Por Júlia Fidanza Araújo[1] e Sofia Matos Guerra de Andrade[2]
No ordenamento jurídico brasileiro a falência é disciplinada, juntamente com o procedimento de recuperação judicial, na lei 11.101, de 2005. Ambas são estratégias utilizadas quando pessoas jurídicas específicas enfrentam períodos de crise e apresentam dificuldades de arcar com suas despesas. No Brasil, não é possível entrar com pedido de recuperação judicial ou decretar falência de alguém que não é empresário.
A quem a lei se aplica
O Art. 966 do Código Civil define empresário pela atividade por ele desenvolvida. Empresário, portanto, é quem desenvolve a empresa – exerce habitualmente a atividade empresarial, e extrai daí sua renda. Ou seja, para se tornar empresário basta exercer e explorar a atividade econômica.
A sociedade empresária, por sua vez, tem o escopo de unir forças e habilidades, juntar capitais e serviços para obter maiores lucros. Nesses casos, o efeito lucrativo decorrente da exploração da atividade econômica é repartido entre os integrantes. Importa notar que a sociedade empresária tem personalidade jurídica distinta de seus sócios, o que é fundamental para a contenção dos riscos intrínsecos à atividade empresarial.
O que é recuperação judicial
Um dos princípios acolhidos pelo Direito Empresarial é a teoria do risco inato, que consiste em reconhecer os riscos imprevisíveis inerentes à exploração de uma atividade econômica. Se positivos, tais riscos levam à obtenção de lucros pela empresa. Mas, se negativos, podem levar a débitos e a perda patrimonial.
A recuperação judicial é uma tentativa de retomar os trabalhos da empresa e fazer com que ela consiga arcar com todas as suas dívidas. Entrar com um pedido de recuperação judicial significa que a empresa em dificuldades financeiras solicita à Justiça a abertura de um processo para reorganizar suas dívidas e evitar a falência – é como se pedisse um tempo para se reestruturar e voltar a ser lucrativa.
Em caso de aprovação do pedido pelo juiz, o primeiro passo é a apresentação de um plano de recuperação judicial, que deve ser aprovado pelos credores, reunidos em assembleia geral. Nesse plano, a empresa detalha como pretende pagar suas dívidas. Isso pode ocorrer com estratégias como o estabelecimento de um prazo para a empresa pagar suas dívidas, a alteração do controle societário, o aumento do capital social, a venda dos bens da empresa e um compartilhamento da administração, entre várias outras estratégias.
São formas de repactuação da dívida:
- Parcelamento: As dívidas são divididas em prestações menores, com prazos mais longos para pagamento.
- Desconto: A empresa negocia com os credores um desconto sobre o valor total da dívida.
- Conversão em capital: Parte da dívida é convertida em participação no capital social da empresa, ou seja, os credores se tornam sócios da empresa.
Será nomeado um administrador judicial pelo juiz, que acompanhará a execução do plano de recuperação.
As dívidas da empresa serão suspensas durante o processo de recuperação judicial, o que significa que os credores não poderão cobrar as dívidas da empresa nesse período, chamado de stay period.
A empresa poderá continuar funcionando normalmente durante o processo de recuperação judicial, desde que isso esteja previsto no plano de recuperação.
Pedir recuperação judicial é um processo complexo e demorado. É importante que a empresa esteja assessorada por profissionais especializados, bem como saiba que a recuperação judicial não é garantia de que conseguirá se recuperar.
Se o plano de recuperação não for cumprido, o processo poderá ser convertido em falência.
O que é falência
Decretar a falência de uma empresa significa que a Justiça reconheceu a sua incapacidade de pagar as suas dívidas. Isso acontece quando o passivo da empresa (o total que ela deve) é maior que o seu ativo (o total que ela possui).
A falência é decretada mediante a falha da recuperação judicial, ou reconhecida pelo juiz, quanto um credor, se a empresa não pagar a sua dívida dentro do prazo legal.
Nos termos do Art. 94, da 11.101/2005, a falência será decretada se o devedor inadimplir obrigação líquida maior do que 40 salários-mínimos, na data do pedido de falência, podendo os credores reunirem-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para pedido de falência. Ou, se o devedor não paga e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal. Ou, ainda, se pratica atos que não devia por não estarem previstos no plano de recuperação, como a liquidação precipitada de seus ativos, transferências do estabelecimento a terceiros ou outros previstos nas alíneas.
No processo de falência, como regra, o devedor (a empresa) é afastado completamente de suas atividades. A partir desse afastamento, a empresa “inviável” (que já não tem mais esperança de superar a crise) é liquidada – todas as dívidas são pagas e divide-se entre os sócios o patrimônio que restar. Na prática, “falir” significa:
- As atividades da empresa são suspensas: A empresa não pode mais funcionar, vender produtos ou serviços, ou contratar novos funcionários.
- Os bens da empresa são vendidos: Os bens da empresa são vendidos para pagar as suas dívidas. Isso inclui imóveis, equipamentos, veículos, e até mesmo o dinheiro em caixa.
- Os credores da empresa são pagos: Os credores da empresa são pagos com o dinheiro da venda dos bens. No entanto, geralmente eles não recebem todo o dinheiro que lhes é devido.
- A empresa é extinta: Depois que todos os bens da empresa forem vendidos e todos os credores forem pagos, a empresa é extinta. Isso significa que ela deixa de existir legalmente.
A falência é um processo complexo e demorado, que pode levar vários anos para ser concluído. Porém, uma vez decretada, são várias as consequências: i) para a empresa, perde o seu nome, seus bens e sua capacidade de funcionar; ii) para seus credores, que geralmente não recebem todo o dinheiro que lhes é devido; e iii) para seus funcionários, que perdem seus empregos.
Apesar de parecer uma decisão extrema e terminal, o objetivo da falência também é nobre, pois visa a realocação dos recursos da empresa em outras atividades econômicas e possibilita o retorno do empreendedor falido a outras atividades empresariais. Além disso, viabiliza o pagamento dos credores que ainda estavam esperando para receber.
Destaca-se a importância da criação pelo legislador do instituto da personalidade jurídica, como forma de proteger o empresário da instabilidade e imprevisibilidade econômica. A partir do registro dos atos constitutivos da pessoa jurídica na Junta Comercial, cria-se a ficção jurídica denominada personalidade jurídica, através da qual o empresário e os sócios da sociedade patrimonial só respondem subsidiariamente pelas dívidas insolvidas da sociedade e seus patrimônios são protegidos durante esse processo.
[1] Aluna da graduação da Faculdade de Direito da UnB
[2] Aluna da graduação da Faculdade de Direito da UnB