Por Lucas Corte Fialho[1]
REFORMA TRABALHISTA E O REQUISITO DE TRANSCENDÊNCIA NO RECURSO DE REVISTA
A Lei nº 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, foi uma das mais significativas mudanças legislativas ocorridas no Brasil nos últimos anos. A reforma trouxe significativas alterações nas relações de trabalho, incluindo mudanças nas regras de contratação, jornada de trabalho, remuneração, estabilidade, entre outras.
Apesar de já se ter passado mais de cinco de anos após sua promulgação, a Reforma ainda divide opiniões quanto a sua natureza. Isto porque a tramitação do referido diploma legal ocorreu em pouquíssimo tempo quando comparado a outras reformas legislativas, não obstante o grande impacto no Direito do Trabalho.
De um lado, há aqueles que defendem que a Reforma foi necessária para modernizar o mercado de trabalho brasileiro e torná-lo mais competitivo. Esses defensores argumentam que as mudanças introduzidas pela reforma permitiram às empresas criar mais empregos e reduzir os custos trabalhistas.
Por outro lado, há aqueles que criticam a reforma, argumentando que ela precarizou as relações de trabalho e diminuiu os direitos dos trabalhadores. Esses críticos, por sua vez, argumentam que as mudanças introduzidas pela reforma dificultaram o acesso à Justiça do Trabalho e reduziram a proteção social dos trabalhadores.
Em pese que a divergência a respeito da Reforma Trabalhista, fato é que esta produz efeitos na Justiça Trabalhista, em especial na seara processualista. Diante disso, destaca-se, entre todas as alterações no processo trabalhista, a introdução do Requisito de Transcendência no Recurso de Revista.
O Recurso de Revista é um recurso extraordinário previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, que permite ao recorrente impugnar decisões judiciais proferidas nos Tribunais Regionais do Trabalho. A Reforma Trabalhista alterou o artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho, acrescentando o inciso A, que estabelece que o Recurso de Revista será admitido somente se a causa oferecer transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.
A Transcendência, portanto, é um requisito de admissibilidade do Recurso de Revista, que deve ser analisado previamente pelo Tribunal Superior do Trabalho. Para que a transcendência seja reconhecida, é necessário que a causa tenha repercussão significativa para a sociedade, podendo afetar, por exemplo, a jurisprudência trabalhista, a economia ou o direito.
A introdução do Requisito de Transcendência no Recurso de Revista teve inúmeros objetivos. No entanto, há de se falar no desafogamento do Tribunal Superior do Trabalho quanto ao número de Recursos que subiam diariamente, bem como a própria natureza do citado Tribunal Superior enquanto instância da interpretação final do ordenamento jurídico-trabalhista infraconstitucional (Da Silva Martins Filho, 2001).
REQUISITO DE TRANSCENDÊNCIA E A FUNÇÃO JURISDICIONAL DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
Segundo o relatório apresentado pela Comissão Especial destinada a elaborar parecer sobre o Projeto de Lei 6.787 de 2016, que viria a ser promulgada como a Reforma Trabalhista, elencou como ponto principal a morosidade processual. A Comissão Especial teve como base o alto número de congestionamento na Justiça do Trabalho, a partir de dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça:
A taxa de congestionamento de processos no Brasil atinge níveis superiores a 85%, segundo dados do Anuário “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, de 2016. Enquanto a taxa de recorribilidade na Justiça Estadual Comum é de 9,5%, na Justiça do Trabalho este número é de 52%. Essas estatísticas se traduzem na vida dos brasileiros em maior demora processual, especialmente no processo do trabalho, sendo que, na Justiça do Trabalho, essa questão é mais crítica por se tratar de verbas alimentares.
Contudo, os objetivos da adoção do Requisito de Transcendência vão além do grande número de processos judiciais que chegam a Instância Superior Trabalhista. Ressalta-se que a discussão sobre o papel jurisdicional do Tribunal Superior do Trabalho evidenciou a necessidade de se ter como requisito de admissibilidade a Transcendência, de modo a não se concentrar apenas no alto número de processos.
Dito isso, Da Silva Martins Filho (2001) enfatiza que as mudanças realizadas no século passado no recurso de revista “ainda não foram suficientes para propiciar uma atuação célere e satisfatória da Corte na prestação jurisdicional”. Disso, tem-se que a função iminente da Corte Superior do Trabalho é de “intérprete máximo do ordenamento jurídico-trabalhista”, como corolário de sua natureza jurisdicional.
Ante a postura do Tribunal Superior do Trabalhista como a Corte uniformizadora da jurisprudência trabalhista sobre os demais tribunais trabalhistas, é nítido que a introdução da Transcendência como requisito de admissibilidade recai sobre a posição do Tribunal em se tornar exclusivamente julgadora de teses e não de casos repetitivos. Isto porque, conforme estabelece Da Silva Martins Filho (2001):
O critério de transcendência previsto para a admissibilidade do recurso de revista para o TST dá, ao Tribunal e seus ministros, uma margem de discricionariedade no julgamento dessa modalidade recursal, na medida em que permite uma seleção prévia dos processos que, pela sua transcendência jurídica, política,social ou econômica, mereçam pronunciamento da Corte.
Assim, é inegável que o Tribunal Superior do Trabalho, na qualidade de Corte Superior, queira se aparelhar ao Supremo Tribunal Federal. Este, a despeito de sua atuação constitucional e instância última do ordenamento jurídico brasileiro, possui estabelecido há anos a repercussão geral, que nada mais é do que o filtro de admissibilidade para o recurso extraordinário que vai à Suprema Corte.
A repercussão geral, da mesma forma que a Transcendência, é um requisito de admissibilidade. Para tanto, o Requisito de Transcendência traz em seu rol a necessidade de se haver relevância (transcendência) jurídica, política, social ou econômica, ao passo que o filtro da repercussão geral também arrola tais critérios.
Além disso, o filtro de admissibilidade da Suprema Corte contribuiu para o aumento da segurança jurídica. Apesar de haver substancial restrição ao acesso à justiça com a aplicação de mais um filtro de admissibilidade de recursos, os efeitos práticos da introdução da repercussão geral na sistemática processualista do Supremo Tribunal Federal evidenciam que a estabilização nas relações jurídicas garantem mais segurança quanto à resposta jurisdicional, especialmente a previsibilidade das decisões da Corte Suprema.
De tal modo, a introdução do Requisito de Transcendência na Justiça Trabalhista garante mais segurança jurídica que a não adoção desse filtro. As relações jurídicas-trabalhistas, salienta-se, demandam maior segurança em razão da complexidade e cuidado dos direitos discutidos.
SEGURANÇA JURÍDICA POR MEIO DA ESTABILIZAÇÃO DO ENTENDIMENTO DA CORTE SUPERIOR TRABALHISTA
Para o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito, a segurança nas relações jurídicas é essencial. Conforme preconiza Rocha (2005), a segurança jurídica “é uma qualidade do ordenamento jurídico que emana a sua credibilidade e sua eficácia jurídica e social”.
Nas relações trabalhistas, a segurança jurídica é ainda mais importante. Por se tratar de direitos sensíveis, que dizem respeito, em especial, a subsistência humana, a estabilização jurídica diante de temas complexos torna-se necessária.
Nesse sentido, a introdução do Requisito de Transcendência nos Recursos de Revista, que se destinam a apreciação do Tribunal Superior do Trabalho, possibilitou maior previsibilidade das decisões proferidas pelo Tribunal, bem como a uniformização do entendimento jurídico-trabalhista. Aquém da real função jurisdicional da Corte Superior, o Requisito da Transcendência estabelece a interpretação exata para todos os tribunais de jurisdição trabalhista.
A exemplo do ocorrido com o filtro da repercussão geral, que contribuiu com a “objetivação do recurso extraordinário atribuindo-lhe eficácia erga omnes e efeito vinculante” (Macêdo, 2012), o Requisito de Transcendência gerou maior grau de segurança jurídica ao uniformizar a jurisprudência, evitando que recursos sobre a mesma questão sejam julgados de forma divergente por diferentes tribunais.
Sobre isso, nota-se que a Transcendência atua na mitigação de decisões discrepantes, concentrando a jurisprudência em casos paradigmáticos. Essa concentração promove uniformidade na interpretação das normas trabalhistas, fortalecendo a segurança jurídica ao reduzir divergências interpretativas.
A imposição do requisito de transcendência reflete, igualmente, a busca pela razoabilidade e proporcionalidade. Ao direcionar a atenção do Tribunal Superior do Trabalho para casos de maior relevância, busca-se evitar sobrecarga e morosidade processual, equilibrando os interesses das partes e a eficiência do sistema judiciário.
Assim, não há dúvidas quanto aos efeitos práticos do Requisito de Transcendência no Recurso de Revista, introdução na Reforma Trabalhista de 2017. Além da diminuição da quantidade de processos que abarrotam a Justiça Trabalhista, o citado filtro de admissibilidade enfatizou a função jurisprudencial na Corte Trabalhista enquanto intérprete do ordenamento jurídico-trabalhista, de maneira a contribuir para maior segurança nas relações jurídicas a partir da sistematização e uniformização do entendimento normativo-laboral.
[1] Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Membro do Grupo de Estudos em Direito e Economia e do Grupo de Estudos em Direito Tributário, ambos da Universidade de Brasília. Pesquisador do Programa de Iniciação Científica da Universidade de Brasília e do Projeto Suslegis da Fundação Oswaldo Cruz – Brasília. Estagiário no Marques e Melo Advogados.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Câmara dos Deputados. Parecer ao Projeto de Lei nº 6.787, de 2016, nº PRL 1 PL678716, de 12 de abril de 2017. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2017.
DA SILVA MARTINS FILHO, Ives Gandra. O critério de transcendência no recurso de revista-Projeto de Lei nº 3.267/00. Revista Jurídica da Presidência, v. 2, n. 20, 2001.
MACÊDO, Giovanna Loyola. Repercussão geral e a mudança de juízo de admissibilidade do recurso extraordinário: enfoque na segurança jurídica. 2012.
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2 ed. Belo Horizonte: Forum, 2005.