Nova chance de acesso a recuperação judicial pelos não empresários

Projeto de Lei inclui sociedade não empresárias e pessoas físicas na Lei de Recuperação Judicial

Por Hanna Luíza Souza Pereira[1] e Matheus Zchrotke da Silva[2]

Palavras-Chaves: Recuperação Judicial, Associação, Cooperativa, PL.

O Projeto de Lei nº 1262, lançado no ano de 2021, prevê a alteração da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, conhecida popularmente como “Lei da Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência”[3]. A proposição se ampara no fato da legislação brasileira se limitar a tratar da recuperação e falência do empresário e da sociedade empresária apenas. Por sua vez, o PL dispõe sobre a recuperação judicial, extrajudicial e a falência de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, sejam empresárias ou não – ou seja, engloba todos os entes de direito privado anteriormente denominados como “devedores” -, além de dar outras providências.

Proposto pelo Deputado Carlos Bezerra – MDB/MT, o Projeto[4] visa a inclusão de um novo teor na Lei de Recuperação e Falência, qual seja, o Capítulo VI-B, denominado “Da recuperação judicial, extrajudicial e da falência dos não-empresários”, que, em seu Artigo 167-Z, inclui as sociedades simples, associações e pessoas físicas não-empresárias no sistema de recuperação e falência previstas na norma.

O Parágrafo 4º do referido Artigo chama bastante atenção ao prever que não haverá assembleia geral de credores, com exceção dos casos em que for requerida por credores que representam ao menos 20% dos habilitados. Contudo, não exclui a obrigatória submissão do plano de recuperação judicial aos credores por meio de publicação em edital, em até 30 dias.

Também há disposição específica para as cooperativas (com exceção as de crédito), que devem ser tratadas como sociedade simples nesse procedimento. As cooperativas que desempenham atividade de industrialização e comercialização de produtos dos cooperados possuem uma previsão ainda mais singular: essas se enquadram nas mesmas regras das sociedades empresárias, desde que tenham um faturamento anual superior ao das empresas de médio porte.

A proposta já começou a tramitar na Casa Legislativa nacional, sendo apensada aos PLs nº 3625/21 e 1483/22, que também tratam sobre mudanças no regime de recuperação judicial, extrajudicial e falência. O tema é tão controverso que, além de ser objeto de diversas PLs visando a alteração da Lei, estas sofre com ementas exorbitantes: o Projeto de Lei nº 03 de 2024, que tem como objetivo “aprimorar o instituto da falência do empresário e da sociedade empresária”, foi vítima de 50 emendas variadas antes da sua apresentação em Plenário – desde a modificação do processo de venda dos bens de massa falida pelo administrador judicial sem a devida deliberação da assembleia pela extensão do prazo (rejeitada por ir de encontro com o objetivo principal da emenda, qual seja, maior autonomia aos credores), até a supressão de dispositivo que versa sobre a regra de aprovação do plano de falência, argumentando ofensa o princípio da par conditio creditorum.

Polêmica da recuperação judicial de sociedades não-empresárias

O problema principal, que ocasionou a proposição da mudança na lei através do PL nº 1262/2021, é a ausência atual de métodos voltados para o tratamento da falência de sociedades não empresariais. Associações, cooperativas, fundações e organizações não-governamentais, todas geradoras de empregos e com credores ativos, continuam sem respostas precisas em relação ao próprio destino graças à ausência de soluções legais viáveis para sua insolvência.

Atualmente, de acordo com a doutrina, as referidas organizações passam pelo procedimento de insolvência civil, na mesma medida que um pessoa física, sem consideração das particularidades[5]. Esse procedimento, entretanto, não possui disposição legal detalhada como a recuperação judicial, deixando diversos vazios e insegurança sobre o tratamento dessas sociedades. Nessa linha, essas entidades, que são mais próximas de empresas do que de pessoas físicas, não possuem um mecanismo próprio de recuperação, dificultando a sua preservação e a satisfação de todos os credores.

Como parte de uma grande discussão doutrinária e jurisprudencial no Brasil, essa questão remanesce ausente de solução, na medida em que o Superior Tribunal de Justiça ainda não decidiu definitivamente sobre os mecanismos de recuperação judicial e falência dessas sociedades. Alguns julgados equiparam sociedades não-empresárias a empresárias no âmbito da Lei 11.101/2005, numa improvisação com fins de possibilitar a recuperação judicial de associações e cooperativas. Por outro lado, parte da jurisprudência pátria não reconhece essa equiparação, alegando clara violação à segurança jurídica e à legalidade em decorrência dessa interpretação ampla, como é o caso do posicionamento recente do TJSP[6].

Nesse contexto, o Ministro do STJ Luis Felipe Salomão , em 2022, na justificativa de seu voto no processo de Tutela Provisória nº 3654/RS, defendeu que a atividade realizada pelas organizações supracitadas é suficientemente similar a atividade empresarial – promove circulação de bens e serviços, emprega trabalhadores e constitui relação com instituições financeiras – logo, também seria passível de recuperação judicial[7]. Além disso, a ausência de ferramentas alternativas para esse tipo de caso torna ainda mais compreensível a interpretação jurídica extensiva feita pelo STJ.

Caso aprovado, o PL 1262/2021 possibilitaria não apenas a inclusão de sociedades não-empresárias na Lei 11.101/2005, mas construiria um próprio regime de recuperação judicial único, centralizando a recuperação judicial de todas as sociedades em um só dispositivo e padronizando o entendimento jurisprudencial.

Tramitação legislativa do Projeto

Atualmente, o Projeto de Lei nº 1.262/21 aguarda parecer do relator na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços (CICS). Por estar submetido ao regime ordinário de tramitação, está sujeito à apreciação conclusiva das comissões, com base no Artigo 24, inciso II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. A última movimentação da proposta completará 1 ano na próxima sexta-feira (19), aniversário do encerramento de prazo para apresentação de emendas ao Projeto, momento no qual não houve nenhuma sugestão de alteração no Projeto.

Em entrevista exclusiva para esta matéria, o Deputado Federal Josenildo (PDT/AP), atual presidente da CICS, pronunciou-se, no dia 09 de abril de 2024, a respeito de seu entendimento da importância da Lei 11.101/2005 e sobre o novo horizonte que o PL 1262/2021 poderá abrir para sociedades não-empresárias. De maneira resumida, o Deputado destacou a relevância da recuperação judicial como ferramenta jurídica de preservação empresarial de fundamental importância, principalmente num país onde muitas empresas “morrem” rapidamente, com um média de 4 a 5 anos de existência. Não somente isso, a morte dessas empresas leva consigo diversos empregos, dívidas passíveis de quitação e a possibilidade de recuperação das empresas. Quando questionado sobre a aplicabilidade da ferramenta da recuperação em sociedades não empresariais, o deputado defendeu que associações e cooperativas, na medida em que também realizam atividades empresariais, geram empregos, circulam produtos e desenvolvem a econômica, devendo também ter direito ao acesso à recuperação judicial.

Além disso, sobre as pessoas físicas, o deputado afirmou que o presente PL fornece um destino melhor a essas figuras do que o instituto da insolvência civil, que é um ferramenta praticamente em desuso. De maneira geral, o Presidente da Comissão se mostrou favorável ao Projeto de Lei, com ênfase na estruturação de uma Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência mais abrangente e detalhada. Por fim, o deputado alegou que procurará efetivar uma tramitação rápida do Projeto para garantir celeridade na referida mudança legal, não deixando de incluir nesse processo a participação ampla da sociedade civil. Fica assim, a expectativa de alteração da Lei n° 11.101/2005 para permitir a recuperação judicial de organizações e indivíduos não-empresários num futuro próximo.


[1] Graduanda do 9º semestre em Direito pela Universidade de Brasília e estagiária no Supremo Tribunal Federal. Se interessa pelo tripé universitário e exerce atividades de pesquisa, ensino e extensão na universidade. Atualmente, faz parte do Programa de Extensão Tutorial – PET Direito UnB, do grupo de pesquisa Centro de Estudos Constitucionais Comparados, da Assessoria Jurídica Roberto Lyra Filho e outros projetos.

[2] Graduando do 9º semestre em Direito pela Universidade de Brasília. Membro do projeto de extensão AJUP Roberto Lyra Filho (Assessoria Jurídica Universitária Popular) e membro do projeto de extensão Hermenêutica (Sociedade de Debates da UnB) ambos da Faculdade de Direito da UnB. Ex-Assessor de Negócios na AdvocattA, Empresa Júnior de Direito na UnB. Ex-membro do Conselho de Representantes da Faculdade de Direito durante 2021 e 2022. Ex-membro voluntário do Projeto Tutouros, projeto de tutoria voluntária gratuita para alunos do Ensino Fundamental da rede pública do DF.


Referência Bibliográficas

[3] BRASIL, Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF: Diário Oficial da União. 2005.

[4] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n° 1262, de 07 de abril de 2021. Altera a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, para dispor sobre a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência das pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, empresárias ou não, e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1986788&filename=PL%201262/2021

[5] DINIZ, Gustavo Saad. Curso de Direito Comercial. Barueri, SP: Atlas, 2022.

[6] OLIVEIRA, Renata; MASCARENHAS, Carolina; VIEIRA, Caio. TJ/SP decide que associação civil não pode requerer recuperação judicial. [S. l.]: Migalhas, 10 out. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/394963/tj-sp-decide-que-associacao-civil-nao-pode-requerer-o-judicial. Acesso em: 9 abr. 2024.

[7] REDAÇÃO STJ. Quarta Turma restabelece liminar para que associações civis prossigam na recuperação judicial. STJ, Brasília, p. 1, 25 mar. 2022. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/25032022-Quarta-Turma-restabelece-liminar-para-que-associacoes-civis-prossigam-na-recuperacao-judicial.aspx. Acesso em: 9 abr. 2024.

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