento urbano na mobilidade, com destaque para o contraste entre cidades planejadas, como Brasília, e suas regiões administrativas. A acessibilidade é tratada como eixo central, incluindo questões como barreiras físicas e o assédio no transporte público.

Palavras-chave: Mobilidade urbana; Direito à cidade; Transporte público; Planejamento urbano; Acessibilidade; Inclusão social; Políticas públicas; Lei nº 12.587/2012.

Introdução

A mobilidade urbana tem se consolidado como uma política organizacional essencial para o cotidiano das cidades, tanto no Brasil quanto no mundo. No entanto, nas grandes capitais brasileiras, persistem sérios desafios relacionados à locomoção diária. Engarrafamentos constantes, longos tempos de deslocamento e sistemas de transporte ineficientes são reflexo de uma má organização do trânsito. Assim, ir ao trabalho, à faculdade ou até mesmo retornar para casa torna-se, muitas vezes, uma experiência cansativa e desgastante.

Muito se fala, sobre a maior eficiência do transporte público coletivo em relação ao transporte individual, especialmente por sua capacidade de reduzir os congestionamentos e por contribuir com políticas ambientais, no tocante à preservação da qualidade do ar. Ainda assim, é necessário considerar as diferentes realidades enfrentadas por usuários dessas duas modalidades, analisando as percepções dos brasileiros e o que a legislação consegue respaldar sobre o tema.

Neste artigo, pretendemos analisar essas conjunturas, apresentando os impactos que a legislação exerce sobre a mobilidade urbana, abordando desafios, acertos, políticas públicas e inovações no país.

Mobilidade Urbana no Brasil

Entende-se por mobilidade urbana o conjunto de meios e condições que possibilitam à população deslocar-se pela cidade, exercendo seu direito de ir e vir. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 30, inciso V, estabelece ser competência dos municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo”. Já a Lei nº 12.587/2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana, dispõe em seu Art. 2º o direito universal à cidade, ou seja, o acesso facilitado aos grandes centros urbanos por todos aqueles indivíduos que necessitarem, sobretudo aqueles residentes de regiões periféricas distantes.

No entanto, como discorreremos no artigo, observa-se na contemporaneidade o descumprimento de tal premissa, haja vista vários brasileiros não terem esse “acesso facilitado” seja por falta de dinheiro para pagamento de tarifas, ou pela precarização do transporte público. Além disso, a lei 12.587/12, exige entre outras competências, que municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem um plano diretor voltado à mobilidade, priorizando transportes não motorizados e a concessão de transporte público conforme a realidade local.

À luz dessas legislações, surgiram as principais políticas públicas voltadas aos meios de locomoção, como ônibus, metrôs, trens urbanos, entre outros, com a finalidade de viabilizar o deslocamento diário dos brasileiros.

Nesse contexto, percebe-se a importância dessas normas na vida de milhões de pessoas que não possuem transporte individual, garantindo-lhes o direito de se locomover dos bairros periféricos até os centros urbanos, onde estão concentradas atividades como trabalho e estudo. Ainda que o transporte público seja essencial no cotidiano, o uso intenso e a alta demanda têm levado ao sucateamento dos veículos. Isso faz com que muitos, principalmente os de maior poder aquisitivo, optem por meios de transporte individuais em busca de conforto e agilidade.

Planejamento Urbano

No Brasil, destacam-se algumas cidades planejadas, como Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia e Aracaju. Brasília, por exemplo, é considerada um dos principais exemplos mundiais de planejamento urbano moderno, com projeto de Lucio Costa e arquitetura de Oscar Niemeyer. Todavia, esse planejamento não se estendeu com o mesmo rigor às regiões administrativas do Distrito Federal, como São Sebastião, Itapoã e Sol Nascente, que não foram construídas segundo um plano diretor. Essas regiões carecem de vias adequadas, faixas de pedestres, espaços para veículos maiores e passarelas, resultando em mobilidade precária e constantes engarrafamentos, sobretudo nos horários de pico.

De acordo com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), o principal objetivo do planejamento urbano é:

“Planejar e construir espaços que diminuam os problemas decorrentes da urbanização, como poluição, congestionamentos, impactos ecológicos e vazios urbanos”. (ABRAINC, 2022).

A partir disso, é possível entender a importância de um bom planejamento urbano. Afinal, o que determina a eficiência do tráfego de veículos e o respeito aos direitos dos pedestres são justamente as decisões urbanísticas. Nesse sentido, destaca-se a cartografia social, conceito que propõe a participação das comunidades historicamente marginalizadas no processo de elaboração dos mapas e planos urbanos. Ou seja, a periferia passa a ter protagonismo na produção de dados espaciais, considerando sua história, cultura, demandas e necessidades.

Acessibilidade no Transporte e no Trânsito

Ao tratar da mobilidade urbana como um direito, não se pode deixar de abordar a acessibilidade como um de seus pilares fundamentais. A Lei nº 12.587/2012, estabelece em seu Art. 4º, inciso III, que a acessibilidade consiste na “facilidade disponibilizada às pessoas que possibilite a todos autonomias nos deslocamentos desejados, respeitando-se a legislação em vigor”. No entanto, apesar desse princípio estar claramente previsto em lei, a realidade do transporte público brasileiro ainda apresenta barreiras físicas, estruturais e operacionais que comprometem a autonomia de pessoas com deficiência, idosos, gestantes e outros grupos com mobilidade reduzida.

A ausência de ônibus adaptados, de rampas de acesso, de sinalização sonora e tátil adequada, bem como a má conservação das calçadas e paradas de ônibus, são exemplos de como a acessibilidade ainda está longe de ser garantida de forma plena. A inclusão efetiva exige investimentos, planejamento e fiscalização para que o sistema de transporte urbano atenda a todos de forma igualitária. Além disso, políticas públicas voltadas à gratuidade ou subsídio do transporte para pessoas com deficiência também são mecanismos indispensáveis para promover justiça social e mobilidade democrática. Garantir acessibilidade não é um favor: é uma obrigação legal e um compromisso ético com a cidadania.

Ademais, ao tratar de acessibilidade e respeito, é fundamental destacar que a mobilidade urbana, sob a perspectiva das mulheres, representa uma luta diária contra o assédio e diversas formas de violência de gênero. De acordo com o Instituto Patrícia Galvão, 97% das mulheres já foram vítimas de assédio nos transportes públicos. Em meio à superlotação de ônibus e metrôs, abusadores aproveitam o aperto para cometer atos de assédio de forma dissimulada, muitas vezes sem que sequer a própria vítima perceba de imediato.

Em resposta a essa realidade, o Governo do Distrito Federal, em 2024, lançou a campanha “Assédio não tem passagem”, com o objetivo de combater essas práticas criminosas e encorajar as mulheres a denunciarem os agressores. A campanha reforçou que assédio sexual é crime, previsto na Lei nº 13.718/2018, que estabelece pena de reclusão de 1 a 5 anos para os autores. Além disso, medidas práticas vêm sendo adotadas em algumas regiões, como a disponibilização de ônibus e vagões exclusivos para mulheres no Distrito Federal e em outras unidades da federação, uma iniciativa que, embora paliativa, busca promover maior segurança e dignidade para as usuárias do transporte público.

Principais Protestos em Favor de Um Transporte de Qualidade

Em junho de 2013, o Brasil foi palco de importantes manifestações que impactaram decisões do governo federal. Dentre os movimentos, destacou-se o Movimento Passe Livre (MPL), que reuniu milhares de pessoas na reivindicação pela redução da tarifa de ônibus, que havia aumentado de Rs 3,00 para Rs 3,20, além da defesa da tarifa zero no transporte público.

Após os protestos, o movimento obteve vitórias importantes, como a reversão do aumento da tarifa em mais de 100 cidades. Antes das manifestações, apenas 14 municípios brasileiros adotavam a tarifa zero. Essa mobilização demonstrou que, apesar de a legislação garantir a oferta de transporte público, a realidade mostra um sistema precário, que frequentemente falha em atender as necessidades da população. É como afirma o professor de Direito da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior: “Só a luta garante os direitos do povo”. De fato, os avanços conquistados só foram possíveis por meio da mobilização popular.

Entre 2008 e 2013, também se verificou um aumento significativo nos preços dos aluguéis no estado do Rio de Janeiro, o que levou muitas pessoas a migrarem para regiões periféricas. Como destacou o pesquisador Erick Omena, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ:

“Na medida em que você aumenta o preço da habitação, você vai forçar as pessoas a irem para as regiões mais periféricas, que são mais distantes dos centros, que [é] onde estão a maior parte dos empregos. Portanto, o deslocamento casa-trabalho também vai aumentar.” (OMENA, Erick. Entrevista à Agência Brasil – 2023).

Diante disso, constatou-se que muitos trabalhadores levavam de 1h a 1h30min para chegar ao local de trabalho por meio do transporte público, prejudicando sua qualidade de vida em função do tempo excessivo gasto no deslocamento.

Por Uma Mobilidade Cada Vez Maior

Apesar dos avanços tecnológicos alcançados nos últimos anos no campo da mobilidade urbana, é fundamental manter o debate sobre o aperfeiçoamento contínuo dessas ferramentas, a fim de fortalecer o direito universal de ir e vir. Atualmente, muitos estados e municípios já contam com aplicativos que informam os itinerários dos ônibus, estimam os horários de chegada e fornecem dados úteis sobre as empresas operadoras. Além disso, alternativas sustentáveis como bicicletas e patinetes têm sido disponibilizadas em diversas cidades como formas complementares de locomoção.

Essas inovações representam, sem dúvida, um avanço, especialmente por reduzirem a sobrecarga no transporte público e incentivarem o uso de meios não motorizados, como previsto na Lei nº 12.587/2012, em seu inciso II. No entanto, é necessário ampliar o acesso a essas soluções, garantindo, por exemplo, a gratuidade no uso de bicicletas e patinetes compartilhados, principalmente para pessoas de baixa renda. Assim, essas ferramentas tecnológicas e sustentáveis poderão de fato contribuir para uma mobilidade mais inclusiva, eficiente e democrática.

Considerações Finais

Até aqui, caro leitor, mergulhamos em aspectos fundamentais da realidade brasileira no que se refere à mobilidade urbana. Foi possível observar como o Direito, embora estabeleça diretrizes claras sobre o tema, muitas vezes se distancia da prática cotidiana nas cidades. Sabemos que os municípios, especialmente os de maior porte, têm a obrigação legal de elaborar e executar planos de mobilidade urbana que atendam às necessidades da população. Constatamos também que o transporte público é uma peça central na organização do trânsito urbano, contribuindo para a redução dos congestionamentos e para a melhoria da qualidade do ar.

No entanto, essa mesma política pública carece de investimentos e aprimoramentos urgentes: é necessário enfrentar problemas como a superlotação, a escassez de veículos, os longos tempos de espera nos pontos e as tarifas elevadas em diversas regiões do país. A legislação existe, mas sua efetividade ainda depende de vontade política, fiscalização e, sobretudo, de um compromisso com a inclusão e o bem-estar da população.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 jun. 2025.

BRASIL. Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 jan. 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2012/lei/l12587.htm. Acesso em: 12 jun. 2025.

MATIAS, Átila. “Mobilidade urbana no Brasil“; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/mobilidade-urbana-no-brasil.htm. Acesso em 29 de abril de 2025.

BRASIL. Cartilha da Política Nacional de Mobilidade Urbana: Lei n.º 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Brasília: Ministério das Cidades / Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana, 2016. (Cartilha). Disponível em: […] (acesso em: 12 jun. 2025).

ABRAINC – Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias. O que é planejamento urbano e a sua importância para cidades do futuro. Disponível em: https://www.abrainc.org.br/sustentabilidade-e-urbanismo/2022/05/02/o-que-e-  planejamento-urbano-e-a-sua-importancia-para-cidades-do-futuro/. Acesso em: 12 jun. 2025.

AGÊNCIA BRASIL – EBC. Junho de 2013: entenda o cenário de insatisfação que levou a protestos. Brasília: Agência Brasil – EBC, 2 jun. 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-06/junho-de-2013-entenda-o- cenario-de-insatisfacao-que-levou-a-protestos. Acesso em: 12 jun. 2025.

PÚBLICA. Dos 20 centavos à tarifa zero: a jornada do MPL. São Paulo: Agência Pública, 7 jun. 2023. Disponível em: https://apublica.org/2023/06/dos-20-centavos-a-tarifa-zero-a-jornada-do-mpl/. Acesso em: 12 jun. 2025.

[*] Estudante do 4° semestre em Direito, na Universidade de Brasília. Na instituição, participa do projeto de extensão: Politeia, exercendo o cargo de coordenador da Coordenadoria Administrativa. Foi monitor da disciplina de IED 1.  É estagiário no Tribunal de Contas da União.

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